Por Ana Cristina Ribeiro, Núria Coelho e Paulo Teixeira
“Meu filho foi vítima de violência na escola. Tudo começou quando eu estava chegando em casa e um coleguinha dele veio até mim para dizer que tinha uns meninos querendo bater no meu filho. No mesmo momento fui até a escola para saber o que estava acontecendo e para a minha surpresa quando cheguei lá vi meu filho sendo ameaçado por várias crianças da sala de aula”, relata Verônica Leoncio da Cunha, mãe de Lucas Gabriel, de 11 anos, portador de necessidades especiais. A história da Verônica e do filho é mais uma entre milhares de outras histórias de mães que lutam pela igualdade e também pela inclusão de seus filhos. Infelizmente, para o adolescente Lucas, a escola não tem sido um ambiente acolhedor. Desde o início do ano ele, que sofre de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), é vítima de bullying e violência física por parte dos demais alunos da sua turma. A mãe de Lucas conta que o diálogo com a escola foi difícil e que não conseguiram resolver o problema.
Ela precisou levar a situação para a secretaria de educação do município. Verônica precisou acompanhar as aulas com o filho em sala para conseguir tranquilizá-lo e ajudá-lo nas atividades. A experiência fez ela ver o quanto a realidade da sala de aula está preocupante: “Muita gíria, muitos palavrões, muitas agressões e xingamentos. Uma falta de respeito e falta de interesse.” Mesmo com os esforços de diálogo e a união entre os pais, não foi possível resolver a questão da violência e foi necessário transferir Lucas para outra escola.
Inúmeras pesquisas apontam alta incidência de casos de agressão nas escolas brasileiras. Semanalmente, 10% das escolas registram episódios de intimidação ou abuso verbal contra educadores; O bullying e a agressividade são os maiores motivos que causam a violência. Estudos de 2017 da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) informam que 12,5% dos professores disseram ser vítimas de agressões verbais ou intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana. Os ataques e ameaças que assustaram o Brasil e fizeram vítimas nos primeiros meses desse ano, são um alerta para que políticas públicas possam ser viabilizadas em prol da segurança nas escolas. Segundo especialistas, entre muitos fatores, os principais que levam o Brasil a este patamar são a falta de domínio e de autoridade dos pais com os filhos.
A jornalista e educadora Daniela Soares Ortolan acredita que os motivos da violência são diversos, porém a falta de controle e ausência familiar são os principais: “Essa ausência não é por não ter pai, mãe ou qualquer outro responsável para assistir a criança ou adolescente, é por pura negligência ou delegação de responsabilidade para a escola. Parece que não sabem ou fingem não saber quais são as atribuições de cada pilar educacional, muitas vezes por despreparo, ignorância ou total falta de tato para com seus entes. Infelizmente, vivemos uma época em que a escola e seus profissionais são obrigados a serem psicólogos, mães, pais, assistentes sociais e muitas outras demandas que fogem de suas alçadas, menos educadores e formadores de opinião crítica”.
Alguns pesquisadores indicam que a relação dos pais com seus filhos precisa ser reformulada. A diretora pedagógica do Colégio Franciscano Seibo de Mogi das Cruzes - SP, Rosangêla Akemi Ujissato dos Santos, também aponta esse como um caminho de mudança: “Acredito que não seja só reflexo de problemas da sociedade, mas que seja falta de estrutura familiar, inversão de valores, falta de comprometimento das famílias junto aos filhos, falta de limites. Pais precisam ter e ser autoridade dentro de sua família. Ter presença de qualidade com seus filhos. Ter momentos de conversa e de escuta. Pouco se escuta, pouco se dialoga, quase não se tem uma comunicação dentro de casa”. O Colégio Franciscano Seibo, que atua há mais 50 anos na área educacional, prioriza a pedagogia afetiva que valoriza a relação educativa entre professor e aluno. Rosângela enfatiza que o diálogo e a escuta, seja na escola ou em casa, sempre serão as melhores opções para combater a violência: “O diálogo é a base. É fundamental para combater qualquer situação de violência. A escuta ativa é algo que deve acontecer não somente no ambiente escolar, como também em casa.” Para ajudar os alunos a externar a ansiedade o colégio realiza atividades extracurriculares para promover a integração, mas também determinaram algumas regras para que a socialização seja efetiva: “Nós estabelecemos a proibição do uso do celular, estimulamos jogos em grupo e com isso agregamos atividades para integrar os alunos, e também promovemos eventos em família e neles trabalhamos a empatia e a importância de ter momento com a família”.
