Por Ana Cristina Ribeiro, Núria Coelho e Paulo Teixeira
A Campanha da Fraternidade (CF) surgiu na década de 1960, no Rio Grande do Norte, com o intuito de promover a reflexão e ações concretas para os fiéis no período da Quaresma. Posteriormente, adquiriu âmbito nacional com temas relevantes para a Igreja e a sociedade. Desde o ano 2000, a cada cinco anos, é celebrada de forma ecumênica com outras Igrejas cristãs.
Neste ano, o tema da CF conta com a iluminação bíblica de Efésios 2,14. Um convite para superar as divisões em favor da unidade. “Devemos, como cristãos, construir pontes ao invés de muros”, explica o Padre Patrick Batista, secretário executivo para Campanhas da CNBB.
No atual contexto da sociedade brasileira, é relevante o tema desta edição da CF para ajudar a superar barreiras e polarizações, para promover iniciativas de paz e solidariedade. Para o Padre Patrick, “o maior desafio da CF é fazer uma pausa e compreender a presença do outro. Às vezes deixamos de lado o contato com as pessoas e esquecemos que Deus se encarnou em Jesus Cristo para se fazer próximo de todos nós”.
Nesse sentido, Padre José Bizon, da Pastoral do Ecumenismo e Diálogo Interreligioso da Arquidiocese de São Paulo, afirma que “o diálogo é um caminho cujos passos são firmados no respeito e na compreensão. É uma conversa entre partes: falar, ouvir, perguntar, responder, compreender e ser compreendido. Assim, seremos construtores de pontes, mesmo que a partir das dificuldades, ao invés de construir muros”.
A professora Mônica Venturini realiza sua pesquisa de mestrado na UNICAMP, em São Paulo, na área de linguística. Conhecedora das línguas clássicas, explica a origem da palavra diálogo. “Vem do grego e é composta de duas partes. A partícula ‘dia’ quer dizer: vem de, através de, por causa de; e a partícula ‘logo’ tem um significado complexo, mas indica palavra, razão ou conhecimento.
Dessa forma, diálogo tem o sentido de conversa, mas é uma troca de conhecimentos e ideias por meio da palavra”. De fato, mais do que trocar palavras, pela conversa é possível abrir um caminho para fortalecimento de ambas as partes que se dispõem uma à outra. “Diferente do debate que tem vencedores e vencidos, o diálogo enriquece a todos que percebem as formas como os outros vivem e observam o mundo”, explica Padre Patrick.
Mônica complementa que “essa interlocução nos permite, por meio da palavra, observar o mundo com os olhos do outro”. Dom Joel Portella Amado, Secretário-geral da CNBB, lembra que “nem sempre é fácil dialogar, mas é preciso abrir mão de algumas coisas, não do essencial, mas de coisas que são periféricas e que muita gente que considera como essencial”. Parece que o tema da Campanha da Fraternidade não é sobre falar, mas, sobretudo, um chamado para enxergar e ouvir os outros. Olhar o outro é um desafio para uma sociedade com grandes rivalidades.
Padre José Bizon nos dá uma pista do que pode estar prejudicando a comunicação franca entre as comunidades cristãs: “às vezes, a gente deixa de anunciar Jesus Cristo e começa a discutir e apresentar mais a sua própria denominação, grupo ou movimento. Aí é que está a dificuldade da interação. Às vezes esquecemos o fundamento que é Jesus e anunciamos aquilo que nos convém”.
Jesus nos evangelhos conta histórias, cumpre gestos de solidariedade e, também, tem profundas conversas. Como por exemplo com a mulher samaritana (Jo 4,4-26), com Nicodemos (Jo 3,1-12) e Pedro (Jo 21,13-19). Os cristãos, a exemplo de Jesus, precisam “refletir e dar passos em direção a bons processos dialogais. Na família a falta de encontro causa grandes sofrimentos e precisamos também dialogar nas periferias existenciais”, diz Padre Patrick.
Dom Joel Portella recorda como exemplo as feridas por discussões políticas que são inadmissíveis e precisam ser sanadas pela compreensão mútua: “Quantas famílias por causa de processos políticos e eleitorais foram divididas? Há poucos dias alguém dizia para mim que não conseguia ainda voltar para a sua comunidade de fé porque entraram numa contenda durante o período eleitoral. Tiveram uma discussão tão forte que acabaram cheios de mágoas e ressentimentos. Isso não é possível! Não pode acontecer”, conta o bispo. Ao invés de discussões e manutenção de conflitos, é necessário um diálogo de qualidade.
