Igreja em Pauta

Fraternidade e amizade social: “Vós sois todos irmãos”

Secretário-executivo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil fala sobre tema da Campanha da Fraternidade

Escrito por Angelica Lima

12 FEV 2024 - 04H00

Na próxima quarta-feira, 14 de fevereiro, quando tem início a Quaresma, a Igreja no Brasil lança a Campanha da Fraternidade 2024, que este ano tem como tema: “Fraternidade e Amizade Social” e lema “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8).,

Em entrevista à Rede Imaculada de Comunicação, o secretário-executivo de campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, padre Jean Poul Hansen, falou sobre o tema deste ano. Ele conversou com o jornalista Paulo Teixeira.

RI: Padre Jean Paul, a campanha da fraternidade é celebrada durante o tempo quaresmal, mas de forma nenhuma ela quer ofuscar, nem concorrer com a quaresma. Ela é um modo brasileiro de celebrar a este tempo? Como que é isso?

JP: Há 60 anos, a Campanha da Fraternidade se tornou uma iniciativa pastoral, evangelizadora e de conversão. Dom Joel, ex-secretário-geral da CNBB, disse exatamente isso. Ela é o modo brasileiro de viver a Quaresma. Ela dá o tom da Quaresma, e a Quaresma dá o tom da Campanha da Fraternidade. Nós precisamos compreendê-la, nesta perspectiva, como um projeto de conversão. E a campanha de 2024 deixa isso muito claro.

RI: Padre Jean Paul, nos impressiona muito nos Evangelhos, as curas de Jesus. Na nossa sociedade a gente tem um cuidado amplo com a saúde e o senhor escreveu que a Campanha da Fraternidade 2024 quer acompanhar nossa sociedade ao médico com base nos sintomas que apresentamos. Como que a gente pode fazer esse caminho bonito de acompanhar até o médico nossas famílias, comunidades, toda a nossa sociedade nesse sentido mais espiritual da campanha da fraternidade?

JP: Eu criei essa metáfora da consulta médica para tornar o texto base mais acessível pedagogicamente. E eu tenho apresentado exatamente assim nos regionais da CNBB, nas dioceses que eu tenho visitado. No primeiro capítulo do texto-base, nós temos o tradicional momento do ver. Seguimos o método pastoral da igreja no Brasil e na América Latina, ver, iluminar e agir. O momento do ver é precisamente este, de acompanhar a nossa sociedade ao médico, pois quando nós chegamos no médico, a primeira coisa que nós fazemos é a anamnese, é apresentar ao médico quais os sintomas que nós experimentamos, porque quando vamos ao médico não sabemos de qual doença padecemos. Nós vamos ao médico apresentar-lhe os sintomas, na esperança de que o médico, ao final da consulta, nos diga qual é a nossa doença e qual é o tratamento possível. É isso que o texto-base faz, ver, apresentar os sintomas, iluminar, buscar as nossas referências mais profundas que iluminem os sintomas e favoreçam o diagnóstico, e agir o tratamento que se propõe para esse diagnóstico. Os sintomas que nós padecemos são inúmeros. Nós vivemos numa sociedade doente, nós vivemos numa convivência enferma. Aumenta a violência, aumenta o ódio, aumenta a aporofobia, que é a aversão aos pobres, aumenta a indiferença, o sofrimento do outro, já não dói mais em mim. Nós tentamos transformar aqueles que são diferentes, e não são poucos, são todos, porque ninguém de nós é igual, nós transformamos o diferente, o divergente, o oponente, todos eles em inimigos. Porque quando nós transformamos alguém em inimigo, nós estamos nos dando a liberdade de eliminá-lo. Então transformamos o diferente em inimigo, transformamos o divergente, aquele que pensa diferente de nós, que reage diferente de nós, em inimigo. Os palmeirenses transformam em inimigos os Corinthians, os corintianos transformam em inimigos os palmeirenses. Eles podem e até devem ser oponentes, devem rivalizar-se para engraçar o espetáculo do esporte. Mas quando eles deixam de ser rivais e passam a ser inimigos, transforma-se o campo de futebol não num campo de espetáculo, mas num campo de guerra. Como nós temos visto muitas vezes.

