Bem-aventurança, no Antigo Testamento, em geral, define o estado de felicidade resultante das bênçãos de Deus, caracterizado por manifestações concretas de bem-estar: riqueza, saúde, prosperidade etc. Porém, as bem-aventuranças evangélicas nos deixam perplexos ao proclamar bem-aventuradas pessoas em situações humanamente deploráveis que, a partir da perspectiva terrena, seriam mais propriamente consideradas desventuradas e até amaldiçoadas.
Não conseguiríamos, portanto, aceitar as bem-aventuranças, não fosse Jesus mesmo a pronunciá-las. Embora sendo palavras do Senhor, estranhamos Sua maneira de falar. Então nos perguntamos: como é possível afirmar que pessoas em situações tão desfavoráveis sejam bem-aventuradas?
As bem-aventuranças, que começam com o tema da pobreza: “Bem-aventurados os pobres em espírito”, continuam mencionando situações concretas que exprimem indigência e insuficiência, as quais são seguidas por promessas comunicadas, geralmente, na voz passiva: “Os famintos serão saciados; os aflitos serão consolados...” Esse modo de falar é uma maneira bíblica de mencionar uma ação de Deus sem pronunciar o Seu nome, por respeito. Subentende-se, dessa forma, que o agente das bem-aventuranças é o próprio Deus, isto é, os aflitos serão consolados e os famintos saciados por Ele.
Tais bem-aventuranças, que seguem à primeira, parecem ser desdobramentos dela, ou seja, explicam como se manifesta concretamente nas várias circunstâncias. Assim, só se pode lançar totalmente em Deus, como quem tem fome e sede de Sua justiça, e ser por Ele saciado, quem é pobre em espírito; isto é, quem experimenta, realmente, a própria indigência e insuficiência. Dessa forma, torna-se puro de coração, ou seja, transparência da presença de Deus que se torna visível, em sua vida, por meio de atitudes concretas de mansidão, misericórdia, paz e perseverança nas aflições e perseguições.
Ao contrário, a falta de pobreza em espírito leva a pessoa a uma inflação de si mesma, resultando em uma falsa autossuficiência, que o livro do Apocalipse descreve como o cúmulo da ignorância e da cegueira: “Pois dizes: ‘Sou rico, enriqueci-me e de nada mais preciso’. Não sabes, porém, que és tu o infeliz, miserável, cego, pobre e nu!” (Ap 3,17).
Portanto, a pobreza em espírito, proclamada nas bem-aventuranças do Evangelho, é necessária ao ser humano, porque o torna consciente de sua condição real, fazendo-o desprender de suas medidas e o coloca na experiência do salmista que reza: “Quanto a mim, sou pobre e indigente: ó Deus, vem depressa! Tu és meu auxílio e salvação: Senhor, não demores!” (Sl 70[69],6).
A pobreza em espírito, portanto, não se identifica simplesmente com a pobreza material, pois mesmo quem fosse materialmente pobre poderia, ainda, ser repleto de ganância e esperar tudo da riqueza terrena. Portanto, a referida bem-aventurança tem um sentido elementar que está na raiz do nosso verdadeiro relacionamento com Deus. Ela é a mais elevada nobreza a que o espírito humano pode chegar, pois é configuração com o próprio Jesus Cristo, que, de rico, se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza (cf. 2Cor 8,9).
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