A família é parte de um todo da sociedade que contribui, precisamente, com a formação da personalidade das crianças e dos adolescentes. Nesse sentido, a violência no contexto familiar é também reflexo que levam os adolescentes a serem agressivos. Os problemas da sociedade também podem contribuir com isso. Para Daniela é uma questão que precisa de mais diálogo: “Infelizmente temos responsáveis que não entendem a linguagem da internet, afinal, o advento da conectividade veio antes da alfabetização no tempo certo, e crianças e adolescentes sem nenhuma monitoria ou acompanhamento necessário estão conectados, sem sequer a mínima monitoria ou acompanhamento. Isto é, internet e os seus algozes são uma grande fábrica de agressividade. E onde está a escola em tudo isso? Em nenhum lugar! Por mais que possamos fazer projetos de conscientização, não faz parte da nossa principal alçada, que é ensinar as disciplinas básicas”, enfatiza.
Outro fator que pode piorar a situação da violência e também trazer pânico a todos, são as fake news. O alto poder de disseminação de notícias falsas se tornou uma grande preocupação para a sociedade. Um estudo do Instituto de tecnologia de Massachusett (MIT), nos Estados Unidos, revelou que uma informação falsa tem 70% mais chances de ser espalhada comparada a uma notícia verdadeira. Os prejuízos que uma informação falsa traz para acontecimentos como esses são enormes e sobre isso Daniela salienta: “Nem existe medida para o caos e para a consequência de uma notícia falsa! Não é por pouco que saí da comunicação e fui para a área educacional: sempre quis mudar o sistema! Quando vi a minha escola cair em notícias falsas, entrei em desespero, por mais que eu tenha conhecimento no assunto e sabia que todo o Brasil passava pela mesma desinformação. Porém, por conhecer meu público, procurei disseminar o que deveria ser da alçada de todos: a responsabilidade sobre as notícias falsas. Todavia, sou eu, Daniela, nada influencer digital, professora, vice- -diretora, apenas uma cidadã atenta e totalmente engajada no processo de derrotar as notícias falsas”.
Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília e da Universidade de Mogi das Cruzes, membro da Academia Brasileira de Ciências, destaca que “é importante considerar que a paz não é apenas a ausência de guerras, é também garantir que todas as pessoas tenham moradia digna, alimentos, roupas, educação de qualidade, acesso à cultura e lazer, assistência à saúde, amor, solidariedade e compreensão. Paz é cuidar do ambiente, garantir a qualidade da água, o saneamento básico, a despoluição do ar, o bom aproveitamento da terra. Paz é buscar serenidade dentro da gente e dos outros, para vivermos com alegrias e felicidade”. Infelizmente a violência, nas suas diferentes formas, ocorre na intimidade dos lares, nas ruas e em todas as camadas sociais. Segundo Isacc, “em primeiro lugar, o ambiente escolar deve ser acolhedor. Na primeira infância (zero a seis anos) a escola deve ter semelhança a um parque de diversões. As brincadeiras e os instrumentos lúdicos, devem encantar a criança. A medida que a construção da personalidade da criança vai se moldando, o corpo docente das escolas, tem um papel fundamental no estímulo ao diálogo construtivo nas relações entre os estudantes e entre os estudantes e professores”. O Professor Isacc reforça que a sociedade pode contribuir com a cultura de paz, mas para que isso aconteça é preciso que a paz comece em nós: “Para que a paz possa se tornar algo viável, palpável e possível de ser conquistada é necessário começar a pensá-la como construção individual. Quando cada indivíduo perceber que o coletivo é fruto do individual, que sociedade pacífica se constrói com indivíduos pacíficos, tolerantes, desprovidos de preconceitos e atitudes discriminatórias, poderemos pensar na paz universal com mais esperança”, finaliza.
Fonte: O Mílite
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