Lendo o Evangelho

Jesus nos chama para ser missionários da Palavra de Deus

“Vinde após mim e vos farei pescadores de homens”

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

24 JAN 2021 - 00H00 (Atualizada em 05 MAI 2021 - 16H00)

Pixabay

Segundo o Evangelho de Marcos, após a tentação no deserto e a prisão de João Batista, Jesus dá início à pregação do Evangelho, na Galileia, com um apelo retumbante: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). A seguir, seu primeiro gesto foi chamar os primeiros discípulos:

“Caminhando junto ao mar da Galileia, viu Simão e André, o irmão de Simão. Lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes, Jesus: ‘Vinde após mim e eu vos farei pescadores de homens’. E imediatamente, deixando as redes, eles o seguiram. Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, eles também no barco consertando as redes. E logo os chamou. E eles, deixando o pai no barco com os empregados, partiram em seu seguimento” (Mc 1,16-20).

Com o aparecimento de Jesus no cenário, a narrativa procede não mais a partir do olhar do narrador. É o “ver” de Jesus que passa a dominar a cena: “...viu dois irmãos”. Não se indica, de imediato, o nome ou a profissão dos personagens “enxergados” por Jesus, mas o grau de parentesco entre eles: eram dois irmãos. Somente depois, seus nomes são mencionados: “Simão e seu irmão André”. Os dois irmãos são vistos por Jesus enquanto lançavam redes ao mar, pois eram pescadores. Pela profissão, entende-se logo que não se tratava de pessoas cultas procedentes de extratos sociais abastados ou da casta sacerdotal. Ao contrário, pertencem à classe de gente simples, que labuta pela subsistência sob o peso da faina diária.

O apelo ao seguimento: “vinde após mim” caracteriza a atitude fundamental do discípulo em relação a Jesus. Ele é o Mestre que vai adiante, enquanto o discípulo é quem o segue. Tal ação, portanto, não exprime somente deslocamento espaço-geográfico, mas, sobretudo “conversão”, ou seja, mudança radical na escala de valores, reorientação completa da própria existência. É acolhida plena ao apelo apenas proferido: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).

A segunda interpelação de Jesus joga com as palavras e com o ofício dos personagens. Os dois irmãos já eram pescadores, mas são chamados a se tornarem “pescadores de homens”. O programa traçado por Jesus completa-se, portanto, somente quando aqueles dois irmãos, chamados ao seguimento, recebem a incumbência de colaborar na missão de apregoar o Reino: “vos farei pescadores de homens”. Eles são responsáveis, no tempo da Igreja, de dar continuidade à pregação do Evangelho do Reino (cf. Mc 16,15).

A narrativa vocacional não menciona nenhuma reação pessoal por parte dos dois irmãos. Eles não apresentam objeções, dúvidas ou apreensões. O texto não contempla perspectivas internas, mas relata tão-somente elementos exteriormente verificáveis. Com efeito, a narração não pertence ao gênero literário biográfico, que fornece informações abundantes sobre a vida dos personagens, mas é um protótipo que condensa e evidencia os elementos essenciais, não só da vocação pessoal daquela dupla de irmãos galileus, mas de toda vocação cristã. A concentração no aspecto externo visa a não bloquear o leitor numa descrição psicológica e emotiva, e pretende comunicar exclusivamente as dinâmicas da vocação em seu perfil teológico-espiritual. O fulcro do relato é a pronta e imediata adesão por parte dos dois pescadores ao chamado de Jesus. O advérbio “imediatamente”, presente também na cena da vocação dos outros dois irmãos, Tiago e João (Mc 1,19s), faz transparecer que uma decisão dessas, que determina seriamente toda a existência, tem de ser tomada de forma resoluta e sem titubear, pois quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus (Lc 9,62). Essa atitude de “imediatez”, que caracteriza a cena, evidencia que o chamado de Jesus dirigido aos dois irmãos pescadores foi irresistível e a adesão deles, inarredável. Isso se comprova pelo fato de eles abandonarem as tralhas de pesca para ir atrás de Jesus.

Próximos ao cenário da vocação de Simão e André, encontravam-se outros dois irmãos pescadores, Tiago e João, que também foram chamados por Jesus enquanto consertavam as redes. A narração não diz com quais palavras foram interpelados. O contexto, porém, permite supor que foram as mesmas dirigidas a Simão e André: “Vinde após mim”. “E eles, deixando na barca o pai Zebedeu com os empregados e as redes, o seguiram” (Mc 1,19-20).

Embora o abandono da embarcação por Tiago e João, e das redes por parte de Simão e André torne as duas narrativas vocacionais perfeitamente simétricas, o chamado endereçado a Tiago e João traz um elemento novo: o abandono do pai Zebedeu. Seguir Jesus, colaborando efetivamente na sua missão, exige bem mais que deixar coisas e ocupação profissional. Dar esse passo na vida implica ruptura com os vínculos afetivos mais profundos: “quem ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37; Lc 14,26). Dessa forma, a dupla narrativa completa o teor das exigências do seguimento de Jesus.

A experiência vocacional desses primeiros discípulos torna-se, portanto, paradigma de toda vocação cristã. Como a eles, Jesus chama também a nós para sermos discípulos missionários, colaboradores dele no anúncio do Evangelho. Isso, obviamente, nos impõe renunciar a seguranças materiais e afetivas. O peso das exigências, porém, não nos deve atemorizar e imobilizar. Pois, nessa via, o que damos não se compara ao que recebemos, visto que o seguimento de Jesus, assumido com prontidão e decisão, nos dá acesso pleno à comunhão com ele e com o Pai, nos torna comensais do banquete celeste.

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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