A dúvida da centopeia
Uma centopeia passeava feliz pelo chão, debaixo das árvores da floresta. Alguém lhe perguntou: "Qual é o pé que você move primeiro? A centopeia ficou pensativa, depois começou a ficar preocupada. Juntou dúvidas e mais dúvidas. Não teve mais coragem de caminhar. Sem mais forças, morreu ali mesmo". Se tivesse deixado de se preocupar inutilmente e começado a caminhar, estaria ainda viva.
Chegamos ao Quinto Domingo da Quaresma deste ano, à última etapa do caminho dos catecúmenos rumo ao Batismo na noite de Páscoa e encontramos o Evangelho de João conhecido como a "ressurreição" de Lázaro. Sabemos que, propriamente, o de Lázaro é um retorno à esta vida mortal, algo extraordinário, sem dúvida, mas nada mais. No entanto, esta "ressurreição" é o último dos sinais do Evangelho de João antes da "hora" da paixão, morte e – esta sim, única e verdadeira – ressurreição de Jesus. Tudo para nos ajudar a acreditar, como Marta, que Ele mesmo, Jesus, é "a ressurreição e a vida".
Podemos até chamar a "ressurreição" de Lázaro de "milagre", mas isso não interessa muito ao evangelista João porque para entender os "milagres" de Deus antes é preciso acreditar nele. De outra forma, encontraremos outras explicações ou ficaremos mesmo na dúvida. A fé é um dom do próprio Deus e que devemos pedir com humildade e confiança.
Nunca teremos provas cabais para nos obrigar a acreditar. Devemos correr o risco, mas vale a pena; o que está em jogo não é simplesmente esta vida que experimentamos neste mundo, mas aquela Vida plena que, justamente, somente Deus, o Senhor da Vida, pode nos dar
Nunca teremos provas cabais para nos obrigar a acreditar. Devemos correr o risco, mas vale a pena; o que está em jogo não é simplesmente esta vida que experimentamos neste mundo, mas aquela Vida plena que, justamente, somente Deus, o Senhor da Vida, pode nos dar. Talvez, nesta página do evangelho de João, esteja escondido o segredo.
Conhecemos Marta e Maria, as duas irmãs, também pelo Evangelho de Lucas. De Lázaro não sabemos nada, o que fazia na vida e ele nunca fala. A Betânia, Jesus encontra uma família toda especial, na qual não tem pai e nem mãe, somente irmãos. Uma clara antecipação da nova "comunidade" de Jesus onde todos devemos nos considerar irmãos. No meio de tantas divisões na sociedade e de famílias onde até os parentes próximos, às vezes, se tratam como estranhos, este já é um sinal de "vida nova". Mas tem mais. Lázaro, Marta e Maria são chamados de "amigos" de Jesus. Ele mesmo chama Lázaro de "nosso amigo".
Todos, também, consideram que Jesus amava muito Lázaro e o veem chorar emocionado pela morte dele. Em outras partes do seu Evangelho, João, chama João Batista é "amigo do noivo" (Jo 3,29) e, durante a última ceia, faz dizer a Jesus: "Eu não vos chamo servos... Eu vos chamo amigos" (Jo 15,15). Isto depois de ter dito também que "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida por seus amigos" (Jo 15,13).
Temos, portanto, algumas palavras-chaves para entender a "vida nova" que Jesus quer nos doar: fraternidade, amizade e, obviamente, amor. São palavras, certo, mas são, sobretudo, escolhas, atitudes, laços de novos relacionamentos, sinais de uma humanidade renovada, reconciliada com Deus e entre si.
Se o "pecado" divide, se o ódio de Caim teve como fruto a morte de Abel, a vida doada de Jesus vai gerar uma "vida nova" feita de relações fraternas, promotoras de vida e não mais de morte.
Nós cristãos não acreditamos na ressurreição só para o outro mundo, após a morte. Já aqui, neste mundo é possível e deve começar a "vida nova" do Senhor. Na Sua Páscoa, Ele nos amou até o fim e Deus Pai o ressuscitou para nós acreditarmos que somente o amor é o caminho da vida nova.
As Comunidades dos discípulos de Jesus são chamadas a viver a fraternidade, a amizade e o amor entre si, não porque se fecham sobre si mesmas, mas para proclamar, com as próprias vidas, que é possível algo verdadeiramente novo neste mundo.
Tudo isso é mais forte do que a morte, porque tem como garantia o próprio amor sem fim de Deus Pai, revelado e manifestado para nós no Filho Jesus. Depois de ordenar a Lázaro a sair do túmulo, Jesus manda que o libertem das mortálias e o deixem caminhar.
Agora Lázaro e todos nós conhecemos o Caminho da Vida. Devemos trilhá-lo, confiantes, se não queremos morrer a toa, como a centopeia. É um risco que vale a Vida.
Confira também a reflexão de Dom Nelson Westrupp, Bispo Emérito de Santo André, que nos chama a, mesmo vivendo num corpo ferido pelo pecado, viver segundo Espírito. Confira sua participação no Programa A Igreja no Rádio, da Rádio Imaculada:
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