Por Padre Clemilson Teodoro Em Formação

Uma luz brilhou nas trevas




Mais uma vez chegamos às festividades do Natal do Senhor. As luzes coloridas brilham nas ruas, enfeitam as casas. Os presentes, simbólicos, evocando o grandioso dom que Deus se fez por nós, são colocados sob árvores iluminadas e ricamente adornadas, acendendo a alegria e a esperança em todos os corações. As músicas natalinas enriquecem as celebrações, direcionando nossa contemplação àquele momento sagrado da nossa história, em que “o povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,1), “um menino nos nasceu, um filho nos foi dado” (Is 9,5).

As origens da festa do Natal

Por volta do ano 336 d.C., a festa do Natal já era celebrada em Roma no dia 25 de dezembro. Por volta do fim do século IV, no norte da Itália e na Espanha, ela era considerada uma das grandes solenidades do cristianismo e, segundo informações de Santo Agostinho, mais ou menos na mesma época era celebrada também no norte da África. São João Crisóstomo (345-407), em um de seus discursos, nos relega a informação de que também em Antioquia os cristãos já celebravam o natal do Senhor no dia 25 de dezembro.

O dia 25 de dezembro não corresponde historicamente ao nascimento de Jesus, esta data foi escolhida para suplantar a festa pagã do Natalis Solis Invicti. As religiões pagãs, que adoravam o sol como deus, souberam aproveitar a esperança e o temor primordiais da humanidade. Após rigoroso inverno, o homem experimentava, naturalmente, com as noites cada vez mais longas, a força do sol ficando cada vez mais fraca. A sensação de fim da luz do sol era inevitável. A festa do nascimento do sol todos os anos, no dia 25 de dezembro, celebrava a vitória da luz sobre as trevas.

Os cristãos, naquela época cada vez mais numerosos, na tentativa de conquistar o coração dos homens no Império Romano, requisitaram o dia 25 de dezembro para a celebração do nascimento da Luz Invencível, festejando-o como o dia em que Jesus Cristo nasceu, verdadeiro sol, luz que ilumina todos os povos.

O dia 25 de dezembro, por muitos anos, marcou o início do ano litúrgico. Por volta do ano 600, os cristãos acharam melhor que a importante festa do Natal fosse preparada com mais esmero, como já era costume preparar a Páscoa com o tempo da Quaresma, e decidiram então que o natal fosse precedido por quatro domingos, e que no primeiro desses domingos iniciasse o ano litúrgico.

Ao longo dos séculos IV e V, quando começaram a ganhar força as heresias sobre Jesus, a Igreja, nos quatro grandes concílios ecumênicos de Niceia, Éfeso, Calcedônia e Constantinopla, fez da celebração do Natal do Senhor, sobretudo pela atuação do Papa Leão Magno (440-461), a oportunidade para afirmar a autêntica fé no mistério de Cristo.





O Papa Leão Magno deu à celebração do Natal do Senhor um fundamento teológico: segundo ele, o Natal não é apenas recordação do passado, ele renova para nós, todos os anos, o nascimento de Jesus. É a celebração do mistério da encarnação, em que “o Filho de Deus se une a cada homem” (Gaudium et spes), de todos os tempos; é um convite ao reconhecimento da dignidade do homem.

A estrutura da festa do Natal

A solenidade do Natal é preparada pela missa da vigília e se prolonga por oito dias. Durante este período, são celebradas as festas de Santo Estêvão, de São João e dos Santos Inocentes. O oitavo dia depois do Natal é dedicado a Maria Santíssima, Mãe de Deus; neste dia, a Igreja celebra a parte exercida por “Maria neste mistério de salvação...” (Marialis cultus); e no domingo dentro da oitava é celebrada a festa da Sagrada Família. O tempo do Natal começa com as primeiras vésperas do Natal do Senhor e termina no domingo depois de 6 de janeiro.

O Natal celebra o início da nossa redenção, ele está direcionado ao centro do ano litúrgico, ao mistério pascal da morte e ressurreição de Jesus. É a manifestação da glória de Deus. João, no prólogo de seu Evangelho, diz que o “verbo se fez carne e habitou entre nós e vimos a sua glória, a glória que o Filho Único recebe de seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). A liturgia lembra que Jesus é “o rei da paz que vem na sua glória”. Na liturgia bizantina, a epifania, celebração da glória do Verbo de Deus que se encarna, é o ápice do ciclo natalino.

Natal é a festa da nossa divinização. O Papa Leão Magno, no sermão natalino, diz à Igreja: “recorda-te, ó cristão, da tua dignidade e, tornando-te participante da natureza divina, não queiras recair na antiga vida indigna”. O Cristo, assumindo a nossa natureza na encarnação, torna possível a nossa participação na natureza divina. A oração depois da comunhão, da missa de natal, coloca diante de nós o “... Salvador do mundo que hoje nasceu e nos regenerou como teus filhos, nos comunique o dom da sua vida imortal”.



A espiritualidade do Natal

As críticas sobre a comercialização desenfreada neste tempo são muitas e com razão; o natal para muitas pessoas perdeu o sentido; o menino Jesus ficou esquecido entre os presentes e enfeites; o Natal do Senhor esvaziou-se do seu significado e foi transformado em ocasião de consumo e de sentimentalismo melancólico com algumas boas ações, quase sempre sem raízes profundas. As críticas têm razão e são necessárias para despertar nosso coração para o verdadeiro valor do que estamos para celebrar: é a proximidade de Deus que, de grande e imenso em sua glória, se fez pequeno e infinito em sua bondade.

