Palavras que não passam
PALAVRAS QUE NÃO PASSAM
Padre Zezinho, SCJ
Como milhares de cidadãos passei pela experiência de ficar ilhado em São Paulo. Foi na marginal , entre a Vila Guilherme e o córrego Aricanduva. Em duas horas e meia, sem saber se o rio enchia ou esvaziava, pude aprender um pouco mais sobre cidadania e perceber como a informação em São Paulo é desencontrada. Em primeiro lugar, caí lá porque uma emissora dizia que as águas tinham baixado. Já vi este filme. Quem tem hora e arrisca para não faltar ao compromisso sabe que em São Paulo uma coisa é a boa intenção e outra a chance de cumpri-la. São Paulo nem sempre facilita .
Seria fácil culpar o prefeito e o governador, mas isso é herança de governos inoperantes ou corruptos do passado que não pensaram no futuro ou não bateram o pé, sabendo qual seria o resultado de cederem. Cederam. Venceu a ganância imobiliária. Construíram perto do rio. Agora fica impossível expropriar aquelas firmas e aquela gente, aprofundar o rio ou dar vazão a tantas águas que o solo não consegue mais conter. Chegamos ao que chegamos porque no Brasil e em São Paulo os olhos de muitos tilintam pensando no dinheiro de amanhã e não nos problemas que seu gesto vai causar. Construir nos morros, em lugares onde a água forçosamente passará é tornar a cidade inviável; e inviável é a São de hoje: não há mais vias.
No meio de tudo isso um consolo. O paulistano é como o nordestino: antes de tudo, um forte e um esperançoso. Exasperado mas não desesperado. Ninguém buzinou, ouvi poucos palavrões, a maioria sabia que a culpa vem de longe e que não há dinheiro para resolver isso por enquanto. Rimos, conversamos e sabíamos que escaparíamos com vida, mas talvez sem os carros. Mas aí o problema é das companhias de seguro. Todos tinham seguro. Como viver em São Paulo sem fazer seguro da vida e dos bens? Viver está cada dia mais caro e mais arriscado. Começou com a ganância dos de sempre. Havia terreno livre perto do rio. Porque não construir? O poder e o dinheiro enlouquecem. Pena que os que levam vantagem hoje transferem o problema para o cidadão de amanhã. Nesta ocasião, nós pagamos uma parte dessa loucura dos empresários e governantes de 40 anos atrás .
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