Comportamento

Isolamento social muda rotina dos casais por conta do coronavírus

Adaptação é um dos desafios e Psicólogo alerta que é preciso cuidados com a saúde mental

Escrito por Núria Coelho

14 ABR 2020 - 17H15 (Atualizada em 21 MAR 2023 - 10H52)

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Confinados em casa, casais lutam contra dificuldades da convivência 24h


O coronavírus mudou a rotina de muitas famílias. Pais, mães e filhos, que antes tinham uma semana atarefada e se encontravam apenas no final do dia, tiveram que se adequar a uma nova – e breve – realidade, onde passaram a conviver juntos por vinte e quatro horas, se adaptando às novas formas de trabalho, estudo e relacionamento.

O psicólogo Carlos Florêncio explica que “o ser humano é uma espécie que vive coletivamente, é essencialmente um ser social e o confinamento já o coloca em uma situação desconfortante, principalmente quando é forçado a isso, porque vai conflitar com outra característica natural que é a liberdade de poder ir e vir. Em meio a esse cenário e tendo que dividir o mesmo território, quando alguma crítica ou julgamento é manifestado, a sensação de reprovação e desvalorização causa rejeição, ativa os conflitos mal resolvidos e traumas presos no inconsciente da pessoa.

O que pode ser interpretado como uma invasão, aciona um mecanismo natural de defesa do seu território, formado por sua verdade e valores. Instintivamente, frente a situação, é acionado uma espécie de gatilho que desperta a reatividade, libera adrenalina e torna a pessoa agressiva. Como consequência a perda de controle é passível de acontecer e o caos se instaura”.

Só que não é bem isso que está acontecendo com o casal Alan e Clara Biz. Juntos há 4 anos (casados há quase 3) e em confinamento há cerca de 30 dias, eles viram a rotina mudar e estão crescendo e amadurecendo com as mudanças.

Eles relatam que, antes tinham uma rotina bem diferente da atual. Ela por trabalhar em São Paulo, saia de casa muito cedo e voltava muito tarde, com isso, durante a semana, quase não se viam.

Hoje, “trancados” em casa, superam os obstáculos do confinamento e mostram o lado bom de tudo isso, que é desfrutar mais da companhia um do outro.

“Como estou fazendo Home Office acordo às 8h preparo o café da manhã e entro na minha rotina de trabalho. o Alan, que no momento está fora do mercado, prepara o almoço, cuida da roupa, lixo e dos nossos cachorros, Madalena e Charles. Que neste momento, tem sido a nossa maior e melhor distração.

Após almoçarmos juntos, voltamos as nossas atribuições. Eu ao trabalho e ele, aos estudos.

Sempre faço uma pausa rápida para um café da tarde, esticar as pernas e dar uma volta pela casa. Porque improvisar o escritório em casa, não é uma tarefa fácil.

Encerro o expediente às 17h, e a partir daí, passamos a desfrutar de momentos em família. Preparamos o jantar juntos e após, sempre inventamos algo novo, para ocupar a mente e o tempo. Cada dia uma coisa nova... Filmes, séries e diversos tipos de jogos. Às quintas a noite, nos reunimos com um grupo de oração por vídeo chamada.

Uma vez na semana, nos aventuramos na cozinha, fazendo uma sobremesa diferente, para adoçar os longos dias de confinamento.

Às sextas, sábados e domingos fazemos refeições com a cara do final de semana: hamburguer, cachorro quente, pizza, pastel... Ouvimos músicas, falamos com os amigos e com a família por vídeo chamada. Também aproveitamos esses dias para dar uma geral na casa.

Ao longo da semana, vamos anotando o que precisa ser comprado no mercado. Quando já temos uma quantidade significativa de itens, vamos ao mercado. Demos preferência ao mercado do nosso bairro, evitando as grandes redes e valorizando os pequenos empreendedores.

Quando chegamos, deixamos os cachorros extravasarem a energia acumulada correndo pelo condomínio. Mas antes de entrar, procedimento necessário: limpamos as patas deles, deixamos nossos sapatos do lado de fora, lavamos as mãos, tomamos banho, colocamos as roupas para lavar e higienizamos as compras.

E assim, voltamos a nossa rotina de confinamento novamente... Trabalho, comidas, jogos, limpeza, organização, filmes e muita fé, que tudo isso passará logo!”

