Embora o trecho do Evangelho acima fale de oração, parece que o tema principal é a gratuidade da salvação. A oração dos dois personagens contrastantes, o fariseu e o publicano, tem a função de colocar em foco que a salvação não se realiza pela iniciativa do ser humano. Antes mesmo de chegar ao fim, o leitor entende o significado da narração. Não se diz qual foi o pecado do fariseu ou em que consistiu o arrependimento do publicano. Limita-se em dizer que um voltou para casa justificado e o outro não.
A oração do fariseu não é oração. É uma ostentação das próprias virtudes. Ele se orgulha de sua conduta irrepreensível. Está absolutamente seguro que cumpre a lei em todos os seus detalhes e até além do exigido. A confiança em seus próprios méritos torna o fariseu tão soberbo que ele fica cego e nem percebe que, em sua oração, ele mesmo ficou no centro, deixando Deus à margem. E pior ainda: sua oração, além de ser uma exaltação indevida de si mesmo, é também uma acusação dos outros: “não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, ou como esse publicano”.
O publicano, porém, à distância, nem se atrevia a levantar os olhos aos céus. Sabe que não tem de que se exaltar e, consciente de seus pecados, batendo no peito, insistentemente pede misericórdia: “Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!” (Lc 18,13b). É justamente pela confissão de seus pecados que ele encontra a condição de pessoa bem aceita por Deus, coisa que o fariseu pretendia atingir por seus méritos pessoais.
A parábola exprime o pensamento de Jesus sobre a salvação. A salvação é, antes de tudo, dom de Deus. A salvação não é resultado das obras perfeitas de uma pessoa santa. Ao contrário! É a salvação que Deus dá é que santifica as pessoas, tornando-as capazes de boas obras. Assim, não faz nenhum sentido um fiel se orgulhar das próprias obras. Elas são manifestação da salvação que Deus realizou na vida dele. “Só Deus é bom e ninguém mais!” (Mc 10,17).
A atitude do fariseu, nesta narração, decorre da cegueira de quem desconhece a Boa-Nova que anuncia o “Amor que nos amou por primeiro” (1Jo 4,19). Com efeito, a boa conduta do cristão, todo seu empenho ético não é para “merecer” ou “conquistar” a salvação, mas para buscar viver, em níveis concretos, a salvação já alcançada por Jesus Cristo (cf. Fl 3,12).
Portanto, não é para conquistar o Amor, mas é tentativa de responder ao Amor pelo qual já foi conquistado. Diz o ditado popular: “amor com amor se paga”. O dia em que descobrirmos que nossa fé cristã consiste, essencialmente, em respondermos ao Amor de Deus que já nos foi dado, já não faremos nada sob o peso da “sacrificação”, não teremos mais medo de castigo e não conseguiremos fazer nada de errado; então, experimentaremos a leveza do ser cristão.
Afinal, o Evangelho foi apresentado como a realização plena de quem encontrou um grande tesouro e faz de tudo para adquiri-lo, na leveza da alegria (cf. Mt 13,44). Por que será que, facilmente, perdemos de vista a dimensão da alegria da fé que professamos e nos deixamos tomar pelo peso da “sacrificação”? Não será que padecemos da cegueira do fariseu que, voltado para o próprio umbigo, faz tudo depender de si mesmo?
Fonte: O Mílite
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