Por Paulo Teixeira Em Reportagem

Holocausto

O sofrimento e a crueldade humana

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O mundo atualmente vive como que “uma terceira guerra mundial aos pedaços”, segundo o Papa Francisco. Para superar essa série de conflitos que geram morte, refugiados e deslocados, precisamos olhar para a dureza das duas grandes guerras do século passado. A Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, que matou mais de 15 milhões de pessoas, teve suas batalhas abreviadas por um adversário que deixou entre 30 e 40 milhões de mortos no mundo, a pandemia da Gripe Espanhola. Poucas décadas depois, entre 1939 e 1945, boa parte do mundo se levantou novamente em guerra num conflito que deixou mais de 80 milhões de mortos.

Além dos conflitos por interesses, os regimes totalitários promoveram extermínios sistemáticos. Foi criada a palavra genocídio para explicar o empenho em extinguir um povo ou grupo social e religioso. Outra palavra que é utilizada para expressar a tragédia é Holocausto, que em grego significa sacrifício. Os judeus utilizam o termo Shoah que quer dizer destruição, ruína e catástrofe. Para o historiador Glauco Ricciele Prado Lemes da Cruz Ribeiro, “foi uma grande ruptura na história em relação à dignidade humana e à liberdade. Foi quebrado um grande pacto realizado nas gerações passadas em relação à vida humana”. Antes e durante a Segunda Guerra Mundial, regimes fascistas e nazistas promoveram a perseguição a grupos minoritários.

A senadora italiana Liliana Segre tinha 8 anos em 1938 e foi informada pelo pai que não poderia mais frequentar a escola: “Por quê? Que mal eu fiz? Perguntei e me sentia culpada de uma culpa que eu desconhecia”, relatou Liliana a Emanuela Zuccalà no livro “Sobreviveu a Auschwitz”, publicado por Editora Paulinas. A menina não poderia frequentar a escola porque “estava proibida admissão de alunos da raça judaica”, segundo um decreto do governo da Itália. O país segregava, assim, os mais de 40 mil judeus que viviam na península desde os tempos do Império Romano.

O historiador Glauco Ribeiro revela que paralelo as essas leis raciais havia o intuito de expulsar os judeus da Europa e levá-los para a ilha de Madagascar, na África. Diante dos elevados custos, resolveram construir Campos de Concentração, que também serviam para o extermínio de judeus, na Alemanha e na Polônia, sendo o maior deles Auschwitz. Esse período foi “uma grande marca negativa na sociedade. Foi um descontrole total que o ser humano teve sobre o domínio do outro. O nazifacismo demonstrou a pior face do ser humano”, afirma Glauco que também é Diretor de Fomento e Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de Mogi das Cruzes - SP.

Estimava-se 20 milhões de mortos nos campos de concentração; Adolf Eichmann, chefe da Seção de Assuntos Judeus no Departamento de Segurança de Hitler, confessou ter enviado 10 milhões; pesquisadores atuais creem que as vítimas sejam entre 8 e 9 milhões. Mas o fato é que havia “fábricas da morte” às quais foram destinados judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, padres, prisioneiros políticos e soviéticos, deficientes físicos e mentais, buscados em toda a Europa.

Liliana Segre conheceu o horror do Campo de Concentração, após anos escondida em um sítio e depois de uma tentativa de fuga para a Suíça. Ela e o pai foram presos e levados para Auschwitz com mais de sete mil judeus italianos. Apenas 363 retornaram, o pai de Liliana, não. “Auschwitz: nome desconhecido, cidadezinha da Polônia, não longe de Cracóvia, que não tinha nada de especial para ser recordada e que, depois, se transformou no maior cemitério do mundo”, recorda Segre com 13 anos à época.

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Rafael Brito confirma que “o Campo de Concentração é um cemitério. Você entra e vê todo o espetáculo do horror”. “Ali percebi que os homens, longe de Deus, são capazes de se tornar pior que os demônios. Mas o que me chamou atenção no meio de tudo aquilo é que há esperança. Lá tem a cela de São Maximiliano, que é um sinal de esperança”, conta Rafael que é missionário do Movimento Aliança de Misericórdia e viveu na Polônia, recentemente.

Mariangela Colari pertence ao Instituto Missionárias da Imaculada-Padre Kolbe e vive em Harmęże, na Polônia, onde desenvolve sua missão no Centro São Maximiliano, um lugar que acolhe peregrinos para visitas ao Campo de Concentração e para “uma leitura interior do que o Holocausto suscita em nós, hoje”, explica. Segundo Mariangela: “Auschwitz é o maior cemitério do mundo, mas sem nenhuma tumba. Atualmente não é só um museu nacional ou um memorial, o nome mais apropriado é lugar da memória”.

