No evangelho de João, a característica fundamental do Batista é o testemunho. Para o quarto evangelho, o testemunho é essencial à fé porque o Verbo não revela diretamente e abertamente sua origem. É preciso captá-la na carne, e quem tem o dom de captá-la como João Batista, que recebeu uma iluminação enquanto batizava Jesus, tem o dever de testemunhar. O testemunho do Batista é tanto mais contundente porque não fala de um Messias ausente e que há de vir no futuro, mas de um messias que está no meio de nós, aqui e agora, como “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!”
Nos tempos modernos, a noção de pecado ficou muito enfraquecida. As ciências humanas nos ensinaram a levar em conta determinismos inconscientes, carências educativas, pressões sociais, fanatismos que cegam etc. Por outro lado, o sentimento de culpa, resultante de uma moral reduzida ao que é permitido ou proibido, de fato, é um doloroso entrave ao desenvolvimento da pessoa. Contudo, é preciso reafirmar: a noção de pecado é uma das mais preciosas conquistas antropológicas. Os significados mais básicos da palavra pecado é: “errar o alvo”, “perder o rumo”, “andar à deriva”. Portanto, pecado não se resume simplesmente a transgredir uma norma e muito menos a um sentimento de culpabilidade. Aliás, é bom que se diga: sentimento de culpa nem sempre corresponde a uma culpa real. Por outro lado, pode suceder que, embora não nos sintamos culpados e nem tenhamos consciência, podemos fazer certas coisas ou adotar atitudes que, aos poucos, podem revelar-se efetivamente danosas para nós e os outros.
Nesse caso, a insensibilidade e inconsciência que nos isentam do sentimento de culpa não eliminam as consequências de nossas ações ou atitudes. À guisa de ilustração, podemos imaginar uma pessoa que, por cansaço ou outra limitação natural, dorme ao volante do automóvel e provoca um acidente. O fato de não haver responsabilidade ou culpa não livra das consequências do acidente, sejam leves ou graves.
Quando fala de pecado, João não se refere a sentimento de culpa em nível psicológico, mas ao estado de ruptura em que a humanidade inteira se encontra diante de Deus. Quando apresenta Jesus como “O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, está afirmando que, por sua vida e seu ministério, Jesus nos resgata da condição de ruptura e nos restabelece na comunhão com Deus. Com efeito, a partir do batismo, Jesus se faz nosso irmão e se insere na condição comum a todos. É a primeira imagem que Ele nos oferece do Deus que “ninguém jamais viu” (cf. Jo 1,18). Revela-nos um Deus que se coloca na fila dos pecadores, fazendo-se solidários conosco, aceitando o que não conseguimos em nós mesmos; um Deus que acolhe a condição de limite, de pecado e de morte, que se torna tudo o que somos e não gostaríamos de ser, o que contradiz a projeção dos nossos desejos!
O batismo de Jesus põe em crise toda ideia ateia ou religiosa sobre Deus. Aqui se revela um Deus impensável, escandaloso para todos, crentes ou descrentes: Aquele que supomos estar nas alturas dos céus, está aqui na terra, o espírito puro é carne, o imortal fez-se mortal, o Santo entre os pecadores, o juiz entre os condenados, o todo-poderoso impotente, compartilhando a condição de todos. Jesus, Deus-conosco, arrebenta nossas falsas imagens de Deus.
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