Formação

Nasceu a verdadeira alegria

Contemplando o abaixamento do Filho de Deus e lendo os vestígios do cenário da alegria, podemos parafrasear São João: “a alegria se fez carne e habitou entre nós”.

Escrito por Espiritualidade

09 DEZ 2019 - 00H00 (Atualizada em 24 AGO 2021 - 11H52)

Esta verdadeira “alegria carnal” tem o seu significado real norteado por uma relação vital e configura a mesma não só por um estado de ânimo. Existe então, uma alegria para além da alegria, ou seja, para além do nosso sentir comum e estereotipado; porque para esta “alegria carnal”, há uma imagem bem identificável, aquela de Jesus de Nazaré.

Se a alegria se debruça como pessoa em nossos braços, tal qual o menino naqueles de Maria de Nazaré, então é uma alegria narrada e narradora: há uma história e faz história conjuntamente. Aperta-se ao peito e se abraça. Alegria se escuta, se vê, se toca, é mais real do que nós mesmos (1 Jo 1,4). Alegria tem a ver com a palavra, com a humanidade de uma pessoa, com a verdade que esta carrega e encerra. Uma alegria estereotipada, ligada a estados de ânimo duradouros e prazerosos, mas desvinculados da presença sacramental de nosso semelhante e ancorada à satisfação de desejos tão somente, é contrastada pela alegria-relação vital com a reveladora condição de simplicidade de Jesus de Nazaré: eis por que se trata de alegria anunciada, alegria-promessa, que não se encerra jamais em um momento e somente se constrói em um conjunto complexo e desejado de valores. O único momento pontual na qual a alegria se deu em modo incomensurável é a encarnação do Filho de Deus, culminante na sua morte e ressurreição. Esta é a história narrada da alegria anunciada, a ser continuada.

Quando o Verbo de Deus tocou a terra, a inundou daquilo que faltara e só Ele lhe dera: ele veio “costurar” fragmentos (cf. Mt 5,32; 8,16; 11,5; 19,14; Lc 6,4; 15,2; Jo 8,11); com Ele e nele a misericórdia pôs limite ao mal (cf. Lc 10,30-37; Lc 11,20; Jo 12,31; Jo 19,30); Ele veio marcar de realismo sagrado as profundezas das nossas angústias, e resgatar a noite de nossa vida (cf. Jo 5,24; 6,48; 9,5; 10,14; 11,25; 14,6). Somos incluídos para sempre na alegria completa dada por Jesus Cristo (cf. Jo 15,11; 16,24). A alegria da encarnação não se dissocia da justiça, da verdade, da paz, da solidariedade, do senso religioso e de participação da vida, da precedência a quem mais sofre, da verdade de uma integridade entregue ao bem.

Beneficiados como filhos (cf. Jo 1,12), aprendemos a cultivar a verdadeira alegria, seguidos pelo proto-exemplo do Nazareno: ela é silenciosa, pois vem participar e não se impõe, e como a criança que chegara em meio aos pastores, hoje, por via da justiça, a silenciosa e participativa alegria evangélica pode fazer-se em meio à ecologia, aos trabalhadores da terra e aos cultivadores, aos viajantes em busca de sentido, aos homens de cada setor urbano. Jesus de Nazaré vem nos dizer que alegria-anunciada tem como condição a simplicidade (cf. Lc 2,7; 9,58), que esta tem um início e um término: o filho do Abba nasce nu e desprovido, morre despojado. Tocados pela imagem identificável de Jesus de Nazaré, cada um de nós carrega em si a missão de significar a vida dos outros a partir da própria. Sem a sobriedade, é difícil. Assim, concluímos que a alegria da encarnação é uma alegria contextual, declinável em cada ambiente.

Se a morte não fosse vencida e a ressurreição uma condição partilhada e desejada pelo mesmo Pai de Jesus Cristo no Espírito Santo (cf. At 5,30; 1 Cor 15,14), hoje não poderíamos jamais respirar e alimentarmo-nos do valor desta alegria-promessa, que vem acompanhada de um cenário: justiça realizada, libertação integral, paz entre os povos, salvação universal, concretização das bem-aventuranças (cf. Mt 5,3-11). Somos chamados a continuar a compor o cenário da alegria no mundo: sermos os pobres bem-aventurados que fazem da simplicidade a norma, o critério, o respiro, o símbolo da própria realização; realizar a justiça e desvencilhar os mecanismos de incremento às formas de corrupção que podem se alimentar até com a nossa hipocrisia; cumprir valores éticos nos mais singelos detalhes da vida cotidiana; fomentar relações de recíproco respeito e estima nos ambientes de trabalho; promover, defender e proteger os mais indefesos e desprovidos, compartilhando por meio de uma presença efetiva a sorte de quem sofre qualquer forma de sofrimento; cultivar e dar esperança procurando colaborar para costurar os fragmentos que encontramos dia após dia. De onde pode vir senão a alegria?

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