Para isso Mônica salienta que é importante desenvolver a escuta ativa, ou seja, “não apenas ouvir a pessoa falar já na angústia de dizer o que a gente quer dizer, de falar logo em cima, mas precisamos ouvir com calma e atenção como uma possibilidade de estar no lugar do outro”. O outro que devemos encontrar é como o próximo do qual Jesus fala no Evangelho do Bom samaritano (Lc 10,25-37), um enigma, ou talvez um ilustre desconhecido.
Para Padre Patrick, precisamos redescobrir a presença do outro como um irmão e amá-lo. O amor não é abstrato, mas é concreto”. A professora Mônica destaca que o diálogo constitui a sociedade e também a base de nossos relacionamentos: “É por meio dele que conseguimos construir conhecimento. Não só conhecimento acadêmico, como filosofia e matemática, mas o conhecimento de lidar com o outro, de amar, de conviver”. Se é possível construir relações entre as pessoas pela comunicação, a falta dela pode destruir, como por exemplo nos regimes totalitários.
É relevante que a CF seja celebrada de modo ecumênico. Esta edição da Campanha é ecumênica e conta com a elaboração do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) e a participação de diversas comunidades cristãs. Segundo o Padre José Bizon, “o tema da Campanha não é ecumenismo, mas é um tema que diz respeito às Igrejas”. Dom Joel Portella lembra que “esse mundo de polarização pode dizer para nós: ‘Como é que vocês, cristãos, estão pedindo de nós diálogo se vocês não dialogam?’. O ecumenismo tem uma força testemunhal muito grande. O ecumenismo não é o tema da Campanha da Fraternidade de 2021, mas o ecumenismo é a condição para que o tema aconteça”. Para o Padre José Bizon, “não podemos ter medo do diferente. Ele não é uma ameaça, não deve impor medo. Ele deve ajudar a construir a unidade.
A diferença não é ameaça, nem perigo”. Contudo, destaca o sacerdote e professor, “o maior desafio para o ecumenismo, hoje, é o fundamentalismo religioso. Depois, há um pouco de desconhecimento, pois, pelo fato de as pessoas não conhecerem bem a Bíblia e a teologia de sua denominação cristã, não conseguem dialogar”.
Um detalhe interessante é que essa campanha está em consonância com a Carta Encíclica Fratelli Tutti do Papa Francisco. Dom Joel Portella afirma que é essencial a leitura de toda a carta com atenção para o capítulo VI: “Ele central para preparar uma grande Campanha da Fraternidade. Ele vai dizer que o diálogo é a chave para uma nova civilização”.
Em nossa sociedade, em que há como que um dilúvio de informações e as comunicações se dão de forma instantânea, é necessário selecionar os meios pelos quais nos informamos e como difundimos as notícias, opiniões e ideias. “Os meios de comunicação podem contribuir por meio do compromisso com a verdade. Aparecem muitas fake news que desconsideram a verdade. Às vezes os meios de comunicação despedaçam nosso coração, precisamos também que esses meios de comunicação possam ‘esperançar’ nossos corações ao invés de semear discórdias”, explica Padre Patrick.
Com o maior uso das comunicações por meio da internet durante a pandemia, muitos conflitos e desinformações surgiram. “Muitas vezes as pessoas nas redes sociais se posicionam como se soubessem muito bem sobre todos assuntos, como se o outro não soubesse nada. Todos temos que aprender com os outros porque todos estamos situados em lugares particulares na sociedade”, aponta Mônica Venturini. PROPOSTA
A Campanha da Fraternidade 2021 oferece luzes para o melhor convívio na sociedade, nas comunidades, nas famílias e ilumina a forma de relacionar e conviver. Dom Joel Portella orienta a ouvir e compreender a mensagem a CF para vivenciá-la. “Não basta cantar o hino da CF. Não é só fazer palestras e nem apresentação de slides e cartazes. Desculpe falar assim, desse modo, mas o momento intenso é para você fazer como que um treinamento para o cotidiano. Você imagina se um time de futebol só treina e nunca joga com medo de perder o jogo? Então para quê treinou? Para que um tempo quaresmal tão intenso se depois não acontece nada? Você termina a Quaresma, se lembra da Páscoa, mas depois volta ser uma pessoa egoísta, fechada e polarizadora, e tudo mais que destrói o diálogo”, conclui.
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