A glorificação é formulada no passado, como numa retrospectiva. Ela diz respeito, em primeiro lugar, ao Filho do Homem que foi glorificado. Quando o foi? O vínculo com a saída de Judas induz a fixar esse momento na morte, considerada como já ocorrida.
Evidentemente, Judas não é a causa dessa glorificação; segundo a teologia de S. João, Deus é o seu autor, daí a utilização do, assim chamado, “passivo divino”: foi glorificado, por Deus, se subentende. Também se poderiam evocar, como glorificação de Jesus, os “sinais” realizados ao longo de seu ministério. Mas o essencial aqui é o coroamento trazido pela morte a uma missão inteiramente voltada para a realização da obra de Deus.
Deus se glorificou nele, isto é, ao glorificar o Filho do Homem, Deus revelou nele a sua própria glória. Em outras palavras, o que glorifica Deus é a ação glorificadora do Filho do Homem. Que significa isso? Pensa-se naturalmente na ressurreição de Jesus ou em sua exaltação, em sua subida para junto do Pai por meio ou para além da morte. Mas essa leitura não esgota a expressão “glorificar”.
A diferença entre a glória que o Filho possui desde sempre em razão de sua relação com o Pai e a glorificação que ocorre no acontecimento da cruz não pode ser um acréscimo de glória dado ao Filho preexistente; e, não obstante, trata-se, de fato, de uma glória que ele não possuía antes, a da participação, por meio dele, de todos os fiéis na vida do próprio Deus - Jesus elevado da terra atrairá a si todos os homens (Jo 12,32).
Sua subida para o Pai arrebata os discípulos, presentes e futuros, no movimento incessante de comunhão com Deus que até então era característico apenas do Filho. Em função disso realiza-se a reunião na unidade objetivada por Deus mediante a obra confiada ao Filho único. O próprio Deus se glorifica no Filho do Homem ao revelar, por meio dele, que é Amor. Assim, o critério da caridade é inscrito, explicitamente, ao lado do critério fundamental da fé: “Com o amor com que vos amei, amai-vos também os outros”. O amor do Filho por seus discípulos gera o seu movimento de caridade: é o seu amor que passa através deles, quando cada um ama realmente seus irmãos e irmãs.
Ao fazer do seu amor o fundamento e a fonte da caridade dos discípulos, Jesus se refere ao dom de sua vida, anunciado no discurso do Bom Pastor e simbolizado no exemplo do lava-pés: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por aqueles que ama” (15,12-13).
Contudo, no texto que estamos examinando o amor de Jesus é evocado de modo absoluto, sendo, pois, mais englobante. Embora a sua expressão tenha culminado na cruz, ele constitui um movimento intrínseco ao ser do Filho, de acordo com o que Jesus revelará em 15,9: “Com o amor com que o Pai me amou, também eu vos amei”. Eis porque a caridade fraterna dos fiéis, ainda que possa exigir um dom extremo, é em primeiro lugar um estado, um modo de ser, a sua maneira de existir em união com o Filho.
A novidade do mandamento de Jesus consiste na natureza do amor que os discípulos devem dedicar-se mutuamente e que é o amor do próprio Jesus manifestando-se neles. Isto instaura uma nova era: é por meio dos discípulos do Filho que o Amor Revelado passa a estar presente no mundo, estabelecendo um Novo Céu e uma Nova Terra (cf. Ap 21,1).
Na teologia de S. João, mais do que uma exigência moral, esse amor é um dom recebido, a marca da existência dos fiéis, em continuidade com a comunhão divina da qual eles fazem parte. O amor recíproco dos discípulos manifestará a todos - inclusive aos que não creem - a sua pertença a Cristo, por meio de quem os homens passam da morte à vida.
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