Neste ano, celebra-se os 80 anos do martírio de São Maximiliano Kolbe. Ocasião para “recordar a herança que nos deixou. Para nossa sociedade marcada pela competição, pelo consumismo e pelo sucesso a qualquer custo, Kolbe nos recorda a lição de Jesus ‘Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos’ (Jo 15,13)”, destaca a missionária.

Nas páginas 20 e 21 da revista O Mílite tem um perfil biográfico de São Maximiliano Kolbe que detalha, inclusive, a prisão e morte. Para Rafael, “São Maximiliano se configurou a Cristo. Jesus se colocou na fila dos pecadores e se entregou a todos nós; e Kolbe também se colocou na fila da morte. Foi como se dissesse: ‘Deixa esse daqui voltar para casa da família dele. Eu vou voltar para minha casa’. São Maximiliano foi para a casa de Nossa Senhora passando pelo martírio”.

São Maximiliano viveu gesto de caridade ao morrer no lugar de um pai de família. Para Glauco Ribeiro, “quando ele vai no lugar do outro para aquele calabouço, aquele porão, ele transforma isso num momento de santidade. O momento pré-morte é destinado a orações e a levar conforto por meio da fé. Doar a vida pelo próximo como sacerdote e como ser humano é o grande legado de Kolbe”.




Rafael, em suas atividades missionárias na Polônia, conheceu um familiar de Franciszek Gajowniczek, o homem salvo por São Maximiliano. “Em um encontro, me apresentaram um rapaz chamado Mareck, bisneto do prisioneiro Franciszek, ele me disse emocionado: ‘A gente só está aqui hoje porque um padre teve a coragem de morrer no lugar de um dos nossos antepassados’”. Frei Kolbe tinha 47 anos e Franciszek, que era sargento polonês, tinha 41. Após ser libertado, o ex-prisioneiro percorreu o mundo falando do gesto heroico de Kolbe.

Muitas pessoas conhecidas passaram pelo Campo de Concentração de Auschwitz, como o poeta Primo Levi, a religiosa Edith Stein, a militante Olga Benário, a jovem Etty Hillesum e a menina Anne Frank. Liliana Segre passou um ano em Auschwitz trabalhando como escrava em uma fábrica de munição. Ela conta que, certa vez, um comandante deixou que a pistola caísse perto de seus pés: “Pensei que disparar contra ele seria a ação justa, um final merecido para aquela história da qual eu fora protagonista e testemunha. Havia ódio dentro de mim e a violência sofrida me invadia o corpo. Esse foi um instante definitivo na minha vida, que me fez compreender que eu nunca, por nenhum motivo no mundo, teria sido capaz de matar. Eu sempre escolhi a vida”.

Glauco Ribeiro destaca que “a principal lição do Holocausto é termos hoje uma visão de respeito ao outro, às culturas e às diferenças. Precisamos ter uma noção do quanto a humanidade perdeu e precisa reconstruir a sua noção de dignidade humana”. São Maximiliano Kolbe, mesmo prisioneiro, soube ser livre para doar a vida e valorizar a vida do outro. Para Rafael Brito, “quando dou meu tempo, um abraço ou um consolo, estou dando algo de mim. Podemos imitar Jesus, os mártires e São Maximiliano dando um pouco de nós aos que necessitam”.



Certamente Kolbe não foi indiferente ao sofrimento daquele pai de família e ao sofrimento humano no campo de extermínio. Para Liliana Segre, antes de chegar ao Campo de Concentração houve grande sofrimento por causa da indiferença: “Era mais violenta do que qualquer violência porque, misteriosa, ambígua, nunca era declarada”.

“Cabe a nós orar pedir a Deus por nosso mundo. Há, atualmente, os refugiados que estão em espécies de campo de concentração em alguns países. Que a história de Kolbe nos ajude a ter maior diálogo e respeito pelos povos que buscam paz e um lugar para viver”, conclui Glauco Ribeiro. De fato, é importante conhecer para não esquecer. “Os jovens precisam conhecer essas coisas, não para falar mal do passado, mas porque os jovens são os protagonistas do futuro”, lembra Mariangela Colari. Para ela, “existem muito outros campos com nomes e ideologias diferentes, onde a humanidade é pisoteada”.

Escrito por
Paulo Teixeira
Paulo Teixeira

Jornalista formado na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação (FAPCOM), atua como editor responsável das revistas O Mílite e Jovem Mílite há mais de quatro anos. É autor do livro "A comunicação na América Latina".

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