Espiritualidade

Como viver a Semana Santa

Nesta semana, nosso peregrinar torna-se mais intenso contemplando, desde já, o Mistério de nossa reconciliação com Deus, por meio de Cristo Jesus

Escrito por Angelica Lima

24 MAR 2024 - 00H00

Divulgação

Com a celebração do Domingo de Ramos, tem início a Semana Santa, também chamada “Semana Maior” ou a “Grande Semana”, pelo seu rico significado religioso cristão. Nela, celebra-se o mistério central da fé cristã, o mistério pascal, a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

Em entrevista à Rede Imaculada de Comunicação, frei Pacífico Alves OFM Conv. Fala sobre as celebrações desta Semana. Confira:

Frei Pacífico, depois desta nossa caminhada quaresmal, como nós devemos viver a Semana Santa?

A Semana Santa é o cume maior desse nosso tempo penitencial, desse nosso tempo Quaresmal. Então, a pergunta, de como nós devemos viver a Semana Santa é o modo de intensificar ainda mais a forma em que nós vivemos, a nossa Quaresma. Fizemos as nossas penitências, as nossas orações, então, nesta semana nós vamos intensificar. Iniciamos esta semana, de forma muito bela e muito singela com a celebração do Domingo de Ramos, uma celebração cheia de símbolos, que inicia já com o evangelho, e depois o evangelho da Paixão. E uma curiosidade que eu gosto muito de lembrar é que é “Domingo de Ramos e da Paixão”. E por que isso? Porque quando nós temos a ideia e compreendemos que o Jesus glorioso, que entra em Jerusalém com um burrinho, que é o símbolo da realeza, como nós ouvimos por muitas homilias neste domingo, quando os ramos são estendidos para Ele passar. Essa Glória não está separada da paixão, morte e ressurreição. A Glória de Jesus é a Glória da Cruz e parece controverso nós pensarmos assim, mas é exatamente assim que o mistério da Cruz abre as portas para a nossa fé cristã católica. Nós vivenciamos essa Glória de Deus a partir da Cruz. Então, na Cruz já é a Glória de Deus, por isso que nós vivenciamos domingo de ramos e da paixão. E é muito importante esse “da paixão” estar bem colocado. Hoje, muitas vezes nós entendemos paixão, às vezes como esse sentimento de apaixonamento, de namoramento, mas paixão no grego “pathos” tem a ver com intensidade, com força. Então, Jesus viveu toda a intensidade da cruz, da busca de remir os pecados do mundo, de assumir a cruz para redimir os pecados do mundo.

Uma particularidade que quero destacar, frei Pacífico, é que a missa de ramos é uma missa muito alegre, tem a procissão, o canto do Hosana, onde Jesus é aclamado pela multidão. A mesma multidão que aclamou Jesus, que estendeu os ramos, que o recebeu como rei é a mesma que gritou para que ele fosse crucificado e optou por soltarem Barrabás?

É muito interessante porque essa pergunta tem duas respostas: depende do evangelho. Frei, como assim? Depende do evangelho. Quando nós vamos no evangelho de Marcos e de Mateus, sim, é a mesma multidão. A mesma multidão que aclama Hosana é a mesma multidão que vai gritar: soltem Barrabás! Já no evangelho de Lucas há uma percepção diferente. A multidão não grita, a multidão apenas acompanha. E é muito interessante perceber isso, porque, em Lucas, a grande ênfase é que os povos, os gentios e o povo não crucificaram Jesus. Em Lucas, foram os romanos, isso em todos os evangelhos, mas atiçados, ouriçados pelos chefes do templo, não pelos fariseus, mas pelos chefes do templo. E por que é tão importante nós termos isso na cabeça e no coração? Porque se não, nós vamos tendo a ideia de que o evangelho é um jornal, no qual todos os personagens estavam ali, anotando, escrevendo, tudo o que estava acontecendo, como uma informação. E o evangelho não é isso. O evangelho é um dado de fé, é uma percepção teológica, de Jesus como o filho de Deus. Então nós vamos perceber no relato do evangelho, que é pós acontecido, anos após o acontecimento da paixão, morte e ressurreição de Jesus, que tem todo um dado de fé dentro do evangelho. Ah, frei, então o senhor está dizendo que não é verdade? Não foi isso que eu disse. O que eu estou dizendo é que a dinâmica de fé, de apresentar Jesus como filho de Deus, é o que conduz o texto do evangelho. Isso torna o evangelho ainda mais bonito! Porque nós vamos perceber que essa fé que moveu os apóstolos, que moveu aqueles que escreveram o texto, também nos move até hoje, também nos leva a essa crença, à percepção dessa fé em nós, que Jesus é o filho de Deus e ressuscitou, como disse. Então, quando nós estamos verificando isso e olhando os evangelhos, nós vamos perceber essas pequenas mudanças.