RI: De fato, quando o senhor diz que há uma sociedade doente, com certeza isso nós não podemos descartar. E o diagnóstico, Padre Jean Paul, o que o senhor acha que está no centro dessa nossa enfermidade?

JP: Então, o texto-base da Campanha da Fraternidade, quer dizer, a reflexão que sustenta a Campanha da Fraternidade, nos diz que nós sofremos de um fenômeno chamado alterofobia. Está no número 76 do texto-base. Alterofobia. E nós colocamos até uma notinha lá embaixo dizendo que era um neologismo, que nós estávamos criando essa palavra para dizer desta doença da qual a nossa sociedade padece. Logo depois de publicado o texto base, nós encontramos três artigos científicos do campo da psicologia social, que já usam essa palavra, que já usam esse neologismo da alterofobia. O que é isso? O medo, a aversão e a rejeição a tudo que é outro, a tudo que é diferente de mim, a tudo que não é meu, a tudo que não reforça as minhas ideologias, a minha forma de pensar, a minha forma de agir. Tudo que é diferente de mim, eu transformo em inimigo e tenho o desejo, quando não, a ação para eliminá-lo.

RI: Padre, tem também uma questão que o Papa Francisco fala, a Campanha da Fraternidade fala, que é da autorreferencialidade, que nesse campo aí do medo, da aversão ao outro, faz com que a gente não conheça outras referências, outros pontos de vista. Isso também aumenta o problema?

JP: Com certeza. A causa principal da alterofobia é o hiperindividualismo. O que é o hiperindividualismo? São indivíduos cheios de si mesmos. São indivíduos que, de tanto estar cheios de si mesmos, se tornam autorreferenciais. São incapazes de fazer uma nota de rodapé citando o livro ou o artigo do outro, porque ele tem aversão ao outro. Então ele cita, eu estou fazendo uma metáfora, ele cita sempre a si mesmo. no meu artigo tal, no meu livro tal, na minha experiência tal, quando eu fiz isso, eu já disse isso, sempre eu sou a referência de mim mesmo. Isso é mais um sintoma de que eu estou cheio de mim mesmo e não cabe em mim nada que seja ou ninguém que seja outro.

RI: E padre, tem esperança? Como que a gente pode fazer para sair dessa situação dolorosa, sair desses sintomas que nos machucam tanto?

JP: Talvez a primeira coisa que a gente tenha que dizer é que a alterofobia é uma doença fatal. Ela leva à morte. E ela não leva à morte apenas o indivíduo, ela leva à morte toda uma sociedade e ela é capaz de ser letal para a humanidade. Se nós não nos cuidarmos, se nós não encararmos o tratamento, nós podemos decretar a morte da humanidade. Por causa da alterofobia, porque ela vai nos levar a mútua destruição. E ela está nos levando à destruição do ambiente vital do ser humano, que é a casa comum, que é o nosso planeta. Mas a boa notícia que vem em seguida é essa, tem tratamento. E ele é homeopático. doses diárias de um remédio muito antigo, conhecido já na Antiga Grécia, na Idade Média, mas recentemente relançado pelo Papa Francisco. Doses homeopáticas de amizade social. Amizade social é o remédio. E se você tem alguma dificuldade, não conhece esse remédio, não sabe qual a sua indicação, o Papa Francisco nos deu a bula do remédio, que é a “Fratelli Tutti”, a sua carta encíclica assinada em 3 de outubro de 2020 em Assis, junto ao túmulo de São Francisco de Assis. A “Fratelli Tutti” é como a bula desse remédio, que é o tratamento permanente, constante, que nós temos que encarar para livrar-nos da alterofobia.

RI: E padre, conta pra gente no que consiste a amizade social. No que consiste esse princípio ativo, essa bula que o Papa deu?

