Por MI Em Mundo

“Edição genética de bebê na China é imoral”, diz o Observatótio de Bioética, CNBB Regional Sul 3

Anúncio de cientista, da Universidade de Shenzhen, ainda são saiu em revistas científicas


CNBB
CNBB
Anúncio de cientista, da Universidade de Shenzhen, ainda são saiu em revistas científicas

No dia 25 de novembro de 2018, o cientista chinês He Jiankui, da Universidade de Shenzhen, anunciou em um vídeo no YouTube [1], o nascimento de duas meninas chinesas gêmeas com DNA geneticamente editado. O anúncio não foi publicado em nenhuma revista científica do mundo, e a experiência teria utilizado a técnica denominada de CRISPR/Cas9, que se trata de uma intervenção corretiva, avançada, com capacidade de modificar estruturalmente um ou mais genes de qualquer forma de célula viva.

Conforme explica o próprio vídeo, a gravidez começou com uma fertilização in vitroregular, mas foi realizada também uma cirurgia genética. O objetivo era proteger as meninas de infecção futura por HIV, uma vez que o pai das gêmeas é o portador do vírus da AIDS.

Atualmente, sabe-se que algumas pessoas trazem essa variação genética, chamada de CCR5, e são resistentes ao vírus porque esta variação não permite a entrada do vírus na célula.

Julian Savulescu, diretor do Centro Uehiro de Ética Prática da Universidade de Oxford, deu entrevista ao jornal El País[3], e declarou que, se esta experiência for verdadeira, ela é "uma experiência monstruosa". Ele afirmou ainda que “os embriões eram saudáveis, sem doenças conhecidas. A edição genética em si é experimental e ainda está associada a mutações indesejadas, capazes de causar problemas genéticos em etapas iniciais e posteriores da vida, inclusive o desenvolvimento de câncer”. Julian também destacou que há modos muito eficazes de prevenção à AIDS, e, mesmo que a síndrome seja contraída, existem atualmente tratamentos eficazes.

“Esta experiência expõe crianças normais e saudáveis aos riscos da edição genética em troca de nenhum benefício necessário real”, alertou.

Esta experiência vem na contramão de anos de estudo e consenso ético sobre a proteção dos participantes humanos em testes de pesquisa. Os bebês resultantes desses testes estão sendo usados como cobaias genéticas. Se acontecerem mutações não programadas (off-target)nas células do embrião, o indivíduo poderá vir a ter uma série de problemas de saúde que não teria, caso a edição genômica não tivesse sido realizada.

Como não existe ainda o domínio completo e seguro desta técnica, muitos males inesperados poderão aparecer. A técnica CRISPR/Cas9 permite a edição genética de um modo rápido e a baixo custo em comparação com outras tecnologias. No entanto, ainda são necessárias muitas investigações para a edição genômica em embriões humanos. Isso porque não há certeza se a alteração de um gene específico não alterará também, do modo aleatório, outros genes [4].

Salvador Darío Bergel, em "O impacto ético das novas tecnologias de edição genética"[5], argumenta sobre a sacralidade do genoma humano. O argumento tem como base a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, da UNESCO, que afirma em seu primeiro artigo que o genoma humano é “patrimônio da humanidade” [6]. Assim, não pode permitir qualquer prática contrária à dignidade humana, e que todo ser humano deve ter acesso aos “benefícios dos avanços na biologia, na genética e na medicina, relacionados ao genoma humano” [6]. O respeito à dignidade humana deve ser o limite no uso de tais tecnologias, pois o ser humano é portador de dignidade moral, com fim em si mesmo e não como meio para outra coisa.

Por isso, essa nova técnica “pode dar origem a licenças e patentes cujos donos poderão obter enormes somas de dinheiro” [2], explica Anna Meldolesi, sobre as possíveis consequências da nova ferramenta inovadora nas áreas da medicina, biologia e tecnologia. Nessa perspectiva, o imperativo moral de Kant, “age de tal modo que considere a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa dos outros, sempre como fim e nunca como simples meio” [7], torna-se cada vez mais atual.

O documento Dignitas Personae (2008), da Congregação para a Doutrina da Fé, já expressava a visão do Magistério da Igreja sobre o assunto declarando sua nulidade:

“Qualquer modificação genética feita nas células germinais de um sujeito seria transmitida à sua eventual descendência. Porque os riscos ligados a qualquer manipulação genética são significativos e ainda pouco controláveis, no estado atual da investigação não é moralmente admissível agir de modo que os potenciais danos derivantes se propaguem à descendência. Na hipótese da aplicação da terapia genética ao embrião, há ainda a acrescentar que a mesma precisa de ser realizada num contexto técnico de fecundação in vitro, indo, portanto, ao encontro de todas as objeções éticas relativas a tais práticas. Por estas razões, portanto, deve-se afirmar que, no estado atual, a terapia genética germinal, em todas as suas formas, é moralmente ilícita” (DP, n. 26) [8].

Assim, se a natureza e a finalidade da ciência são a ousadia, a criatividade e a intuição, a bioética, por sua vez, que se fundamenta em teorias morais, se caracteriza pela prudência, pelo discernimento.

Cabe a bioética apontar os limites da intervenção científica e técnica na vida biológica, vegetal, animal e humana, bem como contribuir para que a humanidade consiga desenvolver-se de forma digna, sem colocar em risco o patrimônio genético e a vida planetária. Se ambas conseguem estabelecer um diálogo respeitoso, mesmo com interesses distintos, possivelmente alcançaremos mais benefícios do que malefícios.

Com informações do Observatório de Bioética – CNBB Regional Sul 3.

Referências

[1]JIANKUI, He. About Lulu and Nana: Twin Girls Born Healthy After Gene Surgery As Single-Cell Embryos. Disponível em:

. Acesso em: 26 nov. 2018.

[2] EQUIPE OÁSIS. Edição do genoma. O que é, afinal, a técnica Crispr. Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/revista_oasis/316191/Edi%C3%A7%C3%A3o-do-genoma-O-que-%C3%A9-afinal-a-t%C3%A9cnica-Crispr.htm.Acesso em: 29 nov. 2018.

[3] LIY, Macarena Vidal. Cientistas chineses dizem ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados.Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2018.

[4] FACHIN, Patricia. A edição genética de embriões humanos é revolucionária e perturbadora. Entrevista especial com Marcelo de Araújo.

Disponível em:.Acesso em: 26 nov. 2018.

[5] BERGEL, Salvador Darío. O impacto ético das novas tecnologias de edição genética. Rev. bioét. (Impr.), Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 454-61, 2017.

[6] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos: Da teoria à prática. Disponível em: . Acesso em: 26 nov. 2018.

[7] KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela. Lisboa: EDIÇÕES 70, LDA, 2007.

[8] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Dignitas Personae: Sobre algumas questões de bioética. Disponível em http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20081208_dignitas-personae_po.html. Acesso em: 26 nov. 2018.

Saiba mais sobre o trabalho do Observatório: http://observatoriodebioetica.ucpel.edu.br

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por MI, em Mundo

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.