“Quando se chega à fé, a Lei esgota o seu valor e deve dar lugar a outra autoridade”. Foi o que disse o Papa na audiência geral desta quarta-feira, (18) na Sala Paulo VI, no Vaticano, ao falar sobre o valor propedêutico da Lei, dando prosseguimento à sua série de catequeses sobre a Carta aos Gálatas.
São Paulo ensinou-nos que os “filhos da promessa” (Gl 4, 28), por meio da fé em Jesus Cristo, não estão sob o vínculo da Lei, mas são chamados ao estilo de vida exigente na liberdade do Evangelho. No entanto, a Lei existe, observou o Pontífice.
Portanto, na catequese de hoje, perguntamo-nos: qual é, segundo a Carta aos Gálatas, o papel da Lei? No trecho que ouvimos – disse o Santo Padre referindo-se à leitura proposta antes de sua catequese (Gl 3, 23-25) - Paulo diz que a Lei foi como um pedagogo. É uma bonita imagem, que merece ser compreendida no seu justo significado.
Parece que o Apóstolo sugere que os cristãos dividem a história da salvação, e também a própria história pessoal, em dois momentos: antes de se tornarem crentes e depois de terem recebido a fé. No centro está o acontecimento da morte e ressurreição de Jesus, que Paulo pregou a fim de suscitar a fé no Filho de Deus, fonte da salvação, explicou o Papa.
Por conseguinte, continuou Francisco, partindo da fé em Cristo, há um “antes” e um “depois” em relação à própria Lei. A história anterior é determinada pelo fato de estar “sob a Lei”; a história subsequente deve ser vivida seguindo o Espírito Santo (cf. Gl 5, 25). É a primeira vez que Paulo usa esta expressão: estar “sob a Lei”. O significado subjacente implica a ideia de uma servidão negativa, típica dos escravos. O Apóstolo torna-o explícito dizendo que quando se está “sob a Lei” é como estar “vigiado” e “preso”, uma espécie de custódia preventiva. Este tempo, diz São Paulo, durou muito e perpetua-se enquanto se vive em pecado.
Prosseguindo em sua catequese, o Pontífice chamou a atenção para o fato de que a relação entre a Lei e o pecado será explicada de uma forma mais sistemática pelo Apóstolo na sua Carta aos Romanos, escrita alguns anos após a Carta aos Gálatas.
Em síntese, a Lei leva a definir a transgressão e a tornar as pessoas conscientes do próprio pecado. Aliás, como ensina a experiência comum, o preceito acaba por estimular a transgressão.
Na Carta aos Romanos, escreve: “Quando estávamos na carne, as paixões pecaminosas, fortalecidas pela lei, operavam em nossos membros e produziam frutos para a morte. Agora, porém, livres da lei, estamos mortos para o que nos sujeitara, de modo que servimos num espírito novo e não segundo uma lei antiquada” (7, 5-6).
De modo lapidário, enfatizou o Santo Padre, Paulo expõe a sua visão da Lei: “O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a Lei” (1 Cor 15, 56). Neste contexto, a referência ao papel pedagógico desempenhado pela Lei assume o seu pleno sentido.
No sistema escolar da antiguidade, explicou Francisco, o pedagogo não tinha a função que lhe atribuímos hoje, ou seja, dar educação de um rapaz ou de uma jovem. Naquela época, ele era um escravo cuja tarefa consistia em acompanhar o filho do dono ao mestre e depois trazê-lo para casa. Desta forma tinha de o proteger do perigo e vigiar para que não se comportasse mal. A sua função era bastante disciplinar. Quando o rapaz se tornava adulto, o pedagogo cessava as suas funções.
Dito isso, o Pontífice frisou ainda que a referência à Lei nestes termos permite que são Paulo esclareça a sua função na história de Israel.
“A Torá tinha sido um ato de magnanimidade por parte de Deus para com o seu povo. Certamente teve funções restritivas, mas ao mesmo tempo protegeu o povo, educou-o, disciplinou-o e sustentou-o na sua fraqueza”.
É por esta razão que o Apóstolo reflete sucessivamente ao descrever a fase da menoridade: “Enquanto o herdeiro é menino, em nada difere do servo, ainda que seja senhor de tudo, pois está sob o domínio de tutores e administradores, até ao dia determinado pelo pai. Assim também nós, quando éramos meninos, estávamos subjugados pelos elementos do mundo” (Gl 4, 1-3).
Em suma, a convicção do Apóstolo é que a Lei tem certamente uma função positiva, mas limitada no tempo. A sua duração não pode ser prolongada para além disso, pois está ligada à maturação dos indivíduos e à sua escolha de liberdade. Quando se chega à fé, a Lei esgota o seu valor propedêutico e deve dar lugar a outra autoridade.
Francisco concluiu afirmando que “este ensinamento sobre o valor da lei é muito importante e merece ser considerado cuidadosamente para não cair em equívocos nem dar passos falsos. Far-nos-á bem perguntarmo-nos se ainda vivemos no período em que precisamos da Lei, ou se estamos bem conscientes de que recebemos a graça de nos tornarmos filhos de Deus para viver no amor”.
Fonte: Vatican News
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