A lavagem de mãos e braços ao voltar da rua e a limpeza de vasilhames domésticos como exigência religiosa, não eram normas praticadas por todos os judeus como descrito no v.3. Tais costumes eram mais comuns a alguns segmentos do judaísmo como, por exemplo, os fariseus.
A generalização, aqui mencionada, é motivada pela polêmica entre judeus e as primeiras comunidades cristãs. Porém, mais importante que a polêmica é, obviamente, o ensinamento de Nosso Senhor, transmitido nesse trecho do Evangelho. Trata-se da verdadeira adoração a Deus. Quando é que a gente tem “mãos puras” e pode entrar no Santuário para louvar a Deus, dignamente? (cf. Sl 24[23],3-4).
O que torna uma pessoa “impura”, isto é, indigna de participar das celebrações sagradas, não é certamente o tomar alimentos com mãos sujas ou não ter lavado bem a louça. Isso são apenas normas de higiene necessárias para cuidar da saúde, porém nada tem a ver com Deus e com a dignidade das celebrações religiosas.
Jesus Cristo explica, inclusive com certa ironia, que o que se come vai terminar no vaso sanitário e não afeta absolutamente a integridade da pessoa. O que realmente estraga a vida de uma pessoa e, sem dúvida, a afasta de Deus, é sua conduta desnorteada, marcada por males praticados contra o próximo: injustiças, roubos, assassinatos, adultérios e tantos outros pecados (cf. Mc 7,21-23). Tais coisas realmente tornam o ser humano “impuro”, ou seja, distanciado de Deus. Enquanto continuar a viver assim, sem arrependimento real, manifestado por iniciativa concreta de conversão, mesmo se praticar alguma norma ou rito religioso para nada serve, pois é honrar a Deus apenas com os lábios, mas o coração está distante. O louvor externo só tem sentido se for acompanhado da busca de coerência e consistência internas. O único Altar onde Deus é devidamente louvado é o coração do ser humano. O próprio Jesus afirmou à Samaritana que não é em Jerusalém nem na Samaria que se adora a Deus verdadeiramente, pois os verdadeiros adoradores, que o Pai procura, são os que O adoram em espírito e verdade (cf. Jo 4,21-24).
Nos tempos em que o evangelho de Marcos foi escrito, o debate sobre os “detalhismos” na observância da lei mosaica já estava superado. Qual seria, então, o ensinamento que o evangelista quis transmitir ao recordar a polêmica com os fariseus?
A questão é que se de um lado não havia mais o perigo de se recair no legalismo farisaico da pureza cultual, por outro foi constante a tentação de recair em uma piedade externa, ou seja, reduzir a vida cristã a certas práticas religiosas. Com efeito, o ser humano tende a restringir sua experiência religiosa a determinadas regras e/ou atividades sagradas que lhe assegurem a sensação de “estar bem com Deus” para, com isso, isentar-se da responsabilidade de conversão profunda.
A observância rigorosa de algumas normas externas e o emprego de suas energias na execução de certas atividades, muitas vezes, leva a pessoa a fazer de si mesma uma ideia ilusória de “perfeição” e “santidade”, fazendo esquecer o verdadeiro culto a Deus, a saber, uma vida de serviço ao próximo resultante de uma verdadeira transformação pessoal (cf. Is 58,3-7).
Face a todos esses equívocos, Marcos chama a atenção expressamente sobre a fonte da verdadeira impureza que desvanece toda iniciativa de culto a Deus: o coração do ser humano (cf. Mc 7,15.23). Se o cristão não estiver disposto a purificar essa fonte, que está nele mesmo, mediante contínua conversão ao Evangelho, porá tudo a perder. Pois o coração transviado e obtuso, não transformado pelo evangelho, pode usar até a vinculação com Deus para justificar seus desvarios.
Quanta opressão ao próximo, quantas guerras, quantas injustiças, quantos males foram e são, infelizmente, praticados em nome de Deus? O coração humano quando não é devidamente cuidado desfigura o rosto de Deus, causando danos ao indivíduo mesmo e ao próximo.
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