Por Túlia Savela Em Formação

Rezar o cotidiano

Com esse texto de Karl Hahner, você aprenderá a tornar o que parece irrelevante na vida naquilo que trará a presença de Deus para seu cotidiano




Quer sair da mediocridade, da mesmice, da mania de reclamar e achar que ainda não está bom, ainda falta algo? Aprenda a rezar o teu dia a dia nesse artigo, fragmento do texto do teólogo Karl Hahner, um dos mais importantes do século XX:

A oração na vida cotidiana

Reza o cotidiano! Existe ainda um ideal mais elevado para santificar o cotidiano pela oração. Já é feliz quem, de tempos em tempos, sempre de novo reza durante o dia. Este nunca será totalmente um homem vulgar. É certo que devemos rezar expressamente na vida diária. Mas, com isso não está ainda completamente vencido o sofrimento do homem espiritual a respeito da vida cotidiana. Por mais que rezemos na vida cotidiana, esta parece ficar sempre o que é: trivial, comum. É verdade que, para nosso bem, a oração interrompe com frequência a monotonia do cotidiano, mas ele mesmo não muda.

Nossa alma parece assemelhar-se a uma estrada, na qual rola sem cessar o cortejo deste mundo, com suas inúmeras bagatelas e sua tagarelice, com seu tumulto, sua curiosidade e suas insignificantes ninharias.

Nossa alma parece ainda ser um mercado onde os adeleiros vindos de todos os cantos encontram um lugarzinho para vender as míseras riquezas deste mundo, onde, em perpétuo afã, nós mesmos, os homens e o mundo ostentamos a própria nulidade.

Nossa alma é como uma enorme granja, na qual dia a dia se acumula a esmo toda espécie de coisas, a ponto de ficar abarrotada de trivialidade até o teto. E assim parece continuar diariamente, a vida inteira, até toda a mercadoria será varrida para fora do celeiro.

Que será então de nós, cuja vida inteira tiver sido só o cotidiano, por conseguinte, terreno baldio cheio de negócios, tagarelices e afazeres? Que resultará de nossa vida, quando o duro fisco da morte extorquir inexoravelmente o conteúdo real de nossa vida inútil, dos muitos dias e longos anos, que ficaram vazios?

Acaso restará mais do que os poucos minutos, em que a graça do amor ou da oração sincera se introduziu tímida e furtivamente num recanto de nossa vida repleta das quinquilharias do cotidiano?

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Mas, como transformar essa miséria da vida diárias Como, no meio dessas banalidades, encontrar o único necessário, que é tão somente Deus? Como pode a própria vida cotidiana tornar-se cântico de louvor divino e precisamente oração? Uma coisa de antemão é clara. Não podemos rezar expressamente o dia inteiro, não podemos fugir do cotidiano, pois, este nos acompanha por toda a parte; este cotidiano somos nós mesmos; nosso coração medíocre, nosso espírito extenuado, nosso diminuto amor que torna mesquinhas e vulgares até as coisas grandes. Eis porque nosso caminho só pode passar pelo cotidiano, com suas penas e deveres. Este não há de ser superado pela fuga, senão pela perseverança e por uma transformação. É no meio do mundo que devemos procurar e encontrar a Deus. A mesma vida diária deve pertencer a Deus, tornar-se afastamento do mundo, concentração em Deus. Faz-se mister que o cotidiano seja “dia de recolhimento”.

Deve-se rezar o próprio cotidiano.

Como é possível realizar-se tal coisa? Como tornar oração a própria vida diária? Por desinteresse e amor. Ah! Se fôssemos discípulos dóceis e ajuizados, não poderíamos ter melhor mestre para o homem interior e espiritual do que a vida cotidiana! As longas horas uniformes, a monotonia do dever, o trabalho que cada um acha natural, os duros e prolongados esforços, que ninguém agradece, as deficiências e sacrifícios da idade avançada, as decepções e fracassos, os malentendidos e a falta de compreensão, os desejos não realizados, as pequenas humilhações, as inevitáveis contendas da velhice com a juventude, assim como a insensibilidade igualmente inevitável da juventude para com a velhice, os pequenos achaques, as intempéries, os atritos na estreita convivência, tais coisas e milhares de outras que enchem a vida diária, como podem e como poderiam tornar o homem calmo e desinteressado, se ele aceitasse essa pedagogia tão humana e ao mesmo tempo tão divina; se aquiescesse, sem resistência, se assumisse esse cotidiano sem queixa, com naturalidade, sem fazer muito caso, enfim como algo que é o quinhão de cada um. Se o homem deixasse o cotidiano destruir-lhe lenta, mas seguramente o próprio “eu”- oh! Como é estupendo o acerto da providência divina na vida diária! – então despertaria por si mesmo o amor para com Deus, amor silencioso e casto.

