Lendo o Evangelho

Quem não tem pecado seja o primeiro a atirar uma pedra

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

03 ABR 2022 - 00H00

Esta página do Evangelho causou tanta perplexidade que, nos primeiros tempos da Igreja, quando os livros do Novo Testamento foram redigidos, esta passagem da mulher adúltera foi tirada de quase todas as cópias da Bíblia. O motivo? Não é difícil supor. É o que Jesus disse à pecadora: Nem eu te condeno! À luz da moral, isto soava um disparate. Como manter os bons costumes com tamanha tolerância? Pensava-se: se a vida moral das pessoas já não anda lá essas coisas, agora é que vai degringolar de vez. Por isso, é melhor rasgar esta página e conservar, na vida, a atitude séria daqueles piedosos guardiões da moral que, baseados na Bíblia, condenavam a mulher.

Faltava, certamente, fineza de espírito para compreender a atitude de Jesus. As pessoas, que surpreenderam a mulher em adultério e a levaram a Jesus, propunham matá-la a pedradas, justificando-se com palavras da Bíblia (Lv 20,10). Jesus, inicialmente, nada responde, abaixa-se e começa a escrever no chão parecendo omisso diante de questão tão séria, de vida ou morte.

Diante, porém, da insistência dos acusadores, Jesus se pronuncia: quem não tem pecado seja o primeiro a atirar uma pedra nesta mulher. Os acusadores, ao passarem de sujeitos a objetos de seu próprio julgamento, sentem fugir o chão por debaixo dos pés e vão-se embora um após o outro, a começar dos mais velhos. Se ao emitirmos um julgamento contra o próximo, devemos levar em conta a nós mesmos, aquilo que somos, certamente falsas seguranças se desfazem e nos vemos obrigados a assumir atitudes mais humildes, mais humanas e benévolas em relação aos outros.

Aqueles homens que acusavam a mulher e tentavam forçar Jesus a tomar posição sobre o caso, na verdade, lhe estavam armando uma cilada. Eles sabiam que Jesus gozava de muito prestígio e aceitação popular por ser compassivo com os pecadores e, por outro lado, conheciam muito bem a lei de Moisés que condenava as mulheres adúlteras ao apedrejamento (Lv 20,10). Portanto, se Jesus condenasse a mulher obedecendo à lei, estaria contra seus próprios princípios que lhe valera fama e popularidade, se não a condenasse estaria se declarando permissivo e transgressor da sagrada lei de Moisés. Eis o beco sem saída!

A cilada tramada contra Jesus era somente pretexto para ter de que acusá-lo. Aquelas pessoas já haviam decidido condenar a Jesus e buscavam motivo para embasar a condenação. Não eram transparentes e comprometidos com a verdade. Usavam a Bíblia para seus interesses.

Observando-se atentamente, vê-se que Jesus é compassivo com a pecadora, mas não é omisso em relação ao pecado. Há, portanto, uma diferença substancial entre a atitude daqueles homens e a de Jesus. Eles querem que a mulher pecadora morra. Jesus quer que a mulher viva e que o pecado morra, na vida dela. De fato, Ele não diz: “Tudo bem, não fizeste nada de errado cometendo adultério”, mas diz: “Eu também não te condeno! Vai e não peques mais!” Com espírito profético, Jesus age como verdadeiro intérprete da Bíblia que diz: Eu não quero a morte do pecador, mas que ele se converta e viva (Ez 33,11).

Ninguém detesta mais o pecado do que Jesus, porque ninguém ama o ser humano mais do que Ele. Ele não condena a pessoa que errou e não autoriza ninguém a atirar pedras nela para não acrescentar mais males àqueles que o pecador já cometeu. E mais ainda: Ele, como Filho do Pai das Misericórdias, sabe que só a misericórdia gera Vida Nova. A condenação mata e destrói! Com efeito, se aquela mulher tivesse sido apedrejada, seria para sempre a pecadora apedrejada. Mas agora, ela é aquela que vive graças à Misericórdia de Cristo que a regenerou para uma Vida Nova.

Esta página “rejeitada” do evangelho continua, ainda hoje, a ser um aguilhão na nossa carne, pois nos faz tomar consciência de, pelo menos, duas verdades sobre nós mesmos:

a) Nunca vamos fazer nenhum bem verdadeiro e duradouro às pessoas com atitudes de dureza e condenação, ainda que justificadas pela sã moral, por princípios sagrados, ou seja o que for. Somente atitudes que nasçam da autêntica bondade e compaixão pelo outro é que podem regenerá-lo, renová-lo a partir de dentro;

b) Condenamos, com certa facilidade, os outros e assumimos atitudes de dureza em relação a eles porque temos pouca coragem de encarar nossas próprias fragilidades e de reconhecer que também nós temos necessidade de perdão.

Fonte: O Mílite

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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