Lendo o Evangelho

Pedro , pescador de homens

“Não se atreviam a perguntar quem era ele”

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

01 MAI 2022 - 00H00

O Evangelho de João narra três aparições do Ressuscitado: a primeira sem a presença de Tomé e as outras duas com a presença dele. O trecho do evangelho de hoje trata da terceira aparição, a qual deve ser compreendida em termos simbólicos.

Cabe, porém, reconhecer com a sã filosofia que o símbolo não se opõe ao real, e sim, expressa a profundidade do seu sentido. Assim, o evangelista, informando que os apóstolos fizeram experiência do encontro com o Ressuscitado, pretende evangelizar os cristãos de suas comunidades. As duas primeiras aparições, ocorridas em dia de domingo, visam ensinar aos cristãos que todas as vezes que eles se reúnem para celebrar a eucaristia, o Cristo Ressuscitado se faz presente no meio deles.

A terceira aparição, porém, acontece num dia útil, enquanto os discípulos estão ocupados nos seus afazeres cotidianos. Estavam pescando e nada pegaram depois de uma noite inteira de trabalho. Só quando seguem a ordem do Senhor de lançar a rede do lado direito do barco apanham tanto peixe que não conseguem levantá-la para colocá-la na barca. Sob o pano de fundo simbólico tradicional em que a pesca prefigura a atividade dos apóstolos como pescadores de homens, há aqui uma afirmação clara de que a obra da evangelização é o resultado da presença de Jesus, a qual, por si só, torna eficaz a ação dos discípulos. Os trabalhadores da messe só produzem fruto se estiverem em comunhão com o Senhor.

O centro da narração é a refeição preparada e oferecida pelo próprio Jesus. Os elementos da refeição, quais sejam, o pão e o peixe não são trazidos pelos discípulos. É Jesus quem os doa. Seu gesto é descrito com termos idênticos aos da multiplicação dos pães. Portanto, o horizonte é manifestamente eucarístico.

Durante todo o relato, Jesus não está na barca com seus discípulos, mas em terra firme, de onde ele lhes fala, os espera e lhes oferece a refeição. Significa que, embora não mais presente fisicamente no trabalho apostólico simbolizado pela barca e pela pesca, Jesus continua presente junto aos seus. É sua Palavra que torna eficaz a missão apostólica e os frutos desse trabalho lhe pertencem como continuação e complemento de sua obra missionária. É o significado de Jesus ordenar aos discípulos que trouxessem os peixes que haviam pegado para integrar a refeição que ele preparou.

O fato de Pedro sozinho trazer a rede cheia de peixes que todos os outros juntos não conseguiam erguê-la para colocá-la dentro do barco não é uma incongruência. É sempre a dimensão simbólica que se apresenta. Pedro consegue arrastar a rede sozinho, porque ele está executando um mandato do Senhor que lhe confiou a coordenação do ministério apostólico e o tornou capaz de exercer esta função. O gesto de Pedro arrastar a rede a Cristo significa que a função da evangelização é conduzir todos a Cristo, sob a coordenação desse apóstolo.

A certa altura, a narração fica sob o domínio da “alegre tensão” de que ninguém se atrevia perguntar quem era o desconhecido que fez acontecer a pesca milagrosa e ofereceu a refeição, pois todos sabiam que era o Senhor. Como diz acertadamente um filósofo: “Perguntar: ‘quem és tu?’ é confiar a resposta à mera carne e, com isso, renegar o divino”. Aquele a quem não se coloca a questão deveria responder no nível da carne, à qual ele não pertence mais, pois vive no Espírito. É, portanto, no horizonte do Ressuscitado que o Evangelho visa inserir o leitor.

Depois da refeição, Jesus estabelece um diálogo com Pedro, tendo como base a pergunta: “Simão, filho de João, tu me amas?”, repetida por três vezes. Na primeira vez, Jesus acrescenta: “tu me amas mais do que estes?” Este “mais” talvez ecoe o momento da Paixão em que Pedro declara: “mesmo que todos te abandonem eu não te abandonarei. Darei minha vida por ti” (13,37). E a tríplice pergunta talvez corresponda à tríplice negação. Mesmo entristecido pelo fato de o Senhor lhe perguntar três vezes se ele o amava, quase deixando transparecer uma dúvida, Pedro decisivamente apela ao conhecimento que Jesus tem de seu coração. O sujeito da frase não é “eu”, mas “tu”: “tu sabes que te amo”.

Cada vez que Pedro respondia: “tu sabes que te amo”, Jesus acrescentava: “Apascenta as minhas ovelhas!”. Apascentar as ovelhas do Senhor é assegurar-lhes as pastagens da Vida (cf.10,9), livrando-as dos perigos que as ameaçam. Não se exclui aqui o aspecto da autoridade, pois a metáfora bíblica do pastor implica, ao mesmo tempo, a responsabilidade por um grupo humano e a autoridade necessária para exercê-la.

Contudo, o acento não recai nos privilégios do pastor, mas nas suas obrigações em relação às ovelhas e no dom de si mesmo em favor delas. A missão confiada a Pedro de cuidar do conjunto do rebanho só é compreensível e tem sua razão de ser em consonância com o Amor de Jesus, o Bom Pastor que dá sua Vida pelas ovelhas. Com efeito, porque Pedro participa da solicitude de Cristo pelo rebanho, vai também compartilhar seu destino de morte. Dar sua vida pelas ovelhas é dar sua vida por Cristo. Agora sim, Pedro está em condições de dar sua vida por Cristo, que aceita sua disposição ao dizer-lhe: “Segue-me!”

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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