O psicólogo Carlos Florêncio dá um conselho: "Adaptar-se é primordial. O sofrimento dura até aceitar, quando se aceita acabou o peso. Uma das características naturais nos seres humanos é o poder se adaptar as situações e a natureza nos presenteou com essa habilidade. Lutar contra algo natural que é o se envolver, fluir para receber, perceber o que se precisa acrescentar, liberar e inovar permite criar relações. Desenvolver empatia é estar em simpatia e harmonia com as diferenças, permitir receber para conhecer e desenvolver, criar afinidades. Portanto, é perda de tempo não aceitar e a escolha é sempre da própria pessoa, e seja feita a sua vontade. A única forma saudável para novos acontecimentos ou qualquer nova experiência é estar receptivo para esse novo. O teimoso sofre e precisa deixar de ser rígido, começar a soltar, ser flexível".

Outro casal que viu a vida virar de cabeça para baixo foi Viviane e Marcio. Casados há quase 6 anos, eles não deixaram a peteca cair. Ainda! Ela trabalha com venda direta, uma rotina de campo e parte do tempo, trabalha em casa. Ele é de vendas técnicas, sempre no escritório ou em visitas.

A rotina deles também mudou, como explica Viviane: “Nossa rotina antes do isolamento social era muito comum. Levantamos mais ou menos no mesmo horário, ele vai para a empresa, eu levo minhas filhas para a escola, se tenho visitas ou preciso dar algum treinamento vou para a rua, se não volto para casa e trabalho daqui. Á noite, jantamos juntos, temos uma vida bem tranquila com relação a nossa rotina que é deliciosa.

Agora, há quase um mês as, estamos o tempo todo juntos, o que mais nos incomoda é o fato de saber que não podemos sair, que isso pode custar a nossa vida e de mais pessoas. O que nos incomoda é não estarmos em casa porque querermos, mas porque precisamos. Eu continuo minha rotina de trabalho (agora somente em casa, sem campo), ele está de antecipação de férias coletivas e as meninas estão com aulas on line (bem às vezes).

Aproveitamos para fazer coisas que não dava tempo (terminar uma série do Netflix, cozinhar algo diferente, fazer aquela determinada faxina, consertar algo). Apesar de estarmos juntos o tempo todo, ainda não brigamos (ainda, porque pode ser que a qualquer momento aconteça, somos seres humanos e enclausurados), temos mantido nossa relação bem próxima e saudável. Acredito que compartilharmos da mesma fé e termos a certeza de que tudo é para um bem maior, nos faz menos ansiosos e mais atentos às mudanças que queremos em nós mesmos”.

Para o psicólogo Carlos Florêncio, “o que importa é a interação com a realidade que nos cerca. Todos são importantes, toda pessoa precisa sentir que tem valor. A união só é possível quando o envolvimento não encontra resistência e neste instante estabelece-se integração. O casamento acontece naturalmente, não é um objetivo. Saber casar as diferenças, envolver nas similaridades e compartilhar nas afinidades, permite que se forme o chamado família. Fora isso é um monte de gente próximas tentando aprender o obvio que é saber se aturar.

Este é um momento de união e integração, de exercer os devidos papéis de pai e mãe, saber dar segurança e transmitir confiança para os filhos. Explicar a situação, saber ensinar e instruir. Muitos pais resumem o seu diálogo com os filhos a um monólogo sem explicação, apenas sabem dizer não, não pode, é assim. A criança precisa saber os motivos das restrições para que não crie trauma”.

Acompanhe agora dicas importantes sobre “Casais x Isolamento Social”, na entrevista com o psicólogo Carlos Florêncio:

1- Como lidar com o confinamento a dois em época de coronavírus.

A quarentena tem sido um teste para muitos relacionamentos. Tem casais brigando por bobagem e outros até falando em divórcio e especialistas mostrando o caminho para a conciliação nesse período.

O teste só existe quando a pessoa é posta à prova. A quarentena não surgiu para testar ninguém, mas está a servir para que as pessoas consigam enfrentar a realidade daquilo que não saber suportar e que as incomodo. Não é o outro que perturba, é sempre a pessoa que permite ficar perturbada com o outro.

No momento em que a relação é questionada, já se está no caminho da separação, por isso se não for essa a intensão, deixe de questionar se deve ou não deve ficar, se é bom ou não é bom, nem tão pouco considere ter errado na escolha ou de ter sido enganado pela pessoa que parecia ser outra no início. De fato, a pessoa no início era aceita e não questionada, no momento que se quer mudar o outro, deixa-se de amar e passa-se a rejeitar. A única decisão é se quer ou não quer amar e esse sentimento só é possível quando aceita o outro exatamente como ele é, porque quando o quer diferente, deixou de relacionar com ele, passou a querer relaciona-se com uma ideia do que se deseja ter. Desvaloriza o que tem, valoriza a ilusão, faz entrar em conflito com a realidade e isso é o que se chama de inferno. Como resultado surge a ingratidão e a pessoa torna-se incapaz de saber receber o que resulta em solidão. Mesmo quando se está supostamente casado, acompanhado, pode-se sofrer do que nomeie de solidão acompanhada, por não saber ver, sentir e perceber o outro, além de si mesmo.

