Lendo o Evangelho

Eu vos dou minha paz

“O Paráclito, o Espírito Santo, vos ensinará tudo e vos fará recordar”

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

20 MAI 2022 - 00H00 (Atualizada em 20 MAI 2022 - 18H18)

O presente trecho evangélico começa com uma pergunta que Judas Tadeu faz a Jesus querendo saber por que Ele não se manifesta claramente ao mundo. A tal pergunta Jesus só respondeu de maneira indireta. O v. 24 pode ser lido como a resposta direta. Quem recusa a Palavra do Enviado, recusa a do próprio Pai e se exclui de toda possibilidade de comunhão com Ele.

Com efeito, a comunidade e o “mundo” distinguem-se entre si pela presença ou ausência do Amor, que, para o Evangelho de São João, significa comunhão de vida com o Pai e o Filho. A distinção, todavia, não é estanque, como se as coisas fossem fixadas de uma vez por todas. Conforme demonstra o desenrolar do discurso, que é pós-pascal e sem limites de tempo, a acolhida ou recusa da Palavra implicam uma pregação que continua, por meio da voz dos discípulos unidos a Jesus. A Palavra será sempre proposta, de novo, ao mundo para nele suscitar a vida.

É graças ao Paráclito enviado pelo Pai que os discípulos poderão entender o sentido da Palavra e assimilá-la pessoalmente. Depois da revelação inicial de Jesus de Nazaré, veio o tempo da revelação própria do Espírito Santo Paráclito, que não é outra revelação diferente daquela de Jesus, mas sim, o desvelamento pleno dela: “O Espírito Santo receberá do que é meu e vos ensinará” (Jo 16,13-16).

Portanto, o ministério terrestre encerrou-se, mas graças ao Paráclito, as palavras de Jesus serão esclarecidas aos seus discípulos bem mais do que na época em que foram ouvidas pela primeira vez. A função esclarecedora que o Espírito Santo tem, funda-se em seu envio pelo Pai em nome de Jesus. Vindo em nome do Pai, Jesus não falou por si mesmo, mas segundo o ensinamento recebido do Pai. Desse modo, o Espírito Santo, também, não transmite uma doutrina que lhe seja própria, mas aquela que ouve de Jesus.

A missão do Paráclito é expressa com dois verbos: ensinar e fazer recordar. O ensinamento do Espírito consistirá em reavivar nos discípulos a lembrança das palavras de Jesus. Na Bíblia, o verbo ensinar tem o sentido de interpretar autenticamente as Escrituras. O Evangelho de S. João mantém este sentido fundamental, atribuindo a este verbo o significado de: comunicar uma verdade do alto com a autoridade requerida. O que caracteriza o ensinar, agora, como missão própria do Paráclito é introduzir os fiéis na Verdade plena. Com efeito, os profetas afirmavam que, quando viesse a Nova Aliança, a Lei antiga deixaria de ser imposta de fora e passaria a ser apreendida do interior, graças ao Espírito (cf. Ez 36,26-27; Jr 31-34). Pois bem, isto se realiza com a revelação do Filho, que o Espírito Santo esclarece plenamente.

O Espírito Santo “vos ensinará tudo o que vos disse”: a ênfase recai na totalidade do que Jesus comunicou aos homens, em nome do Pai. Na Bíblia, “recordar” implica não apenas a lembrança de um fato passado, mas uma tomada de consciência de sua significação. É o que acontece quando Jesus exorta os discípulos a recordar o seu gesto na última ceia: “Fazei isto em memória de mim”. Este tema da memória São João o tira do Antigo Testamento, especialmente do livro do Deuteronômio que é, em sua totalidade, pode-se dizer, uma teologia da memória. Nele trata-se dos grandes feitos do Senhor em favor do seu povo durante o Êxodo. No Evangelho de João, trata-se da revelação do Filho.

Ao conceder aos discípulos a recordação das palavras de Jesus, o Espírito não se limita, portanto, a fazê-los relembrar de um conteúdo que esqueceram. Ele leva os discípulos a apreenderem o sentido das palavras de Jesus, até então obscuro para eles, permitindo-lhes interpretá-las, em profundidade, à luz da Páscoa.

Despedindo-se de seus discípulos, Jesus não lhes deseja, simplesmente, a paz. Ele a dá aos discípulos, como um legado: “Eu vos deixo a Paz”. Mas, o que significa “Paz” na boca de Jesus? Na Bíblia, paz, entre seus múltiplos sentidos, tem um significado básico de inteireza, totalidade. Nesse sentido, pacificar significa recuperar a inteireza, reintegrar na totalidade.

Portanto, o Filho dispõe da paz porque ele realiza a reconciliação do povo com Deus, o reintegra na comunhão que o pecado havia rompido. Por isso que a saudação típica do Cristo ressuscitado é: Paz a vós! E não simplesmente expressão de um bom desejo: a paz esteja convosco! O “Paz a vós!” na boca do Ressuscitado é, portanto, a comunicação de uma realidade consumada. Pela sua Paixão, morte e ressurreição o Senhor Jesus nos reintegrou efetivamente na plena comunhão com o Pai.

Por isso, a Paz que Cristo nos dá é diferente da paz do mundo. Não se trata de bem estar psicológico resultante de situações naturais favoráveis como: saúde, tranquilidade, prosperidade, sucesso pessoal, etc. Não que a paz psicológica, o sentir-se bem por viver condições humanas favoráveis seja um mal. Antes, é um bem que pode ser desfrutado em paz e sem culpa. Só que a paz, nesse nível, nem sempre será possível. Não dura para sempre. Surgem momentos em que, como um mar tempestuoso, a nossa vida fica agitada pelas situações adversas. Experimentamos, algumas vezes, provações e angústias tão grandes que nos perturbam profundamente. Em tais momentos, a paz natural não pode mesmo resistir.

Até Jesus, no Monte das Oliveiras, experimentou tanta angústia que chegou a suar sangue (Lc 22,44). A paz para Jesus, naquele momento, não era certamente bem estar psicológico resultante de experiências agradáveis. Isto não era possível naquela situação. A Paz que Cristo nunca perdeu é a sua plena comunhão com o Pai, pois, mesmo no momento mais angustiante da sua vida, Ele diz: Pai, se queres, afasta de mim este cálice! Contudo, não a minha vontade, mas a Tua seja feita!”(Lc 22,42). Esta é a Paz de Cristo e que só mesmo Ele pode nos dar. Com efeito, o Apóstolo São Paulo afirma que “Cristo é a nossa Paz. Derrubando o muro de separação, Ele nos reconciliou com Deus, por meio da cruz” (cf. Ef 2,14-18).

Portanto, seja nos momentos em que nos sentimos tranquilos e em paz, seja em meio às provações da vida, que nos tiram a paz, jamais percamos de vista a Paz de Cristo!

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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