Por Frei Aloísio de Oliveira Em Perfume de Francisco Atualizada em 04 OUT 2020 - 11H45

Solenidade de São Francisco 2020




“Neste gênero de vida, todos se chamem irmãos menores...” (RNB 6,3).

“E depois que o senhor me deu irmãos, ninguém me mostrava o que deveria fazer, mas o próprio altíssimo me revelou que eu deveria viver segundo a forma do santo Evangelho” (Test. 14)

Mais uma vez, estamos por celebrar a solenidade de nosso Seráfico Pai. Neste ano, não poderíamos deixar passar despercebida a histórica publicação da nova Carta Encíclica do Papa Francisco: “Fratres Omnes” (Todos Irmãos e irmãs) assinada no dia 3 de outubro no túmulo de São Francisco. A ocasião é, também, oportunidade singular para rememorarmos o significado do atual pontificado para toda a Igreja e especialmente para nós franciscanos e franciscanas. Com efeito, há cinco anos, o Papa lançava a “Laudato Si’”. Como o próprio nome indica, a encíclica foi inspirada no “Cântico das Criaturas” composto por São Francisco de Assis. A profundíssima experiência da Paternidade de Deus Criador de todas as coisas levou São Francisco à incomparável experiência de fraternidade universal, expressa magistralmente no Cântico das Criaturas. Bebendo dessa fonte franciscana, o Papa elaborou os conceitos fundamentais da encíclica tais como: “Casa Comum”, “Tudo está interligado”, “Ecologia Integral”, “guardião da Criação”, “conversão ecológica”.

De fato, compartilhamos com todas as criaturas “a nossa irmã, a Mãe Terra, que nos sustenta e governa, produz frutos diversos, flores e ervas”. E, na natureza, “tudo está interligado” de forma tão indissociável que é um despropósito considerarmos o meio-ambiente como algo fora de nós, mera moldura da nossa vida, acessório substituível conforme nossa decisão. Não há reposição! A natureza é única! Nela estamos incluídos, dela fazemos parte e, como todas as espécies vivas, dependemos dela para sobreviver. (LS, 139).

Não há dúvida de que a raiz da crise ecológica que vivemos hoje é resultado direto da ação deletéria do ser humano que explorou a natureza até os limites extremos, colocando em risco a nossa sobrevivência e a sobrevivência de toda a criação. É igualmente resultado de ações desordenadas do ser humano a grande crise humanitária no mundo de hoje, com a pobreza extrema e a fome que atingem milhões de pessoas, a situação desesperadora dos imigrantes, dos sem-teto, dos sem-terra, o tráfico de pessoas, as guerras e outras formas de violência na cidade e no campo. Tudo isso clama por mudança, que não ocorrerá sem uma ecologia integral que abranja as dimensões ambiental, econômica e social.

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São Francisco de Assis, rogai por nós!

Impõe-se, portanto, a necessidade de uma conversão ecológica. A inegável superioridade do ser humano em relação às criaturas o torna guardião de toda a Criação e, obviamente, o torna igualmente responsável pelo cuidado com os demais seres humanos. Ouvimos, nas primeiras páginas da Bíblia, a pergunta do Criador: “Onde está teu irmão?” Uma ecologia autêntica inclui necessariamente o cuidado com a pessoa humana.

De novo, Francisco de Assis se faz nosso modelo. Foi no desafio de acolher o leproso, o outro que lhe causava nojo, que Francisco alcança a perfeita conversão a ponto de o amargo se lhe tornar doçura da alma e do corpo. Foi quando lhe surgiram os primeiros irmãos, que Francisco teve a certeza da forma de vida segundo o Evangelho revelada pelo próprio Altíssimo. Os irmãos são para Francisco um dom pelo qual o Senhor lhe confia uma missão, um estilo novo de vida que lhe trará muitos desafios. Porque, de fato, os irmãos e as irmãs não são nossa “aquisição”. Não são artigos para o nosso gosto e consumo. São doados, por isso não podemos escolhê-los, mas apenas acolhê-los e amá-los assim como são, com suas fraquezas e diferenças. Diferenças, às vezes, tão desafiadoras que, no final, só o Senhor poderá recompor.

O que emerge claramente em Francisco de Assis é que para ele a fraternidade não é uma ideia, uma teoria abstrata, mas um fato concreto, uma experiência que muda a vida. Mas a experiência da fraternidade como dom e lugar de conversão só é possível se reconhecermos e assumirmos a filiação comum do Pai celeste. Somos “todos irmãos e irmãs”, porque somos todos filhos e filhas do mesmo Pai. Aqui está o núcleo da conversão de São Francisco de Assis e, com ele, podemos dizer de cada mulher e homem que autenticamente encontrou Jesus Cristo. Pois se não reconhecermos o plano comum de amor do Pai por nós, não será suficiente sermos irmãs ou irmãos. Nem mesmo biologicamente. De fato, é um irmão de sangue que mata Abel. E o mata, porque o ódio fechou os olhos de Caim que, não vendo mais o amor do Pai, não reconhece nem mesmo seu irmão como tal. Para São Francisco, de fato, o amor a Deus-Pai, cresce na medida em que cresce nosso amor ao irmão e à irmã em cujos rostos se encontram as características do Criador. Um amor que em Francisco de Assis se expande até abraçar todos os homens, todas as mulheres e todas as criaturas.

Novamente inspirado na experiência de São Francisco de Assis, o Papa Francisco nos recorda, com a nova encíclica, que somos “Todos Irmãos e Irmãs”. O documento enfoca a fraternidade e a amizade social. Com efeito, a sociedade moderna que, tantas vezes, se arroga ser esclarecida, avançada, aberta, democrática e defensora dos direitos individuais, na verdade, é cheia de egoísmos que erguem barreiras de todos os tipos, gerando exclusões manifestas ou sub-reptícias. Por isso, é muito oportuna a iniciativa do Papa Francisco de propor à Igreja e a todas as pessoas de boa vontade o luminoso caminho da fraternidade universal trilhado por Francisco de Assis.

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À guisa de provocação, poderíamos dizer que, até agora, nós franciscanos e franciscanas, talvez, ainda não tenhamos entendido suficientemente o alcance do momento “kairótico” que vivemos com o pontificado do Papa Francisco. De fato, o modo propositivo de apresentar o Evangelho como alegria (Evangilii Gaudium); o apelo a uma “Ecologia Integral” como expressão da evangélica atitude samaritana do cuidado com as pessoas e todas as criaturas (Laudato Si’); e, agora, o enfoque na exigência da fraternidade universal derivante da comum paternidade de Deus-Pai como fundamento da amizade social e da convivência comum (Fratres Omnes) são todos tesouros da mais genuína tradição franciscana repropostos para renovar a ação evangelizadora da Igreja e como alternativa válida para todas as pessoas de boa vontade que anseiam por um mundo novo, com novas relações sociais e novo modo de se relacionar com a natureza. Não é “o rosto franciscano”, a nós bem familiar, que se delineia em tudo isso, do qual sempre estivemos à procura para caracterizar nossa ação pastoral e nossos apostolados em geral? Não deixemos o “kairós” passar em vão!

Feliz Dia de São Francisco! Paz e Bem!

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