O tráfico de seres humanos, hoje com cerca de 40 milhões de vítimas, é uma das atividades ilegais mais lucrativas do mundo, mas também aquela em que a taxa de impunidade ainda é muito alta. A maioria das vítimas são mulheres, mas também homens e cada vez mais meninos e meninas, tratados por redes criminosas como mercadoria de troca e reduzidos à semiescravidão para exploração sexual e de trabalho, mendicância, casamentos precoces, adoções ilegais e até mesmo a extração de órgãos. Uma atividade que muitas vezes fica impune: hoje, para cada 2.154 vítimas apenas um traficante de seres humanos é condenado, apesar do crescente comprometimento das instituições e ONGs nacionais e internacionais para combater o fenômeno.
A renovação de esforços para acabar com a impunidade, garantir justiça às vítimas, protegê-las e assegurar o respeito efetivo dos direitos humanos fundamentais foi o objetivo da 20ª Conferência da Aliança contra o Tráfico de Pessoas, uma plataforma de defesa e cooperação contra o tráfico que reúne organizações internacionais e da sociedade civil. O evento terminou nesta quarta-feira (22) em Viena e foi organizado em colaboração com a Osce, a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa. Dom Joseph Grech, em nome da Missão Permanente da Santa Sé junto aos Organismos Internacionais em Viena, participou dos trabalhos em quatro painéis de discussão.
A discrepância desconcertante entre o alto número de vítimas e o baixo número de processos e condenações por tráfico de seres humanos levanta a questão sobre a aplicação efetiva das medidas que os Estados se comprometeram a adotar para combater o fenômeno, observou o bispo maltês no primeiro discurso, quando disse: "apesar dos esforços da comunidade internacional, os recursos são escassos, principalmente por causa das contínuas crises econômicas e da instabilidade sócio-política em muitos Estados".
Além disso, acrescentou dom Grech, o financiamento inadequado dos sistemas judiciários nacionais incentiva a nos concentrarmos em resultados imediatos, mas de alcance limitado, em vez de capturar e condenar os "peixes grandes", para os quais são necessários mais tempo e recursos, mas que poderia fazer a verdadeira diferença na luta contra esse flagelo. A consequência, apontou ele, é que dessa forma a impunidade dos traficantes de pessoas acaba sendo perpetuada.
Permanece, então, o problema básico do acesso das vítimas à justiça e da garantia dos seus direitos fundamentais: pessoas vulneráveis que ficam ainda mais frágeis - como sublinhou o Papa Francisco - por um sistema econômico dominado pelos interesses do capital especulativo global e, agora, também pela pandemia da Covid-19. Para essas pessoas, comentou o delegado pontifício, os sistemas judiciários são chamados a garantir um tratamento justo, mas também um apoio concreto durante os processos.
A fim de combater de maneira eficaz as grandes organizações criminosas internacionais que gerenciam o tráfico, enfatizou dom Grech no segundo painel de discussão, é também urgente uma maior coordenação intergovernamental e, portanto, o intercâmbio de mais informações e dados entre as polícias dos vários Estados, particularmente através de agências como a Interpol e a Europol. Também é essencial garantir a independência efetiva dos sistemas judiciários. Não menos importante, acrescentou ele, é o apoio da mídia que pode promover campanhas de conscientização entre os políticos e a opinião pública.
A obtenção de justiça para as vítimas não deve ser o único objetivo dos processos judiciais contra os responsáveis, especificou o representante da Santa Sé no terceiro discurso. É necessário garantir os direitos humanos antes, durante e após o julgamento dos processos: então, colocá-las em condições de testemunhar contra seus algozes com segurança, inclusive por meio de entrevistas pré-gravadas ou sendo representadas por terceiros para garantir reparações adequadas e oferecer oportunidades para a sua plena reintegração social.
No discurso final, dom Grech reiterou, então, as diretrizes fundamentais da Santa Sé na luta contra o tráfico. Começando pelo respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa, que não deve servir apenas para limitar os árbitros e os excessos do uso da força pública nos Estados, mas "servir como critério orientador para perseguir e punir aquelas ações que representam o maior ataque contra a dignidade e a integridade de cada pessoa humana".
Nesse sentido, a Santa Sé apoia fortemente o compromisso da Aliança contra o Tráfico de Seres Humanos de criar um sistema legislativo que se concentre principalmente nas pessoas e que defenda os direitos inalienáveis e as liberdades fundamentais. O representante pontifício concluiu que "qualquer sistema deveria garantir que os direitos das vítimas não sejam violados e oferecer a elas toda a assistência necessária, enquanto se controla a aplicação das leis contra o tráfico".
Fonte: Vatican News
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