Lendo o Evangelho

Eu sou o caminho, a verdade e a vida

Quando Jesus diz "Quem me vê, vê o Pai", Ele não fala de uma percepção ótica, como se Deus pudesse ser objeto de nossa visão, mas trata-se de uma experiência da revelação de quem é Deus

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

09 MAI 2020 - 15H00 (Atualizada em 05 MAI 2021 - 11H57)

"Eu sou o caminho, a verdade e a vida", disse Jesus. A imagem do caminho é universal para indicar a orientação de uma existência com as escolhas decisivas que se consolidam ao longo de seu curso. Para Israel, tal imagem enraíza-se na lembrança do êxodo, quando o Senhor traçara sua rota no deserto rumo à Terra Prometida pela nuvem durante o dia e pela coluna de fogo durante a noite (cf. Ex 13,21).

No trecho do evangelho de hoje, Jesus supõe que os discípulos tenham aprendido o caminho que leva ao Pai, mas, surpreendentemente, Tomé declara desconhecê-lo. A resposta de Jesus poderia ser explicada assim: “Tomé, se crês que sou a verdade e a vida, estás certo de encontrar em mim o caminho que conduz ao Pai que é o lugar para onde vou, o lugar onde estou”. Com efeito, o v. 6 diz: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”, quando seria de se esperar: “Ninguém vai ao Pai...” Portanto, Jesus, que se designava como “a Porta” que leva à Vida (cf. Jo 10,9), fala aqui como Aquele que já se encontra aonde o discípulo quer chegar.

“Quem me vê, vê o Pai”. Ora, “ver” está relacionado a conhecer que, na Bíblia, não exprime simplesmente uma apreensão intelectual, mas uma experiência, uma relação íntima entre duas pessoas e pertence ao vocabulário da Aliança (cf. Os 13,14; Jr 24,7; 31,34). Assim, o pedido de Filipe – “Mostra-nos o Pai” – parece exigir uma manifestação especial de Deus, semelhante à súplica de Moisés ao Senhor: “Mostra-me tua glória!” (Ex 33,18). Se, por um lado, tal pedido exprime o profundo desejo de transcendência que habita o ser humano e o impele a buscar a face de Deus, por outro trai a cegueira desse discípulo que não consegue enxergar em Jesus a plena revelação do Pai.

No discurso sobre o pão da vida, Jesus já havia falado sobre “ver o Pai”: “Está escrito nos profetas: ‘E todos serão ensinados por Deus’. Quem aprendeu com o Pai e recebeu o Seu ensinamento vem a mim. Não que alguém tenha visto o Pai; só aquele que é de junto de Deus viu o Pai” (Jo 6,45-46). Segundo esta passagem, “ver o Pai” significa um conhecimento face a face, pleno, exaustivo, que só o Filho possui por estar junto de Deus.

Em Jo 14, “ver” está em um crescendo com relação a “conhecer” e é atribuído aos discípulos, àqueles que, ao longo, da sua convivência com Jesus, podiam “ver” n’Ele o Filho cuja ação que salva o mundo era expressa em palavras e obras. No evangelho de João, “ver o Filho” significa – para além do ver sensível que resulta da encarnação do Verbo – a compreensão de seu mistério pessoal. Aplicado ao Pai, “ver” não exprime uma percepção ótica, como se Deus pudesse ser objeto de nossa visão, mas uma apreensão na fé que tem a força de uma evidência. Igualmente no Antigo Testamento, quando se fala que homens “viram” o Senhor, trata-se de uma experiência de revelação, de uma Presença indubitável e vivificadora.

Por fim, Jesus explica que tal visão é possível porque o Pai habita n’Ele. E isto explicita em que sentido Ele é o caminho. Não o é como meio provisório até o encontro efetivo com o Pai, a realizar-se no futuro. Embora a meta seja mesmo o Pai, o discípulo só a alcança por sua adesão ao Filho, pois só Ele está onde o Pai está.

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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