Existe aí, historicamente falando, frei pacífico, a coação do estado?

Existe uma complexidade quando a gente fala de Palestina no tempo de Jesus. A gente vai entender uma complexidade do estado como Estado Romano, então os dominadores de fora que vieram e acamparam em toda a região da Palestina e da Judeia. Roma, que estava comandando toda aquela região. E Roma tinha uma forma de governo que era junto com o governo local. Então Herodes sim, era conivente com o Estado Romano, com a dominação romana, com a famosa “Pax Romana”, e existe uma coação também dos chefes dos sacerdotes do templo. Então existe sim uma força do poder religioso, e do poder terreno, do poder terreno local e do poder terreno dominador de fora. Então, quando nós percebemos isso, nós vamos perceber uma coisa que pra mim se torna extremamente bonita no evangelho, que é perceber mesmo com as questões humanas, mesmo com os nossos erros e falhas com as nossas incoerências, sejam elas pessoais, sejam elas a nível social. Mesmo com tudo isso, Deus age. A ação de Deus pode nos tocar, Deus não é impedido, “pelas nossas bobeiras”, digamos assim. Ah, frei, mas existe uma omissão do estado? Existe. existiu uma omissão do templo judaico? Eu não falo religião judaica, porque pra gente pensar o judaísmo como religião, a gente vai entrar em uma outra história. Mas existe uma corrupção, existe uma questão do com o templo judaico? Existe. Mas mesmo com tudo isso, Deus age, mesmo contando com todas essas situações. Deus envia seu filho único pelo seio de Maria, esse que assume o compromisso do Pai, assume o projeto do Pai, assume projeto do Reino de Deus, faz o seu caminho de pregação durante os 3 anos da sua vida pública, fala para todo mundo que vai ser morto, vai ressuscitar, mas ninguém acredita. Ele morre e ressuscita. E mesmo assim, até hoje ainda tem gente que não acredita, ou tem muitos de nós que dizemos acreditar, que dizemos crer em Jesus como filho de Deus, como filho bendito da virgem Maria, mas muitas vezes não vivemos como pessoas que acreditam verdadeiramente nisso. Então essa semana também nos serve para reaquecer a nossa fé, nesse sentido de perceber que Jesus é o filho de Deus, que essa salvação que ele nos trouxe não nos dá uma certa good Vibe, como os jovens gostam de dizer, mas nos coloca em um comprometimento com o projeto de Jesus. É esse o caminho e a mentalidade que nós devemos ter durante esta semana.

Esta semana é chamada de Semana Maior e o auge desta celebração é o tríduo Pascal, que tem início na Quinta-feira Santa. Qual é a mensagem central desses dias que antecedem o tríduo Pascal?

Esses dias nós vivemos todo um período de espera dos acontecimentos que estão para acontecer. Então, dentro da devoção popular existe um caminho muito bonito que eu admiro muito. Então tem a procissão do encontro, tem todo um caminho de espiritualidade durante a segunda, terça e a quarta, que nos conduz ao mistério da ceia Pascal e depois Sexta-feira Santa e o Sábado de Aleluia. É uma celebração única. Mas esses 3 dias que antecedem nós vivemos essa expectativa do Domingo de Ramos até a prisão de Jesus. E aí nós vamos acompanhando nos evangelhos, não como repórteres ou como espectadores, mas como fiéis, como aqueles que estão junto com Jesus para vivenciar toda essa situação difícil, a mais difícil de sua vida, que Ele está prestes a enfrentar. Então são dias de oração, de vigília. São dias de preparação para esse grande momento que é a ressurreição do Senhor. Paixão, morte e ressurreição, essa grande Trindade que nós vamos viver a partir da Santíssima Trindade, nós vamos percebendo como a graça de Deus nos conduz, como a graça de Deus nos encaminha para esse grande mistério.

O Tríduo Pascal tem início na Quinta-feira. Qual o significado deste dia e quais são as celebrações desta data?

