Jesus interroga seus discípulos sobre o que as pessoas pensam dele e estes lhe respondem que uns pensam que ele é João Batista; outros, Elias ou algum dos antigos profetas. Jesus, porém, dirige a pergunta a seus discípulos: “E vós quem dizeis que eu sou?” Não são mais as pessoas a interrogarem-se sobre Jesus, mas é próprio Jesus que interroga seus discípulos.
Esta interrogação, de fato, é o que constitui o discípulo: não coloca Jesus em questão, mas deixa-se questionar por ele. Jesus pergunta e o discípulo responde! Enquanto formos nós a perguntar, nunca teremos resposta sobre a sua novidade, pois respondemos sempre segundo as nossas obviedades. Com efeito, a pergunta contém, por antecipação, a resposta. É necessário calar a nossa pergunta para ouvir a sua. Cessa, assim, a nossa resposta e estamos em condições de acolher a sua.
Mesmo que Pedro, em nome de todos, responda que Jesus é o “Cristo de Deus”, a sua esperança é ainda mais conforme aos desejos do homem do que às promessas de Deus. Deus, porém, cumpre as suas promessas e não os nossos desejos. Por isso, Jesus como “Cristo de Deus” decepcionará as esperanças messiânicas do homem. É por isso que à declaração de Pedro Jesus acrescenta imediatamente uma correção: ele é o Messias que passa pelos sofrimentos da Paixão. O mistério da cruz como caminho para a vida é o específico de seu messianismo. É o pensamento de Deus oposto ao pensamento do homem. Os discípulos entenderão isso só após a Páscoa.
As tentações que Jesus enfrentou no deserto e as venceu na cruz, agora, estão no coração dos discípulos e da Igreja. A cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo tem o poder de exorcizar porque expulsa a tentação satânica de fazermos um Cristo segundo os nossos moldes e nos revela o verdadeiro rosto de Cristo e nosso: Cristo é Aquele que necessariamente passa pela cruz e discípulo é aquele que o segue nesse caminho. E esse caminho tem método e meta bem precisos: renunciar a si mesmo, tomar a própria cruz e perder a própria vida.
A formulação parece toda centrada sobre o negativo, mas a sequencia lhe dá a tonalidade positiva: “quem quiser ganhar a sua vida vai perdê-la, mas quem perder a própria vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la”. Assim, se afirma a positividade da formulação: perder é condição fundamental para ganhar.
De fato, o maior obstáculo nesse caminho é o próprio “eu” que busca, a todo custo, impor-se e auto-preservar-se, na falsa crença de que isto é um ganho. Aliás, este é o pecado radical que seduziu os primeiros representantes do gênero humano (cf. Gn 3,1ss) e aquilo que pensavam ser um ganho, se revelou a mais grave perda.
É por isso que S. Paulo afirma: “o que para mim era lucro eu o tive como perda, por amor de Cristo. Mais ainda: tudo eu considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por ele eu perdi tudo e tudo tenho como esterco, para ganhar a Cristo”. Este é o homem novo, pós-pascal que entendeu a sublimidade e excelência do amor de Cristo. De fato, esta é a palavra: Amor. O destino de toda pessoa se joga em torno dessas quatro letras, isto é, da experiência do Amor. E talvez nenhuma palavra seja tão mal compreendida como esta. Fala-se de amor de todos os modos. Está sempre na boca do povo, nos temas das telenovelas e da literatura romântica. Mas o Amor de que Cristo nos fala é muito diferente. É o mandamento novo que ele nos deu (Jo 13,34-35).
Esse “Amor-mandamento-novo” consiste em sair de si e estar em quem se ama. De fato, os parentes de Jesus, um dia, queriam prendê-lo por que estava “fora de si” (cf. Mc 3,21). Consideravam Jesus um anormal, mas a anormalidade de Jesus era a sua normalidade: ele estava sempre “fora de si”, isto é, não estava amarrado a um “eu” pequeno e mesquinho que não vê além do próprio umbigo; e por isso, estava livre para amar com um Amor que é, de fato, uma novidade absoluta.
Tal Amor é a realização plena do ser humano. Portanto, o negar a si mesmo que Jesus nos propõe não é um aniquilar-se, mas um aniquilar a morte que trazemos dentro de nós. É um afirmar a nossa verdadeira vida como liberdade e Amor, à imagem e semelhança d’Aquele que nos amou por primeiro, nos criou e nos redimiu por seu imenso Amor. Tomar a própria cruz e seguir Jesus, portanto, é “sair de si” para amar como ele amou.
Fonte: O Mílite
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