Por Frei Aloísio Oliveira Em Lendo o Evangelho

Tua fé te salvou

No Evangelho (Mc 5,21-43) deste domingo (27), Frei Aloísio fala da força da fé e os milagres de cura que Jesus realizou

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O evangelho de hoje narra dois milagres. Inicialmente, Jesus é procurado desesperadamente por Jairo, um líder religioso, cuja filhinha de doze anos estava enferma, à beira da morte. Ele suplicava a Jesus que fosse à sua casa para curar a menina, impondo-lhe as mãos. Sempre disposto a servir, Jesus acompanhou o pai aflito. O percurso até à casa de Jairo, porém, foi interrompido por causa de uma mulher, no meio da multidão que seguia Jesus.

Fazia doze anos que ela padecia de uma hemorragia incurável. Apesar de ter gastado com médicos tudo o que possuía, a enfermidade só piorava. Ela tinha fé que se tocasse, ao menos, na barra da roupa de Jesus, ficaria curada. Então, aproximando-se discretamente, por detrás, assim fez e, imediatamente, se sentiu curada.

Jesus, porém, percebendo que dele saíra uma força, perguntou quem o havia tocado. Os discípulos acham ridícula a pergunta. Como seria possível saber quem o tocou no meio de uma multidão que o apertava de todos os lados? A mulher, porém, identificou-se e, prostrando-se aos pés de Jesus, trêmula de medo, contou-lhe toda a história.

Essa mulher foi muito corajosa. Segundo a lei religiosa da época, a pessoa que tivesse contato direto com sangue era considerada impura e tornava impuro quem ela tocasse (Lv 12,4; 15,25). Assim, ela, impura, colocou também Jesus em estado de impureza. As pessoas, nestas condições, sofriam restrições. Não podiam, por exemplo, participar das celebrações litúrgicas sem, antes, passar por complicados ritos de purificação.

A mulher, porém, pressentindo em Jesus a “força” de que precisava para curar-se do mal que a afligia, desconsiderou as regras e tocou nele. Naquele sagrado instante, ela não só tocou a “força salvadora” de Jesus, mas apropriou-se dela. Jesus se dá conta disso, mas permitiu à mulher que se apoderasse da plenitude de sua força e, compadecido, dirigiu-lhe palavras de suprema consolação: “Filha, tua fé te salvou. Vai em paz”.

Na multidão anônima, só essa mulher é “individuada” e, com terna familiaridade, chamada de “filha”. Tal intimidade com o Senhor lhe foi proporcionada pela fé que a levou a “tocar” nele. Com isso, ela foi “tocada” pela “força salvadora” que saiu dele. Ao tocar o manto do homem Jesus, ela acolheu o Filho bem amado do Pai, capaz de dar, a todos que o recebem na fé, o poder de se tornarem filhos e filhas de Deus (Jo 1,12).

O ocorrido com essa mulher é o que deve acontecer com cada um de nós. A comunidade cristã não é uma multidão anônima. É a reunião daqueles e daquelas que são chamados a uma íntima comunhão com o Senhor, capaz de nos “individuar” em estreita familiaridade com Ele.

O episódio da mulher fez com que Jesus se atrasasse e, infelizmente, da casa de Jairo, chega a triste notícia do falecimento da filha. Para que incomodar ainda o Mestre? Escutando a conversa, porém, Jesus olha para Jairo, o exorta a ter fé e continua o caminho até à sua casa. Lá chegando, se depara com um alvoroço.

Amigos e parentes choravam e se lamentavam rumorosamente pela morte da menina. Jesus censurou-os pelo desespero, afirmando-lhes que a menina não estava morta, mas dormindo. Começaram, então, a zombar dele. Como era possível negar um fato consumado, constatado por todos? Jesus, porém, mandou que todos saíssem da sala em que a menina era velada, exceto os pais dela e os três discípulos que o acompanhavam.

Tomando-a pela mão, ordenou-lhe: “menina, levanta-te!” Ela se pôs de pé e começou a caminhar. Jesus mandou, então, que lhe dessem alimento. A reanimação da filha de Jairo revela que a morte física não é o fim da vida, mas sua transformação em imortalidade, pois viver é estar com Deus. Mesmo se viveu vida longa, depois do episódio, aquela menina, um dia, morreu fisicamente como todos os mortais. Mas, nela Jesus revelou que Ele é mais forte que a morte.

A morte não é a última palavra para quem está nas mãos de Jesus. Ainda que o corpo morra, a vida continua transformada em presença junto de Deus. A vida é tudo o que vivemos. Nossos atos feitos em comunhão com Deus não são jogados fora para sempre. Eles têm futuro nas mãos de Deus. A vida é o amor eterno de Deus que cresce em nós. Por isso, é tão importante deixá-lo tomar conta de nós. Se o impedirmos, nossa vida será perdida. Em Cristo, realizamos a vida que não morre. Quem Nele crê tem a vida eterna (Jo 6,47).

O tema central de ambas as passagens é a fé. A Jairo cuja filha estava morta, Jesus diz: “Tenha fé!”, e à mulher curada da hemorragia: “tua fé te salvou”. A fé, portanto, é condição para receber a vida como dom de Deus.




A mulher sofria de hemorragia crônica há doze anos e a menina morreu com doze anos de idade. A mulher ficou curada porque “tocou” em Jesus e a menina voltou a viver porque “foi tocada” por Ele.

Em ambos os casos, o “toque” foi a causa do maravilhoso desfecho. É muito significativo! Com efeito, “afeto”, palavra tão importante para nós por exprimir ternura e familiaridade, significa “toque”. Sentimos afeição e atração pelas pessoas que nos “tocam” interiormente. Quanto mais profundamente “tocados”, mais verdadeiro e saudável o relacionamento. Assim que se nos perguntássemos: “tocamos” ou “fomos tocados”, ou seja, amamos ou somos amados, nos daríamos conta de que essa pergunta não faz sentido.

Um pássaro não pergunta qual de suas asas é mais importante. Se lhe faltar uma delas, ele não voa. No relacionamento com o Senhor, sem dúvida, é “Ele que nos amou por primeiro” (1Jo 4,19). Só “Ele é Amor” (1Jo 4,8). Mas, é imprescindível que o acolhamos. É decisivo que queiramos “tocá-lo” para experimentarmos a transformação que só o seu amor pode realizar em nós. Sem Ele, vamos sempre padecer de sangrias crônicas que acabam por esgotar a nossa vitalidade.

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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