Reportagem

Por um trabalho mais humano

Em 2020, o Dia do Trabalho ou do Trabalhador será vivido de modo ímpar, por conta da quarentena, mas além do distanciamento social, esse período de trabalho em casa e de ofício essencial levantam questões sobre o que torna a vida mais humana

Escrito por Túlia Savela

01 MAI 2020 - 00H00 (Atualizada em 17 AGO 2021 - 10H02)

Há 40 dias em distanciamento social, muitos trabalhadores contribuem com a sociedade por meio de seu labor diário em home office e, ao evitar uma possível contaminação com o novo coronavírus, ficando em casa. Por outro lado, temos os profissionais do saneamento e da segurança públicos, do transporte, do cultivo dos alimentos e, especialmente os da saúde, desde os vigilantes até os diretores dos hospitais, passando por radiologistas, fisioterapeutas, nutricionistas, médicos, enfermeiros, técnicos, funcionários da limpeza e do atendimento ao público até os da manutenção, que, pelo trabalho essencial que exercem, trabalham como nunca, tendo de lidar com um inimigo invisível e pouco conhecido, com o qual se luta com medicamentos ainda não desenvolvidos para esse fim, e sem contar com uma vacina que o derrote antes de atingir o ser humano de maneira tão asfixiante. Em tempo de pandemia, além de pensar nos deveres e direitos dos trabalhadores em geral, queremos homenagear, especialmente, esses profissionais que têm trabalhado como heróis, muitas vezes perdendo a guerra contra o novo coronavírus, vendo colegas, amigos e pacientes partindo, muitas vezes, sem tempo de se despedir, e de maneira triste, isolados, sentindo-se intranquilos.

A virtude de um verdadeiro trabalhador

Nesse desfile de fortaleza e dignidade que a todos orgulha, vê-se brilhar como nunca a virtude do verdadeiro trabalhador. Na carta encíclica Rerum Novarumde 1891, sobre a condição dos operários, o Papa Leão XIII assim se expressou: “a verdadeira dignidade do homem e a sua excelência reside nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o patrimônio comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos ricos; só a virtude e os méritos, seja qual for a pessoa em quem se encontrem, obterão a recompensa da eterna felicidade” (RN 13).

Ao completar 90 anos de tal encíclica, o Papa João Paulo II divulgou outra encíclica, a Laborem Exercens (em 1981), em que, tratando sobre o trabalho humano, recorda que os ensinamentos da Igreja sobre a dignidade do trabalho remontam a muito antes dos acontecimentos em Chicago, nos Estados Unidos, quando, muitos trabalhadores se levantaram para reivindicar condições dignas de trabalho, com protestos iniciados em 1 de maio de 1886. Desde então a data é feriado nos cinco continentes do globo terrestre.

São João Paulo II apontava, nesta carta encíclica, que o trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial, de toda a questão social, se nós procurarmos vê-la verdadeiramente sob o ponto de vista do bem do homem". Ele aponta que a solução para as questões sociais, cada vez mais complexas, deve ser buscada no sentido de “ ‘tornar a vida humana mais humana’ então por isso mesmo a chave, que é o trabalho humano, assume uma importância fundamental e decisiva” (LE 3) para o real progresso da sociedade.

Primeiro de maio de 2020

O céu das cidades mais limpo; rios, canais e mares mais translúcidos; aves e outros animais mais próximos das vilas. A natureza parece agradecida pela menor emissão de gases prejudiciais à atmosfera, consequência de menor uso de transportes e de atividades industriais .

Também as famílias puderam viver uma quarentena de convívio intenso, desde a hora de acordar até dormir, pais e filhos realizaram todas as refeições juntos, estudaram, trabalharam e encontraram algum espaço de lazer e brincadeira, assim como de discussão e brigas, mas, como nunca, conviveram com a própria humanidade, sadia ou doente, em paz ou com violência, mas sempre tendo como solução para tudo o diálogo, o amor e o perdão, tão necessários para o convívio dentro de um lar.

Muitos funcionários do lar foram dispensados, fazendo muitos donos de casa trabalhar na limpeza da própria sujeira, do pó que cai sobre o seu chão. Sem dúvida, muitos trocaram as horas de trânsito, seja no ônibus, metrô ou veículo particular, pela reza do Rosário em casa, sozinhos ou com os familiares, rezando especialmente pelos demais trabalhadores cujo trabalho essencial os faz arriscar-se dia a dia à exposição à Covid-19.

A Igreja no Brasil e no mundo, maior órgão de caridade e cuidados essenciais do mundo, convocou os cristãos a doações de alimentos e produtos de higiene que, em duas semanas somaram mais de meia tonelada só no Brasil, entre os itens contabilizados.

Será que essa quarentena, que afastou colegas de equipe de trabalho mas, por outro lado, permitiu mais vida familiar de oração e trabalho doméstico, de solidariedade com os mais sensíveis e empobrecidos, não está tornando “a vida humana mais humana” a partir dos próprios lares, revelando o essencial à vida humana, que é anterior à venda do próprio trabalho? Será que a partir dessa pandemia essas duas artes, da vida íntima no lar e da vida social e do trabalho, não poderiam se aproximar mais e permitir que fossem mais próximas colocando na balança, em primeiro lugar, não tanto o status e a exibição do vestuário e do carro do ano aos colegas, mas o convívio familiar e cuidado com os filhos e idosos?

Assim como a cruz mostra até onde pôde chegar o amor de Deus, são as guerras e calamidades que podem fazer aflorar a verdadeira solidariedade e espírito de união em favor da vida, sobretudo, a eterna.

Empresas e empregados vão voltar a falar de direitos e deveres do trabalho repensando a vida essencial - alimentar-se, higienizar-se, espiritualizar-se - antes de pensar em ganho monetário, pensando no que é fundamental: estar dentro de um local de trabalho, dentro de uma faixa de horário, ou a entrega ou fornecimento de um serviço, a partir de qualquer parte do globo, de maneira que permita ao trabalhador e a sua família serem mais saudáveis e humanos? 

São muitas as perguntas. Que as respostas venham conduzidas pelo mesmo espírito que levou o Nazareno a dedicar-se à carpintaria até os 30 anos, antes de lançar-se ao testemunho do amor do Pai. São José Operário, protetor da Sagrada Família, rogai por nós! Amém.

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