As festividades de Natal, no entanto, não perderam seu sentimento puro e ainda possuem a força que transborda o coração dos homens de todas as raças. O Natal do Senhor é a festa da fraternidade de todos os homens. São incontáveis as iniciativas de solidariedade, sinais do grande dom que Deus fez pela humanidade com a encarnação do Verbo, reflexos daquela noite santa em que o próprio Deus se fez para nós um presente.

O Natal guarda sua poesia e eleva o coração da humanidade para a luz que ilumina todas as trevas do mundo. Todos os anos seus símbolos reacendem no coração humano a esperança, a alegria e a solidariedade. Nós não estamos abandonados na solidão absurda sem sentido, a luz desponta para iluminar nosso caminho. Deus não está mais separado de nós pela sua transcendência intocável, agora Ele veio até nós, é Deus Conosco.

O nascimento de Jesus em Belém não é uma peça teatral encenada uma vez por ano com alguns personagens que poderiam representar situações cotidianas vividas pela humanidade. Agora Deus é um de nós, “na pobreza de uma criança que nasceu num estábulo, ignorada pela grande sociedade. A impotência de uma criança se tornou a onipotência de Deus que não emprega outro poder senão a força silenciosa da verdade e do amor” (cf. Ratzinger, Dogma e anúncio).

“Nasceu hoje para vós um salvador que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11), esta fórmula, colocada na boca dos anjos por Lucas, era como os romanos recebiam o anúncio do Imperador. O nascimento de Jesus é diferente, ele não nasceu no palácio, mas numa gruta; ele não dispõe de nenhum instrumento para a transformação do mundo: dinheiro, armas, domínio, alianças com poderosos, apenas o despojamento. O sinal que os anjos deram aos pastores para a identificação do salvador, “encontrareis um recém-nascido envolto em faixas, deitado numa manjedoura” (Lc 2,12) não extrapola a realidade, o menino Jesus é normal, igual aos outros meninos.

O evangelista Lucas enriquece sua narração com vários elementos, mas ao descrever o nascimento de Jesus não se deixa levar pelo entusiasmo e aponta o “menino deitado na manjedoura, envolto em faixas”. Deus escolheu a pobreza e a fraqueza, contradizendo a lógica da força e do poder.

O nascimento do menino Jesus em Belém é anunciado primeiramente aos pastores, no meio da noite. Esses pastores, considerados homens impuros, sem autorização para entrar no templo e rezar com os outros, não eram aceitos como testemunhas nos tribunais; eram tidos como desonestos, falsos, ladrões e violentos. O Evangelho afirma que naquela noite santa o presente especial era entregue primeiramente a eles. “Um anjo do Senhor se apresentou diante deles, a glória do Senhor os envolveu de luz e eles ficaram tomados de grande temor. ‘Não tenhais medo, pois eis que eu venho anunciar-vos uma boa-nova que será de uma grande alegria para todo o povo: Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um salvador que é o Cristo Senhor’” (cf. Lc 2,9-11). As pessoas que acompanharam Jesus ao longo de sua vida pública, o evangelho faz questão de colocá-las ao lado de Jesus na manjedoura.



O presépio

São Francisco de Assis, encantado com a humanidade do Filho de Deus, passava horas contemplando o crucifixo na solidão das grutas de La Verna. Tinha uma profunda devoção pelo natal do Senhor, mais que qualquer outra festividade do ano (cf. Fontes Franciscanas – FF 1669). Para ele, o Natal era a festa das festas (cf. FF 787).

Francisco queria que no Natal os cristãos exultassem no Senhor e, por amor dele, fossem alegremente generosos, não apenas com os necessitados, mas também com os animais e pássaros. Neste dia, Deus feito criança amamentou no seio humano. Queria que no natal todos os mendigos fossem saciados (cf. FF 787).

Três anos antes de sua morte, na cidade de Greccio, Itália, no dia do Natal, Francisco realizou o presépio, na casa de seu amigo Giovanni, homem de boa fama e de boas condições econômicas (cf. FF 1186).

Duas semanas antes do natal, Francisco procurou este seu amigo e pediu-lhe que preparasse a festa do natal. “Francisco queria representar o menino Jesus nascido em Belém, e de qualquer modo ver, com os olhos do corpo, o desconforto em que se encontravam José e Maria, com a falta de coisas necessárias a um recém-nascido (...). Na noite do Natal, Francisco organizou as coisas que seu amigo lhe preparara; radiante de alegria, estático diante do presépio, com o espírito vibrante de alegria inefável (...). Como era diácono, cantou o evangelho e depois falou ao povo em palavras doces e amáveis sobre o recém-nascido, rei pobre (...). Pelos méritos de Francisco, o menino Jesus renascia no coração das pessoas” (cf. FF 471).

Na criança frágil e terna, divina e humana, Deus visitou a cada um de nós, fez sua morada entre nós. A história da humanidade ganha novo sentido, agora ela está nas mãos de Deus.

Escrito por
Padre Clemilson Teodoro
Padre Clemilson Teodoro

Presbítero da Diocese de Santo André, em São Paulo. Padre Clemilson nasceu em Caratinga, Minas Gerais, e entrou no seminário do Instituto dos Missionários da Imaculada Padre Kolbe, em Santo André, no dia 23 de março de 1998. Atualmente colabora com a Obra escrevendo matérias de formação para o Portal da MI.

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