Com efeito, que impede o homem de amar a Deus? Só ele mesmo põe obstáculo no caminho e extingue a luz. No cotidiano, pode-se lenta e diariamente morrer a si mesmo, sem ostentação nem belas frases. Ninguém o perceberá. Nem sequer o próprio homem.

Sempre de novo, o destino na vida diária vai destruindo mais uma muralha, construída para sua defesa pelo “eu” não construir novos muros, mas, consentir em não ter mais abrigo, de súbito perceberá – quase admirado e contente – que nem precisa de muros nem se julgará infeliz (como pensava) quando a vida o priva desta ou daquela alegria, considerada até então indispensável. Não se entregará ao desespero por faltar-lhe este ou aquele êxito, por malograr um ou outro plano.

Graças a esta educação do cotidiano, a alma sentirá que se enriquece ao dar, está satisfeita pela renúncia, alegre pelo sacrifício, amada pelo amor de outrem e então vem a tornar-se desinteressada e livre. Quando livre, também é capaz de grande e ilimitado amor para com o Deus livre e infinito. Tudo depende do modo como suportamos a vida diária.

Esta pode tornar-nos medíocres ou, como nenhum outro fator, libertar-nos de nós mesmos. Se conseguíssemos essa libertação, o amor, que nasce por si mesmo, elevar-se-ia através do coração de todos os seres, em aspiração e santo anelos até às regiões infinitas de Deus, arrebatando ainda consigo todas as deficiências do cotidiano, qual cântico de louvor à magnificência divina.

A cruz da vida cotidiana na qual unicamente pode morrer nosso egoísmo, pois, para morrer, deve sem alarde ser crucificado, esta cruz tornar-se-ia o despontar do nosso amor, viso que este ressurge do sepulcro de nosso próprio “eu. Se tudo no decorrer do dia morrer deste modo, tudo no cotidiano será desabrochar do amor. Então, a vida de cada dia virá a ser respiração de amor, respiração de anelo, de fidelidade, de fé, de disponibilidade, de entrega a Deus. A própria vida diária tornar-se-á oração sem palavras! - Todavia, fica sendo o que era: pesada, sem aparato, monótona, despercebida. Assim mesmo deve permanecer. Só desse modo serve ao amor de Deus, só assim nos arranca a nós mesmos. Mas, quando consentimos que nos sejam extirpados os desejos, a presunção, a teimosia, o retraimento, isto é, quando na amargura não somos triviais, nem desiludidos na desilusão; se nos deixamos educar pela vida cotidiana a fim de adquirir a bondade, a paciência, a paz, a compreensão, a longanimidade, a mansidão, a indulgência, a fidelidade desinteressada, então o cotidiano não é mais o cotidiano, mas, ele mesmo é oração.

Unifica-se em Deus toda a multiplicidade; n’Ele se concentra a dissipação, em Sua intimidade se abriga toda exterioridade. Toda saída para o mundo, para a vida diária, converte-se em recolhimento na unidade de Deus, que é Vida eterna.

Reza o cotidiano! Pede a graça de adquirir essa arte exímia da vida cristã, tão difícil por ser tão simples.

Oração na vida diária, oração da vida diária!

Quando nossa vida cotidiana for vida acompanhada de oração, tornando-se propriamente vida de oração, então os pobres dias transitórios de nossa existência, dias de banalidade e amargura vulgar, dias sempre monótonos e penosos, terminarão no dia único de Deus, no grande dia, que não conhece ocaso. Rezemos todos os dias de nossa vida, na expectativa desse dia, conforme o temos aprendido e praticado na infância.

Ser-nos-á dado, então, ouvir: “Tenho confiança de que Aquele que em vós iniciou a boa obra – a boa obra da oração diária – a completará até ao dia da vinda do Cristo Jesus” (Fil 1,6).

Fonte: Anchietanum

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