Por MI Em Reportagem

O perdão na família

O início da pandemia intensificou o convívio e muitos casais passaram por conflitos no relacionamento o que levou o aumento de 15% no número de divórcios, comparado ao ano anterior

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Por Ana Cristina Ribeiro e Núria Coelho
Jornalistas

O perdão nunca foi um caminho fácil a ser trilhado, mas ele está continuamente presente em nossas relações. No núcleo familiar perdoar é algo frequente. A família é uma terra fértil onde brotam com extrema facilidade muitos sentimentos, sensações e percepções, ela é permeada por pura emoção, por isso, torna-se um espaço muito vulnerável a frustrações de expectativas e mágoas. A família perfeita, sonhada por muitas pessoas, infelizmente não existe. Existe, sim, a família que sabe perdoar uns aos outros.

Papa Francisco recordou em recente audiência que o Sínodo dos Bispos sobre as famílias, realizado no Vaticano em 2015, foi um momento de renovar a esperança, de que faz parte da vocação e da missão da família a capacidade de perdoar e ser perdoado. “A prática do perdão não só salva as famílias da divisão, mas as torna capazes de ajudar a sociedade a ser menos má e cruel. A Igreja, queridas famílias, está sempre próxima a vocês para ajudar a construir a suas casas sobre a rocha da qual falou Jesus”, destacou o Pontífice.

O perdão é a chave da cura

A Igreja sempre foi um aporte essencial para a reconciliação nos lares e foi dentro dela que a dona de casa Kátia Cilene, encontrou forças para iniciar um processo de restauração em sua família. Aos 21 anos ela perdeu a mãe, vítima de um câncer generalizado. Na época, seus pais eram separados e sua relação com o pai, Antônio Hélio, que já não era boa, passou a ser ainda pior. “Antes de falecer minha mãe pediu que eu falasse com o meu pai para que ele voltasse para casa e cuidasse de mim e dos meus irmãos. Eu atendi o pedido dela, mandei o recado, mas meu coração não queria voltar a conviver com meu pai. Ele voltou, mas só ia para casa comer algo e tomar banho. Depois ia dormir no carro em um estacionamento próximo à nossa casa”, recorda Kátia.

Naquele tempo, ela começou a frequentar o grupo de oração na igreja próxima de sua residência, e as pregações que ouvia falando de perdão tocavam fundo a sua alma. No mesmo período, Kátia descobriu que o esposo a estava traindo. Eles tinham apenas um ano de casados, mas os problemas não pararam por aí. A irmã mais nova estava envolvida com drogas com apenas 13 anos de idade. “Foram tempos difíceis, minha vida estava desmoronando e de pernas para o ar”, afirma Kátia.

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal
Kátia com o pai e a irmã celebrando o Natal

Mesmo sem entender o porquê de tantas provações, Kátia encontrou no caminho de vida espiritual a revelação de que tudo mudaria se ela permitisse perdoar quem ela tanto sentia mágoa: o pai. “Questionei Deus sobre como perdoar e a mensagem que veio em minha mente foi do palestrante do grupo de oração dizendo para eu olhar para o meu pai com olhar de Jesus. Foi ali que iniciei um processo de perdão, começando pela oração. Eu passei a rezar pelo meu pai, passei a abençoá-lo. Ele passou a morar na minha casa e está comigo até hoje”, conta Kátia agradecida porque com essa reaproximação conseguiram ajudar também a irmã adolescente a sair do problema das drogas.

Nos seis anos seguintes a família conviveu bem e com alegria pelos dois filhos que Kátia teve. Contudo, antes de o segundo filho completar um ano, Kátia descobriu uma nova traição do marido. “Eu fiquei depressiva por dois meses, perdi 17 quilos e o que me levantou e sustentou foram as missas e a espiritualidade que eu buscava diariamente”, conta Kátia sobre sua batalha por meio da oração. O marido ficou cinco anos com a amante e durante esse tempo Kátia e os filhos não desistiram de pedir a misericórdia de Deus pela vida dele: “Nesse período meu esposo passou a frequentar o espiritismo, e também se envolveu com um grupo criminoso que o levou a traficar armas e drogas. Ainda assim eu não deixava de rezar pela libertação dele”.

Novo começo

As orações de Kátia foram atendidas de uma maneira inesperada. O marido que tinha um filho de um relacionamento da adolescência foi preso por não pagar a pensão alimentícia. Na cadeia, diz ter visto Nossa Senhora que mostrou todo o sofrimento que ele havia causado à mulher e aos filhos com suas atitudes. O marido prometeu mudar de vida e, como sinal dessa segunda reconciliação, passou a frequentar a Igreja com a família.

