Lendo o Evangelho

Jesus chama os primeiros apóstolos

Vinde após mim!

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

22 JAN 2023 - 00H00

Depois de inaugurar o seu ministério com o apelo à conversão (Mt 4,17), o primeiro ato concreto de Jesus foi chamar seus primeiros discípulos. Isto significa que a vocação cristã é seguir Jesus, participando de sua missão. Dessa forma, na chamada de Pedro e André, Tiago e João, como narra o evangelho de São Mateus, está compreendida nossa própria vocação, pessoal e comunitária, de seguir a Jesus, como discípulos e discípulas missionários.

“Caminhando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André. Lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: ‘Vinde após mim e eu vos farei pescadores de homens’. Eles, imediatamente, deixaram as redes e o seguiram” (Mt 4,18-20).

Este texto deixa claro que ser discípulo e discípula de Jesus significa ir atrás dele, seguindo-o aonde Ele nos levar. Ele é o Mestre que chama, enquanto o discípulo é quem o segue, ou seja, “caminha com ele”, participando de sua missão.

É preciso destacar que “ir atrás de Jesus”, “caminhar com ele” significa “conversão”, ou seja, mudança radical na escala de valores, reorientação completa da própria existência. Dessa forma, quando os primeiros discípulos deixam tudo para seguir Jesus, eles estão dando uma resposta pessoal concreta ao apelo com o qual Jesus inicia a pregação do Reino de Deus: “Convertei-vos!” (Mt 4,17). Isso significa que se converter e crer é seguir Jesus, é “caminhar com ele”, assumir a missão com ele.

É interessante notar que nessa narração da vocação dos primeiros discípulos não é mencionada nenhuma reação pessoal por parte dos dois irmãos. Eles não apresentam objeções, dúvidas ou apreensões do tipo: o que fizemos de nossas vidas? Nós nem conhecemos esse homem, como é que vamos atrás dele sem nenhuma garantia ou, pelo menos, uma explicação do que ele quer de nós?

O texto não responde a estas indagações pessoais. Sem dar maiores detalhes, apenas narra o fato que os discípulos largaram tudo e foram atrás de Jesus. Com isso, o Evangelho quer nos comunicar que a essência da vocação cristã é seguir Jesus. E isso significa: deixar para trás um estilo de vida baseado nas nossas seguranças e projetos pessoais e ir atrás de Jesus como nossa única segurança, abraçando a missão que Ele tem para nós.

Portanto, na vocação dos primeiros discípulos e na atitude que tomaram de deixar tudo para seguir Jesus, está descrita a nossa própria vocação, pois não existe vida cristã sem a decisão de “caminhar com Jesus”.

Na vocação de Tiago e João, é descrito que, além da embarcação e das tralhas de pesca, eles deixaram para trás até o pai Zebedeu (Mt 4,22). Com isso, o Evangelho quer nos ensinar que seguir Jesus é coisa tão grande que toca até os nossos vínculos afetivos mais profundos: “quem ama pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37).

Para uma compreensão mais profunda da nossa vocação cristã, talvez tenhamos de ler a vocação de Pedro e André, Tiago e João em conjunto com a vocação de Mateus, narrada pouco adiante:

Ao passar, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me.” Ele se levantou e seguiu-o (Mt 9,9).

Como Pedro e André, Tiago e João, também Mateus aceita o chamado de Jesus e o segue com prontidão. Mas o contexto da vocação de Mateus e as consequências decorrentes trazem uma novidade absoluta. Pedro e André, Tiago e João eram pessoas devotas que praticavam a religião fielmente. Mateus, porém, era um cobrador de impostos. Essa função era muito condenada porque, além de arrecadar dinheiro do povo eleito em benefício dos dominadores pagãos, os cobradores de impostos se aproveitavam de sua condição para explorar, roubar e oprimir as pessoas. Nesse sentido, o cobrador de impostos era considerado um pecador público, um perdido irrecuperável, sem chance de salvação. Era um excomungado da comunidade religiosa que não podia sequer entrar no templo.

Por isso, a vocação de Mateus e, logo em seguida, a refeição partilhada por Jesus com os outros cobradores de impostos fazem parte do mesmo episódio (Mt 9,10-13). Os fariseus, que se consideravam pessoas religiosas impecáveis, ficaram escandalizados e indignados com a atitude de Jesus. Como era possível um mestre de espiritualidade acolher pecadores tão detestáveis e tomar refeição com eles? Por isso, Jesus disse aos fariseus: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes...Com efeito, eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,12-13).

Dessa forma, a vocação de Mateus é um chamado pessoal a ser apóstolo de Jesus e, ao mesmo tempo, um apelo de conversão dirigido a todas as pessoas, sem exceção, por mais pecadoras que sejam. Se Jesus chamou Mateus, um pecador condenado e excomungado, significa que, na pessoa e na atuação de Jesus, a misericórdia de Deus Pai se manifestou para todos. Portanto, na vocação de Mateus colocada no contexto da refeição com os “excomungados” da comunidade religiosa, revela-se o conteúdo mesmo do Evangelho: não há mais excluídos porque Jesus veio para buscar e salvar o que estava perdido (Lc 19,10). Doravante, todos os que aceitarem o chamado a seguir Jesus, com fez Mateus, alcançam a misericórdia que em Jesus é oferecida a todos.

A experiência vocacional desses primeiros discípulos é modelo de toda vocação cristã. Como a eles, Jesus chama também a nós para sermos seus discípulos e discípulas. Na vocação de André e Simão, Tiago e João, transparecem as exigências, isto é, o que o discípulo ou a discípula deve dar para seguir Jesus. Na vocação de Mateus, porém, aparece com maior evidência o que o discípulo ou a discípula ganha quando assume o compromisso de seguir Jesus: o acesso pleno à misericórdia de Deus Pai.

Por isso, não devemos ter medo das exigências para seguir Jesus, pois o que damos nem se compara com o que havemos de receber.

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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