Resgatar a admiração, respeito, a leveza do sorriso de prazer, alegria e retomar o brilho nos olhos pela pessoa amada, faz desvanecer todo o mal. Lembre-se todo mundo gosto de ser amado, aceito e respeitado, se perdeu isso, não está a ter uma relação de amor, criou outras conexões e de acordo com as escolhas feitas, a realidade apenas se molda as verdades do que se permite manifestar. Tudo que se nutre cresce e pode tomar corpo, por isso, pergunte-se a si mesmo o que você quer? Viver em harmonia e equilíbrio ou no peso da sua dificuldade e teimosia em saber aceitar? Aceitar não requer esforço, rejeitar sim, porque separa a pessoa do meio onde manifesta e vive.

2- A rotina mudou, a vida mudou. Como conciliar esta nova rotina sem entrar em conflitos?

Adaptar-se é primordial. O sofrimento dura até aceitar, quando se aceita acabou o peso. Uma das características naturais nos seres humanos é o poder se adaptar as situações e a natureza nos presenteou com essa habilidade. Lutar contra algo natural que é o se envolver, fluir para receber, perceber o que se precisa acrescentar, liberar e inovar permite criar relações. Desenvolver empatia é estar em simpatia e harmonia com as diferenças, permitir receber para conhecer e desenvolver, criar afinidades. Portanto, é perda de tempo não aceitar e a escolha é sempre da própria pessoa, e seja feita a sua vontade. A única forma saudável para novos acontecimentos ou qualquer nova experiência é estar receptivo para esse novo. O teimoso sofre e precisa deixar de ser rígido, começar a soltar, ser flexível.

3- Para casais com filhos, o que fazer neste período de confinamento? E os casais sem filhos?

A interação com a realidade que nos cerca significa que estamos abertos e receptivos para ela. Todos são importantes, toda pessoa precisa sentir que tem valor. A interação, permite estabelecer relação com o real e com o que existe. A união só é possível quando o envolvimento não encontra resistência e neste instante estabelece-se integração. O casamento acontece naturalmente, não é um objetivo. Saber casar as diferenças, envolver nas similaridades e compartilhar nas afinidades, permite que se forme o chamado família. Fora isso é um monte de gente próximas tentando aprender o obvio que é saber se aturar.

Este é um momento de união e integração, de exercer os devidos papéis de pai e mãe, saber dar segurança e transmitir confiança para os filhos. Explicar a situação, saber ensinar e instruir. Muitos pais resumem o seu diálogo com os filhos a um monólogo sem explicação, apenas sabem dizer não, não pode, é assim. A criança precisa saber os motivos das restrições para que não crie trauma. Ou seja, ruptura do seu movimento natural de liberdade e expansão. Existem muitos pais despreparados que já trazem uma bagagem retrograda de seus próprios pais, também despreparados. Não replique o que aprendeu, o momento é de transformação e evolução para novas formas de interação. Portanto, os modelos antigos, ultrapassados, repressivos, restritivos, sem compreensão, entendimento da relação com o outro, paternalistas e matriarcais, já não faz mais parte da nova era, a qual vem nos mostrar outra perspectiva, com certeza trazer algo novo. Precisamos inovar, renovar e o momento é este de começar a aflorar novas referências, após o caos das relações revelada por esse agente que surgiu silenciosamente e que em pouco tempo mostrou para o ser humano que ele não é o “todo poderoso”, abalar todas as referências de segurança ligadas ao ter e mostrou o quanto solitários, superficiais, nada amorosos as relações estavam. Parece que o grande mal do coronavírus, veio educar a sociedade pela catarse do processo que se instaurou no momento.

4- O tempo de relacionamento influencia? Um casal casado há 20 anos, por exemplo, é mais resistente aos conflitos que um casal que está junto há três anos? O que muda? O que diferencia?

