Papa

Papa confia-nos ao Senhor, por Maria

Papa Francisco abre o coração para Jesus, mostra as chagas da humanidade, pede perdão por nossos pecados, convida-nos a restaurar a esperança no Senhor e concede a bênção ao mundo todo a partir de Roma.

Escrito por Túlia Savela

27 MAR 2020 - 16H40 (Atualizada em 17 AGO 2021 - 10H30)

Divulgação

Na início da noite da sexta-feira da Quarta Semana da Quaresma, às 18h em Roma, às 14h no horário de Brasília, em meio à pandemia causado pelo coronavírus (Covid-19), o Papa Francisco pediu a Deus que nos ajude a não agir contra a vida e o bem comum, do planeta, nossa Casa Comum, durante momento de oração, adoração ao Santíssimo Sacramento e bênção Urbi et Orbi, dirigida a Roma e ao mundo inteiro.

Diante da câmera que levou a imagem de Jesus Sacramentado, do papa e de pouquíssimos participantes no local (distantes entre si como se faz necessário em função do possível contágio do vírus), milhares (ou milhões) de católicos acompanharam o momento de oração especial convocado pelo Santo Padre para implorar o fim da pandemia e conceder indulgência plenária, conforme decreto da penitenciária apostólica.

Papa Francisco recordou que estamos todos no mesmo barco: "Todos frágeis e desorientados, mas, ao mesmo tempo, importantes e necessários". Recordou a nossa negligência de seres humanos: avançávamos "destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente".

Com a quarentena e o fim de muitas atividades, ele indica que o Senhor nos chama a aproveitar essa provação para tomar decisões: "Não é tempo do teu juízo, mas do nosso juízo (...), tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros", assim, se expressa o Papa dirigindo-se a Jesus.

O Papa Francisco reconhece a generosidade de muitos que estão dando sua vida e afirma que a oração e o serviço são as armas vencedoras dos cristãos. Ele recorda que, em Deus e com Deus, sempre há vida e que nessa tempestade estamos a salvo pois temos uma âncora: "Na Sua cruz, fomos salvos". Indica ainda como resgatar a esperança e carregar a cruz nessa via dolorosa.

Lembra também que é tempo de ter criatividade sob ação do Espírito: "Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de onipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar".

E conclui com a bênção: "Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: 'Não tenhais medo!' (Mt 14,27). E nós, juntamente com Pedro, 'confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós' (cf. 1Pd 5,7)".

Confira o pronunciamento do Papa Francisco na celebração extraordinária de oração pela pandemia da Covid-19:

"Ao entardecer…" (Mc 4,35): assim começa o Evangelho que ouvimos. Desde há semanas que parece o entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo de um silêncio ensurdecedor e de um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos. 

À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos, todos. Tal como os discípulos que, falando a uma só voz, dizem angustiados "vamos perecer" (cf. 4,38), assim também nós nos apercebemos de que não podemos continuar a caminhada cada qual por conta própria, mas só o conseguiremos juntos.

Rever-nos nesta narrativa é fácil; difícil é entender o comportamento de Jesus. Enquanto os discípulos naturalmente se sentem alarmados e desesperados, Ele está na popa, na parte do barco que se afunda primeiro... E o que faz? Não obstante a tempestade, dorme tranquilamente, confiado no Pai (é a única vez no Evangelho que vemos Jesus dormindo). Acordam-no; mas, depois de acalmar o vento e as águas, Ele volta-se para os discípulos em tom de censura: "Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" (4,40).

Procuremos compreender. Em que consiste esta falta de fé dos discípulos, que se contrapõe à confiança de Jesus? Não é que deixaram de crer nele, pois invocam-no; mas vejamos como o invocam: "Mestre, não te importas que pereçamos?" (4,38). Não te importas: pensam que Jesus se tenha desinteressado deles, não cuide deles. Entre nós, nas nossas famílias, uma das coisas que mais dói é ouvirmos dizer: "Não se importa comigo". É uma frase que fere e desencadeia turbulência no coração. Terá abalado também Jesus, pois não há ninguém que se importe mais conosco do que Ele. De fato, uma vez invocado, salva os Seus discípulos desalentados.

A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa descobertas as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de "empacotar" e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente "salvadores", incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades.

A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras


Com a tempestade, caiu a maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso "eu" sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela abençoada pertença comum a que não nos podemos subtrair: a pertença como irmãos.

"Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" Nesta tarde, Senhor, a tua Palavra atinge e toca-nos a todos. Neste nosso mundo, que Tu amas mais do que nós, avançamos a toda velocidade, sentindo-nos em tudo fortes e capazes. Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-te: "Acorda, Senhor!".

"Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" Senhor, lanças-nos um apelo, um apelo à fé. Esta não é tanto acreditar que Tu existes, como sobretudo vir a ti e confiar-se de ti. Nesta Quaresma, ressoa o teu apelo urgente: 'Convertei-vos…'. 'Convertei-Vos a Mim de todo o vosso coração' (Joel 2,12). Chamas-nos a aproveitar este tempo de prova como um tempo de decisão. Não é o tempo do teu juízo, mas do nosso juízo: o tempo de decidir o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não o é. É o tempo de reajustar a rota da vida rumo a Ti, Senhor, e aos outros. E podemos ver tantos companheiros de viagem exemplares, que, no medo, reagiram oferecendo a própria vida. É a força operante do Espírito derramada e plasmada em entregas corajosas e generosas. É a vida do Espírito, capaz de resgatar, valorizar e mostrar como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns (habitualmente esquecidas), que não aparecem nas manchetes dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas do último espetáculo, mas que hoje estão, sem dúvida, a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história: médicos, enfermeiros e enfermeiras, trabalhadores dos supermercados, pessoal da limpeza, curadores, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho.

Perante o sofrimento, onde se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos, descobrimos e experimentamos a oração sacerdotal de Jesus: "Que todos sejam um só" (Jo 17,21). Quantas pessoas dia a dia exercitam a paciência e infundem esperança, tendo a peito não semear pânico, mas corresponsabilidade!

Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram às nossas crianças, com pequenos gestos do dia a dia, como enfrentar e atravessar uma crise, readaptando hábitos, levantando o olhar e estimulando a oração! Quantas pessoas rezam, se imolam e intercedem pelo bem de todos! A oração e o serviço silencioso: são as nossas armas vencedoras.

"Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" O início da fé é reconhecer-se necessitado de salvação.

“O Senhor serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida nunca morre.” Papa Francisco, Sucessor de São Pedro

Não somos autossuficientes, sozinhos afundamos: precisamos do Senhor como os antigos navegadores das estrelas. Convidemos Jesus a subir para o barco da nossa vida. Confiemos-Lhe os nossos medos, para que Ele os vença. Com Ele a bordo, experimentaremos – como os discípulos – que não há naufrágio. Porque esta é a força de Deus: fazer resultar em bem tudo o que nos acontece, mesmo as coisas más. Ele serena as nossas tempestades, porque, com Deus, a vida nunca morre. O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar.

O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal. Temos uma âncora: na Sua cruz, fomos salvos. Temos um leme: na Sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na Sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada e ninguém nos separe do Seu amor redentor. No meio deste isolamento que nos faz padecer a limitação de afetos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas, ouçamos mais uma vez o anúncio que nos salva: Ele ressuscitou e vive ao nosso lado. Da Sua cruz, o Senhor desafia-nos a encontrar a vida que nos espera, a olhar para aqueles que nos reclamam, a reforçar, reconhecer e incentivar a graça que mora em nós. Não apaguemos a chama que ainda fumega (cf. Is 42,3), que nunca adoece, e deixemos que reacenda a esperança.

Abraçar a sua cruz significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades da hora atual, abandonando por um momento a nossa ânsia de onipotência e possessão, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar. Significa encontrar a coragem de abrir espaços onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade. Na sua cruz, fomos salvos para acolher a esperança e deixar que seja ela a fortalecer e sustentar todas as medidas e estradas que nos possam ajudar a salvaguardar-nos e a salvaguardar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança. Aqui está a força da fé, que liberta do medo e dá esperança.

"Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?" Queridos irmãos e irmãs, deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de vos confiar a todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, abençoa o mundo, dá saúde aos corpos e conforto aos corações! Pedes-nos para não ter medo; a nossa fé, porém, é fraca e sentimo-nos temerosos. Mas Tu, Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade. Continua a repetir-nos: "Não tenhais medo!" (Mt 14,27). E nós, juntamente com Pedro, "confiamos-Te todas as nossas preocupações, porque Tu tens cuidado de nós" (cf. 1Ped 5,7).

Vaticano, 27 de março de 2020

Papa Francisco

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