Lendo o Evangelho

O verdadeiro pastor das ovelhas

“Eu e o Pai somos uma coisa só”

Frei Aloísio, Ministro Provincial

Escrito por Frei Aloísio Oliveira

31 JUL 2022 - 00H00

Pixabay

A presente passagem do Evangelho se ambienta na festa da Dedicação do Templo, celebrada anualmente para comemorar a vitória sobre os sírios que haviam profanado o Lugar Sagrado colocando a estátua do ídolo Baal Shamen no altar dos holocaustos.

Esta profanação foi vivida, pelos judeus, como uma tragédia nacional, descrita como a abominação da desolação (Dn 9,27; Mt 24,15). Tendo expulsado os sírios, Judas Macabeu construiu um novo altar e consagrou novamente o Templo. É, portanto, uma festa de renovação e revigoramento do espírito religioso de Israel.

O trecho retoma, em linhas gerais, o tema do Bom Pastor exposto amplamente em 10,1-21, mas, aqui, o foco é a identidade messiânica de Jesus, tematizada diretamente pela requisição dos judeus: “Se tu és o Cristo, dize-nos abertamente” (v.24). Essa exigência dos judeus torna-se compreensível após o longo discurso sobre o Bom Pastor, porque, sob o pano de fundo do Antigo Testamento, a figura do pastor era frequentemente associada ao rei da linhagem de Davi (cf. Ez 34,23). Portanto, para as autoridades judaicas, Jesus ao declarar-se categoricamente “o Pastor das ovelhas”, expunha evidentes pretensões messiânicas.

Nos evangelhos, em geral, Jesus nunca responde, sem reservas, à pergunta direta se ele é ou não o Messias, porque frequentemente o termo Messias estava carregado de conotações políticas e nacionalistas com as quais Jesus não se identificava. Se a tradição cristã posterior atribuiu a Jesus o título de Messias ou Cristo, é porque penetrou profundamente o pensamento de Jesus a ponto de reconhecer que, nele, o ser Messias manifestou uma originalidade tão grande que mudou completamente o conceito.Leia MaisDeus nunca descansaA oração franciscana Amar ao próximoA morte não é o fim

Certamente o melhor comentário de Jesus sobre sua identidade messiânica é: “Eu e o Pai somos uma coisa só” (10,30), uma resposta afirmativa que destoa da terminologia tradicional. Com esta afirmação, Jesus deixa transparecer claramente uma união profunda entre ele e o Pai, que faz o leitor lembrar-se imediatamente do início do Evangelho, onde se exprimia em que sentido o Verbo é Deus (cf. 1,1-2).

A tradição posterior lerá legitimamente neste texto a unidade da essência divina do Pai e do Filho, justificando sua interpretação por uma possibilidade de se ler no v.29: “O que o Pai me deu é maior que tudo”, a saber, a essência divina. O que importa, ao ler o versículo 30, é não perder de vista que S. João mantém sempre a distinção de pessoas: por mais íntima e indissociável que seja a união do Pai e do Filho, ela não é uma fusão, mas uma comunhão.

É a comunhão perfeita do Filho com o Pai no que refere-se à salvação das ovelhas e que fundamenta a segurança delas. Como o Filho enviado do Pai, ele dá, desde o presente, a vida eterna às suas ovelhas, que ouvem a sua voz e ele as conhece. Por isso, ninguém as arrancará de sua mão. A mão é, na Bíblia, símbolo do poder protetor de Deus. A frase no final da passagem: “ninguém pode arrebatar as ovelhas da mão do Pai” (v.29), completa a apresentação simbólica do que é a Igreja à luz da teologia de S. João: no fundamento de sua segurança encontra-se não Pedro nem mesmo só o Cristo, mas o próprio Pai indissociável de seu Filho.

Conclui-se, assim, que somente pela sua missão é possível entender em que sentido Jesus é o Messias. Ele é o Filho que o Pai enviou ao mundo para salvar o mundo (cf. 3,17). Ele veio como aquele que desfaz a profanação que o pecado provoca em nós, instalando-se na nossa vida pessoal e comunitária. Mas sua vitória é alcançada como fruto do oferecimento de si mesmo. Ele é, ao mesmo tempo, altar e Cordeiro Pascal que, imolado, tira o pecado do mundo.

A festa da Dedicação, portanto, proporciona o clima adequado para a declaração da identidade de Jesus, visto que a festa significa o retorno ao Templo como Lugar da Presença de Deus que a profanação tinha interrompido. Jesus é enviado ao mundo para trazer a Presença de Deus que habita nele mesmo: “Eu e o Pai somos uma coisa só”. Ele acrescentará depois: “Quem me vê, vê o Pai" (14,9). Dessa forma, o último diálogo de Jesus com os judeus relembra o primeiro em que Jesus anunciou o novo Templo, seu corpo, que eles destruiriam, mas em três dias ele o reergueria (cf. 2,19-20).

Escrito por
Frei Aloísio, Ministro Provincial
Frei Aloísio Oliveira

É Ministro Provincial da Província São Francisco de Assis dos Frades Menores Conventuais e especialista em Sagrada Escritura.

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