Por Frei Aloísio Oliveira Em Lendo o Evangelho

A multiplicação dos pães

“O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (6,51)




Neste trecho, Jesus mesmo preocupa-se em oferecer pão à multidão. Tal pão significará o dom de sua pessoa. A pergunta que Ele dirige a Felipe recorda o episódio do maná, quando Moisés teve de enfrentar o desafio de alimentar o povo de Deus no deserto: “de onde tirarei carne para tanta gente?” (Nm 11,13).

No contexto do Evangelho, porém, a pergunta quer provocar no apóstolo o reconhecimento da impossibilidade de o ser humano buscar para si o “verdadeiro” pão.

Sem entender o sentido da provocação lançada pelo Mestre, Felipe deixa-se levar pela possibilidade de alimentar a multidão faminta comprando pães. Por isso, fala da quantidade de dinheiro necessária, como se o dom da vida fosse de ordem quantitativa: “um pedacinho” para cada um (cf. Jo 6,7).

Pela pergunta, porém, Jesus quer abrir o espírito do discípulo àquilo que o alimento simboliza conforme a tradição sapiencial refletida no texto do profeta Isaías: “Vós que não tendes dinheiro, vinde a mim! Comprai o pão e comei, gratuitamente!” (Is 55,1).

Com efeito, o texto afirma: “Jesus falava assim para pôr Filipe à prova, pois sabia o que ia fazer” (Jo 6,6). Obviamente, interpretar esta frase como simples referência ao poder de Jesus para multiplicar os pães é permanecer na superfície da mensagem.

O “fazer” de Jesus não se esgota no prodígio, mas inclui aquilo que o milagre significa: para que a multidão tenha vida, Jesus dará bem mais do que pães abençoados: dará as palavras que ouviu do Pai, e ainda mais: dará Sua pessoa, mediante a morte.




A multiplicação ocorre depois de Jesus “dar graças” abençoando os pães. Para o leitor cristão, isso evoca, naturalmente, a Ceia eucarística. Acrescentando que é o próprio Senhor que distribui o pão à multidão, o evangelista quer dizer que o pão que Jesus dá é o sacrifício de Si mesmo em favor dos Seus. Com efeito, Ele declarará: “O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (6,51).

Depois de a multidão comer e ficar satisfeita, foram recolhidos doze cestos cheios dos pedaços que sobraram (Jo 6,12-13). A sobra, guardada para não se perder (cf. 6,12b), significa o aspecto incorruptível do alimento que Jesus dá. O maná dado por Moisés ao povo, no deserto, saciava, mas a sobra se estragava (cf. Ex 16,20). O pão que Jesus dá, porém, permanece porque é a Vida divina que Ele veio oferecer.

Quando as pessoas viram o que Jesus realizou ficaram entusiasmadas dizendo que Ele era o profeta esperado e queriam coroá-lo como rei (cf. Jo 6,14-15).

Desde tempos muito antigos, conforme o testemunho de uma palavra do Livro do Deuteronômio (cf. Dt 18,15), aguardava-se para o fim dos tempos um profeta que devia ser intérprete supremo da Lei à altura de Moisés e, segundo expectativas populares da época de Jesus, devia libertar Israel da dominação romana como Moisés havia libertado os hebreus do Egito.

Portanto, essa tentativa eufórica de coroar Jesus como rei se, por um lado, demonstra a cegueira da multidão que não “vê” o sentido do sinal e pensam em um Messias político, por outra parte, deixa transparecer uma alusão ao desfecho da vida de Jesus que será condenado justamente sob acusação de fazer-se rei (19,20).

Com efeito, Jesus só será novamente aclamado pela multidão, às vésperas, de sua paixão. Assim, a narração da multiplicação dos pães sugere o que Jesus dirá, depois, sobre o “Pão da Vida”: é por Sua morte que Ele se tornará o “pão” da multidão (cf. Jo 6,51).

Por ocasião de sua prisão ele se deixará levar (18,12), mas, aqui, Ele se subtrai a um entusiasmo que o desviaria de sua missão. Portanto, fugir para não ser coroado rei é resistir à tentação de poder e sua retirada à montanha é recolher-se junto do Pai de quem recebe Sua verdadeira glória, que não Lhe é dada pelos homens (cf. Jo 12,28;17,5).

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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