O primeiro dia do Tríduo Pascal é de muito significado. Para falar da importância de cada uma das celebrações dentro da Quinta-feira Santa, eu vou começar do final para o início e eu acho muito importante a gente ter a clareza disso. Normalmente, no mês de agosto, no mês das vocações, o primeiro final de semana é dedicado à vocação do Ministério ordenado. De uns 76 anos para cá, se convencionou em colocar como o dia do padre. Então, o dia do padre acaba ficando o primeiro final de semana de agosto. Mas não é o dia do padre, é o dia do pároco. Exatamente porque no dia 4 de agosto nós celebramos a memória festiva de São João Maria Vianey ou Santo cura "Cura d’Ars". Então nessa data, nós celebramos o dia do parco. Mas, se não é dia do pároco, qual é o dia do padre? É na Quinta-feira Santa. É a instituição da Eucaristia, a instituição do sacerdócio. Esse é o dia do padre, porque é exatamente nesse dia que ele renova as suas promessas de ordenação. É nesse dia que ele renova o seu compromisso sacerdotal. É no dia da Quinta-feira Santa que nós celebramos a instituição da Eucaristia. Por isso que nasce o sacerdócio ministerial e nasce também o sacramento da Igreja. Assim, pela manhã se celebra a missa dos Santos Óleos que é a missa de consagração dos óleos que serão usados nos Sacramentos. No Sacramento da unção dos enfermos, no Sacramento do batismo, no Sacramento do crisma, em todos os sacramentos nos quais é utilizado óleo. Esse óleo é consagrado, um óleo de Oliveira, virgem. Ele é consagrado neste dia. Quando a gente fala um óleo virgem, nós queremos dizer um óleo que não foi esquentado, porque quando se esquenta a azeitona, ela solta mais óleo. Só que esse óleo solta com um pouco mais de impureza. Então, quando nós falamos de um óleo de Oliveira virgem, nós queremos dizer um óleo que a azeitona foi apenas prensada e não foi adicionado o elemento de temperatura, então ela continua na temperatura normal, ela é prensada e o óleo que sai e aquele óleo nós chamamos de um óleo virgem. Esse óleo é o óleo que vai ser consagrado para os sacramentos, que a igreja vai celebrar durante todo o ano. Essa consagração nasce, necessariamente, da instituição da Eucaristia, que nada mais é do que essa entrega de servir ao outro, de servir ao irmão, por isso que João no lugar da instituição da Eucaristia, coloca o lava-pés, porque o lava-pés é, necessariamente, esse serviço de doação e de entrega pelo outro, pela comunidade, então por isso que nós, como símbolo, mantemos o lava-pés nas nossas celebrações da Quinta-feira Santa, exatamente como esse sinal de ir ao encontro do outro, de servir o outro, de estar e de amar o próximo.

A Sexta-feira é bem diferente, não é frei Pacífico? É dia de jejum, de abstinência, oração. Por que neste dia não se celebra missa?

Como curiosidade: é o único dia no ano que não se celebra a missa. Nós temos o ato litúrgico do beijo da Cruz, mas é o único dia que não se celebra a missa. E é muito interessante perceber que no Tríduo Pascal, nós vamos acompanhar Jesus passo a passo. Então, na quinta-feira Santa, com tudo isso que eu já expliquei, nós vamos colocar a Eucaristia no tabernáculo fora da igreja e vamos para a nossa adoração. E essa Sexta-feira se torna um dia de abstinência e de oração, porque nós acompanhamos esse Jesus que ficou da Quinta para Sexta preso, que vai ser flagelado na Sexta-feira. Nós vamos acompanhar a sua crucificação. Nós vamos acompanhar todo o seu caminho, toda a sua via crucis nas Via sacras que nós fazemos normalmente no período da noite da Sexta-feira e vamos manter esse silêncio até o Sábado Santo. E no Sábado Santo nós vamos nos recolher nesse Jesus morto, nesse Jesus que desce à mansão dos mortos, esse Jesus que vai, como diz o texto do século 4, vai resgatar o Adão da mansão dos mortos. E no sábado Santo nós vamos silenciar junto com Jesus até o momento da nossa Vigília Pascal. A vigília Pascal é um momento riquíssimo na Igreja. É uma festa que nos lembra também a festa judaica dos candelabros. É uma festa maravilhosa que é chamada, na tradição judaica, como festa das luzes que é a festa dos tabernáculos. Tem toda uma tradição judaica voltada para isso. Mas, nós celebramos no sábado Santo com a fogueira, com a bênção do fogo novo, o símbolo de Jesus, como luz do mundo no sírio Pascal, onde nós vamos marcar o sírio, o alfa, o Ômega, o princípio e o fim. O Círio Pascal simboliza, necessariamente, o Cristo como luz do mundo. E então a vigília Pascal se torna a festa da ressurreição, porque essa vigília já é a expectativa, já é a presença de Jesus ressuscitado na tradição, a vigília Pascal. Então, todo esse caminho que nós vamos fazer no Tríduo Pascal nos ajuda, nos prepara para essa experiência de fé que nós vamos vivenciar.

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