Todo o diálogo de Jesus com o fiel judeu, que o interroga, se concentra no apelo: “Vem e segue-me!” (Mc 10,21d). Esse judeu devoto é um exímio praticante das normas religiosas que aprendeu de seus antepassados. Sob esse aspecto, ele é perfeito e irrepreensível a ponto de despertar o respeito e a afeição de Jesus (cf. Mc 10,21a). Por isso, o Senhor convida-o a dar um passo adiante, a saber, superar o nível de observância de normas tomando a única atitude capaz de dar-lhe a Vida Eterna, que ele está buscando: tornar-se Seu discípulo. A ordem: “Vai vende o que tens, depois, vem e segue-me” (cf. Mc 10,21) equivale a dizer: deixa para trás a fé que recebeste de teus antepassados e realiza este passo completamente novo para ti de tonar-te Meu discípulo.
Esse passo não é simples como demonstra a atitude do homem que vai embora triste. Nessa vocação fracassada, a tradição evangélica viu uma “lição exemplar” (cf. Mt 19,16-22; Lc 18,18-23). Esse judeu fiel à Lei de Moisés, desde a infância, representa o próprio povo de Israel cuja norma de vida (o Decálogo) constitui um verdadeiro caminho para se obter a Vida Eterna.
Jesus, apresentado como Messias, propõe um passo adiante dos preceitos da religião judaica: “Ainda te falta uma coisa” (Mc 10,21). A Boa-Nova de Jesus é um apelo à superação: não basta ser fiel aos mandamentos, é necessário tornar-se seguidor da Pessoa de Jesus. A fé cristã não vem abolir a judaica, mas completá-la (cf. Mt 5,17). A plenitude da revelação de Deus dá-se em Jesus Cristo, Deus encarnado. Portanto, a Vida Eterna, ou seja, a plena comunhão com Deus, tão desejada pelo ser humano, torna-se alcançável somente no seguimento de Jesus.
O motivo apresentado como empecilho fatal para que o fiel judeu seguisse Jesus é a posse de bens. Nesse momento, vem-se a saber que era possuidor de enorme fortuna (cf. Mc 10,22b). A essa altura, a transmissão de um ensinamento de Jesus sobre como o apego às posses pode se constituir em um entrave insuperável para o Seu seguimento dá a entender que, para a comunidade, à qual o evangelista se dirige, o relacionamento com os bens terrenos não era tranquilo. Ao contrário, muitas vezes, constituía-se em grande dificuldade para que as pessoas acolhessem o Evangelho.
Na intervenção de Pedro, em seguida (cf. Mc 10,28), e na resposta de Jesus (cf. Mc 10,29-30), retrata-se a alternativa oposta ao homem rico que fracassou no seguimento de Jesus. Nessa palavra, estão representados aqueles que acolheram a proposta de Jesus e tudo deixaram para segui-Lo. Trata-se da situação dos ouvintes a quem o evangelista se dirige que, para acolher o Evangelho, tiveram de renunciar a vínculos familiares e posses. O que ganharão? Uma nova família na comunidade cristã e novos bens em uma comunidade disposta a repartir (cf. At 2,44; 4,32-37), embora não isenta de perseguições (cf. Mc 10,30b) e um futuro promissor de total comunhão com o Senhor: a Vida Eterna (cf. Mc 10,30c).
A passagem esclarece que o apego aos bens terrenos, sem dúvida, inviabiliza o seguimento de Jesus Cristo. Contudo, deixa transparecer, também, que acreditar em uma salvação que dependa só de si mesmo, mediante certo ideal de perfeccionismo na observância de preceitos, é uma espécie de riqueza que impede o acesso à Vida Eterna. Viver desapegado dos bens terrenos e abandonar o próprio ideal ilusório de perfeição e autossalvação para aderir a Jesus, incondicionalmente, são a renúncia decisiva que dá acesso ao reino dos céus. A Vida Eterna, impossível ao ser humano, lhe vem como dom no seguimento de Jesus (cf. Mc 10,21).
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