Kátia lembra que dessa vez as coisas haviam mudado de verdade, porque quando o marido começou a fazer coisas erradas, “reconheceu que estava caindo, que estava errando, pediu perdão e ajuda, e desta vez a mudança de vida aconteceu. Ele assumiu trabalhos na paróquia, visitava os doentes, e foi, de fato, uma grande conversão”.

Em 2015, na esteira de uma grande crise financeira do setor em que atuava, o marido contraiu dívidas com agiotas que ameaçaram a vida dele e da família. Tudo isso o levou a uma depressão profunda e ele cometeu suicídio. “Ele deixou uma carta relatando como se sentida diante de toda a situação. Mesmo vivendo a dor de perdê-lo, me mantive forte pelos meus filhos”, recorda com emoção. “Minha família passou por grandes tormentas, mas a considero vitoriosa porque o meu casamento foi restaurado pela oração, meu esposo se arrependeu das traições e dos erros; infelizmente teve um final triste, mas mostrou a verdadeira conversão que tinha acontecido na vida dele”, conta Kátia que conclui desejando que “possamos em todos os momentos da nossa vida olhar para a Palavra de Deus, para Nossa Senhora e manter viva a nossa fé”.

Deus nos capacita para o perdão

O carpinteiro José Marques de Oliveira conta que traiu a esposa com outra mulher casada. Quando foi descoberto, a esposa desistiu do casamento, mas continuavam a viver na mesma casa por causa das filhas. Esse momento difícil levou José a frequentar mais a Igreja e se arrepender dos erros cometidos. Quis reatar e voltar a conviver em paz com sua esposa e filhas, mas o conflito estava apenas começando: “O pecado tinha tirado de mim a graça de viver em família, então, propus para a minha esposa que procurássemos a Igreja para tentar restaurar o nosso casamento. Ela disse que jamais iria a uma igreja e que, se tivesse que ir, a última que iria seria a Igreja Católica”, recorda José Marques.

O carpinteiro não desistiu de lutar e seguiu com fé. “Quanto mais eu me aproximava de Deus, a minha esposa se distanciava de mim. Ela acabou fazendo o que eu tinha feito no início dessa história, se envolveu com outra pessoa. Teve um relacionamento fora do casamento que ocasionou numa gravidez não planejada”. Esse foi um dos momentos mais difíceis da vida de José.

Assumir o filho de outra pessoa não estava em seus planos. “Pedi muito a Deus para que Ele me perdoasse e me desse a graça de perdoar. Em um dos momentos de oração eu senti Deus falar ao meu coração e perguntar se eu estava preparado para perdoar. Eu disse que não estava, mas que esperava que Ele me preparasse para isso”, destaca José Marques.

Com a notícia da gravidez muitos questionamentos vieram e o que mais incomodava José era entender os propósitos de Deus. “Minha esposa quis abortar e me pediu dinheiro para fazer isso. Mesmo com o pouco conhecimento da fé, me recusei a ajudar. Pedi a Deus que me capacitasse para cuidar de uma criança que não era minha e Deus falou ao meu coração: ‘Cuide dos meus pequeninos’”.

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal
José Marques com esposa, filhos e netos

O que fez o carpinteiro perseverar nessa restauração do seu casamento foi a fé e a confiança de que Deus nos capacita para o perdão. Hoje, José e a esposa frequentam a Igreja Católica, receberam o Sacramento do Matrimônio e Deus os abençoou com mais uma filha. A família caminha junto na Igreja servindo nos ministérios da catequese e da eucaristia.

Terapia de relação

O ano de 2020 foi um marco para muitas famílias. De acordo com o Colégio Notarial do Brasil houve um aumento de 15% nos divórcios com parado ao ano anterior, ou seja, foram mais de 43 mil divórcios extrajudiciais realizados no segundo semestre de 2020 comparado aos 38 mil em 2019.

A psicoterapia de casais ou terapia de relação, foi um recurso muito procurado nesses tempos. Para a psicoterapeuta de casais Lisandra Monrforte a procura aumentou e um dos fatores de maior relevância foi a falta de comunicação: “A falta de uma boa comunicação tem tornado os conflitos mais presente nos lares. Situações comportamentais e históricas de cada pessoa também contam para que as divergências venham à tona. Muitos sabem verbalizar, mas não sabem comunicar suas angústias, medos e aflições e isso gera muitos conflitos”.

A psicóloga ainda reforça que para iniciar o processo de reconciliação é necessário identificar o problema e aceitar a ajuda de um profissional nesse processo: “Isso já é um ponta pé inicial. Quando você precisa de ajuda psicológica não tenha vergonha de procurar um profissional. Pedir ajuda é essencial para melhorar o convívio”.

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