O tempo é algo relativo, mas eu digo que no começo a pessoa está sem questionamento, depois começa a questionar a relação, querer que a pessoa seja o que ela pensava ser no início, depois começa a cobrar que seja, no próximo estágio fica com raiva ao percebe não estar conseguindo e quando constata que não vai ser mesmo possível e de forma alguma, fica com raiva. Esse é o processo de quem não sabe se relacionar com o outro, apenas consigo mesmo. Não existe amor ideal, porque isso é uma ideia, existe quem se ama e aceita. Não é o tempo que define isso, mas a qualidade da alma e da sua evolução. As pessoas precisam entender o significado das palavras, sentir o que elas expressam e praticar a risca o que é proposto, sendo assim, casar é o ato de acasalar, unir, integrar, só possível pela aceitação, que permite o envolvimento para estabelecer relação. Na relação percebe-se diferenças, similaridades e afinidades. Nas diferenças não se pode demostrar repulsa, temos que respeitar e saber lidar de forma harmônica. Ao rejeitar ou criar o conflito a pessoa está denunciando a sua ignorância, está ignorando o outro e restringindo a sua capacidade de amar, presa ao que suporta e permite de acordo com o que instituiu que é correto. O momento é de ampliar além de si mesmo ou vai ficar no confinamento da solidão mesmo que esteja de volta ao convívio social.

5- O que o casal deve fazer para o relacionamento não cair na rotina?

Criatividade, sair do normal, comum, repetitivo. Saber inovar criar lazer diferente, ampliar os horizontes juntos, desbravar a vida e usufruir do que a sociedade tem para oferecer, sua cultura e acontecimentos que agreguem e não apenas hipnotizarem-se com coisas fúteis e banalidades de certos programas de passo tempo que destroem o próprio tempo e nada acrescentam. Toda relação precisa de criatividade, é essa força que mantem o fogo ardente da paixão e do encantamento do amor que conduz para uma sintonia espiritual e sublime. Nada se aprende na mesmice. Precisa inovar e deixar de ser limitado.

6- Como respeitar o limite um do outro com todos dentro da mesma casa 24h?

Precisa saber que embora tenha envolvimento emocional isso não significa que pode invadir o outro a hora que quer, precisa ter educação, respeito, perguntar se pode, tratar com muita leveza. O problema de certas pessoas que convivem é que se tornam mal-educadas, invasoras, inconvenientes e nada diplomáticas. Morar junto e sob o mesmo teto, não significa que o outro é uma extensão de você mesmo.

Mesmo que seja filho ou cônjuge, precisa dizer, por favor, obrigado, você se importa, o que você deseja e quer? Com licença, com a sua licença! Obrigado. Pessoas amigáveis sempre atrairão sorrisos e boa energia. Uma pessoa mal educado não tem como educar ser filhos, lembre-se que o modelo antigo de reprimir e impor como o “grande chefão” opressor, tem que ser do meu jeito e basta! é ser mal educado e ridículo. Demonstra ser mal amado e nada espiritualmente evoluído. Ninguém gosta de ser tratado como se não existisse e que a vontade do outro sempre deve prevalecer e é a melhor. Toda pessoa que impõe, denuncia ter complexo de inferioridade e age sem noção da relação com o seu meio. O dominador, o autoritário, o centralizador, o azedo, o arrogante e grosseiro no trato com os outros sofre de solidão crônica. Seja afável e simpático. Porém, lembre-se que tentar agradar quem é desagradável, é perda de tempo, emane amor, porque toda pessoa azeda e ácida é mal amada e não teve a oportunidade de aprender o que é o amor.

Não leve para o lado pessoal as observações dos outros, por ser essa limitada ao conhecimento e ao que permite aceitar. A impressão dos outros servem para você perceber como ele percebe o seu mudo, ter empatia depende dessa postura.

Ninguém é dono da verdade absoluta, cada um tem a sua própria verdade e cada uma está certa para a pessoa. Não imponha a sua verdade, porque essa imposição vai igualmente te levar para a solidão. Não intimide, diminua e faça o outro se sentir mal com aquilo que ele é, porque neste instante você demonstrou que é uma influência negativa, é um mal desnecessário para a vida do outro. Enquanto precisar diminuir o outro e o difamar para se sentir superior a ele, apenas está demonstrando o quão pequeno e sem amor você é. Ame se for capaz ao permitir aceitar. Só assim encontrará o amor além de si mesmo.

7- Quais as dicas/sugestões para um "bom" confinamento entre casais?

Não sentir que está confinado, porque gera a sensação de sufoco. O amor é ar, é vida, quando a relação começa a ser sufocante, deixa de ser amorosa, porque está tirando o ar da vida e em um processo destrutivo. A alma é livre, no nosso imaginário podemos ir longe e, nas nossas inspirações conjuntas e criativamente empregues, não encontramos barreiras. Saber sonhar, brincas, curtir, saborear, desfrutar com o foco na leveza e no bem-estar, sempre serão atitudes de quem é do bem, está no bem e vive os frutos desse mesmo bem.

Fonte: Assessoria Márcia Stival

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