Por Túlia Savela Em A Igreja no Rádio Atualizada em 23 AGO 2019 - 11H44

As três tintas

Uma nova história deve ser escrita com qual cor?




As três tintas

O velho monge era o responsável do grupo de frades que copiavam, a mão, os escritos antigos. Era um trabalho cansativo, mas, no final, cada folha era uma verdadeira obra de arte. Certa vez, um jornalista quis conhecer mais segredos sobre esta arte secular. O monge explicou: “Veja, na vida há três cores de tintas para escrever. Uma é preta, outra, vermelha e a outra é branca. Tudo aquilo que é escrito com a tinta preta, com o passar do tempo, desaparece, como a fumaça. Talvez fique alguns séculos no fundo de alguma biblioteca, mas está destinado a acabar. Aquilo que é escrito com a tinta vermelha – que é a cor dos nossos sacrifícios, dos nossos sofrimentos ou das provações do nosso amor – este está destinado a ficar até o dia do julgamento final. Será a prova decisiva da nossa fé, a passagem para a nossa salvação. Tudo aquilo que é escrito com a tinta branca...”. “Tinta branca?”, o interrompeu o jornalista. “Mas a tinta branca é invisível!”, completou o jornalista. “Justamente! – retomou tranquilamente o velho – é a tinta da humildade, da pobreza, da infância espiritual, da pureza e da graça. O que for escrito com a tinta branca, somente pode ser lido no Reino dos Céus. Este dura para toda a eternidade”.

Lembramos a lição do “Pai nosso” de domingo passado. Assim devemos rezar: “Dá-nos a cada dia o pão de que precisamos”. Jesus nos convida a confiar na bondade de Deus que quer sempre o bem dos Seus filhos. Não significa esperar que o necessário caia do céu, mas acreditar que Deus é um Pai muito bom que quer que os Seus filhos aprendam a praticar a solidariedade e a partilha como irmãos. O contrário, evidentemente, é a ganância, o acúmulo de bens. Isto revela a falta de fé em Deus Pai, mas, sobretudo, a incapacidade de pensar nos outros. O “meu” sem limites acaba de vez com o “nosso”.

A parábola de Jesus do homem rico, feliz porque tinha juntado uma grande colheita e nem mais sabia onde colocá-la, é bem conhecida. O final também. Ele pensou e agiu como um louco, achando-se dono até da própria vida, só porque tinha muitos bens. Grande equívoco, no qual, se não prestamos atenção todos nós podemos cair. Estamos sempre ocupados em afastar o pensamento da morte. De fato, a consciência realista do fim, igual para todos, nos ajudaria a administrar de maneira diferente o que temos, seja os bens materiais, seja o tempo, desconhecido, da nossa vida. Todos sabemos o que nos aguarda, mas continuamos a juntar coisas como se pudéssemos levá-las conosco um dia.

Se, no mundo, tivesse só um ou outro “louco”, paciência, mas o pior é que todos, e de muitas maneiras, somos conduzidos num círculo vicioso de ganho e de consumo. Pensamos: o que adianta ganhar, se depois não gastamos? O dinheiro deve circular. Sem o consumo vai faltar o trabalho, sem trabalho vão faltar os salários, sem os salários ninguém compra mais nada. Não tem saída. No entanto, vozes de alerta vêm de todo lado. Precisamos pensar numa “sobriedade feliz”, ou seja, buscar, antes de tudo, o necessário e uma vida digna para todos e não o consumo desenfreado de alguns que exclui milhões de seres humanos do “pão de cada dia”.

O planeta Terra não tem reservas infinitas. O paradoxo é que nós também precisamos construir novos armazéns, mas não para oferecer comida a quem não tem; eles servirão para esconder o lixo e as toneladas de materiais que descartamos. Não é o número de habitantes que ameaça o planeta, é a má distribuição dos bens que a natureza oferece de graça para todos.

Se milhões de pessoas, incluindo muitas crianças, estão saindo dos seus países atrás do sonho de uma vida melhor é sinal que muitas coisas não estão funcionando bem na nossa sociedade. Se os poucos que têm um alto padrão de vida têm medo dos pobres que passam mal e trancam portas e corações, o futuro da humanidade é sombrio.

Muitos dizem que uma nova página de história deve ser escrita. Com a tinta de qual cor? Tenho medo que os grandes avanços tecnológicos, tão badalados, estejam sendo escrito só com a tinta preta. Não mudarão muita coisa. Precisamos escrever mais páginas com o vermelho do amor e da solidariedade. Muito mais devemos aprender a escrever com o branco da humildade e da paz.

Por Dom Pedro José Conti, bispo de Macapá, no Amapá


A Ganância




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