JP: O Papa Francisco diz na “Fratelli Tutti” que a amizade social é esta capacidade que nós temos de alargar os nossos círculos para além dos nossos interesses. Muitas vezes os nossos círculos de relação, de amizade, são círculos baseados no nosso interesse, baseado no meu bem pessoal. Eu tenho os amigos que eu preciso para estar bem. E o Papa diz, não sou eu o critério do meu círculo de relações. Eu tenho que ampliar o meu círculo de relações para construir o bem comum. Aliás, mais do que isso, o Papa diz o bem do todo, o bem de todos. Então, a amizade social é a capacidade que eu tenho de expandir para toda a sociedade o meu círculo de amizade. Eu posso não conhecer, eu posso até temer aquela pessoa que eu encontro quando o sinal fecha e ela vem em direção ao meu carro e eu fecho correndo o vidro, porque não a sinto e não a vejo como minha amiga. Pelo contrário, a vejo como uma ameaça. O que o Papa Francisco nos propõe é mudar esse olhar e olhar para todos como meus amigos. A campanha da fraternidade, ao escolher o lema, vós sois todos irmãos e irmãs, ela exige até um pouco mais de nós. Ela diz, não apenas amigos, nós somos todos irmãos e irmãs. Aquela pessoa, para quem eu olho como uma ameaça, ela não é uma ameaça, ou ela não é primeiramente uma ameaça. Ela pode ter se transformado numa ameaça social. Mas, antes de qualquer coisa, meu irmão é minha irmã.

RI: Chama a atenção, Padre, um trecho da “Fratelli Tutti”, que fala sobre o bom samaritano.

JP: O Papa Francisco gosta muito da imagem do bom samaritano, e o repropõe frequentemente. Mas na “Fratelli Tutti”, o bom samaritano, esse estranho no caminho, como ele chama, ele é a encarnação da amizade social. Por quê? Porque aquele homem caído à beira do caminho era um judeu, um judeu que ia a Jerusalém. O sacerdote de quem se esperava o socorro passou ao largo. O Levita, de quem se esperava o socorro, passou ao largo. Mas quem foi que socorreu o homem caído? De quem não se esperava o socorro, veio o socorro. E não só um socorro provisório ou imediato, mas aquele samaritano que socorre o judeu, e eram povos inimigos naquela época, ele cura as feridas com azeite, ele põe o enfermo no seu cavalo, ele leva à hospedaria, que eram os hospitais da época, ele deixa duas moedas para pagar as despesas e ele diz, se algo mais for preciso, quando eu voltar eu pagarei. Ou seja, ele socorre integralmente aquele homem caído à beira do caminho.

RI: Padre Jean-Paul, como devemos fazer para ter acesso aos conteúdos da Campanha da Fraternidade?

JP: As campanhas da CNBB têm um hotsite, e acessando esse hotsite, você vai ter acesso a todos os produtos e a todas as orientações da campanha da fraternidade: campanhas.cnbb.org.br. Lá você vai encontrar vídeos, spots, reportagens, todo o material produzido na perspectiva da comunicação da campanha. Para adquirir o texto base e os outros cerca de 20 subsídios desenvolvidos para a Campanha da Fraternidade, você pode se dirigir a uma livraria católica que lá deve ter material da Campanha da Fraternidade, que é a principal campanha da Igreja Católica no Brasil. E, se você não tem acesso a uma boa livraria católica, você pode acessar o site das edições CNBB. Lá você tem a aba Campanha da Fraternidade e você tem disponível todo o material produzido. Tem o texto base, tem CF na catequese, CF na escola, diversos subsídios, CF na universidade, jovens na CF, CF em família, círculos bíblicos, via sacra e via lutes, terço da amizade social, Adoração eucarística, celebração penitencial, muitos subsídios, cerca de 20, produzidos por todas as comissões pastorais da CNBD para fazer acontecer a campanha da fraternidade aí na sua comunidade.

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