Dom Carlos, os casos de violência contra mulheres estão sempre em manchetes de jornais. Como a gente pode tentar caracterizar esse tipo de comportamento?
Essa situação é muito antiga. O que está surgindo agora é a divulgação, talvez a coragem de começar a denúncia, por isso o aumento. No passado, com a submissão das mulheres em ambientes fechados, elas não tinham como falar, ou seja, também não tinha denúncia e não tinha nada. Muitas mulheres, por isso, carregam uma grande dor em sua existência. E claro, também, muitos agressores são pessoas que também sofreram violência, mas isso não justifica. Nesse sentido, a violência contra a mulher é a soma de diversos problemas, é um drama humano que agora começa a vir a luz. O importante é que à sociedade começa a reagir. Que as autoridades cada vez mais possam se organizar para combater isso com educação, com orientação, com punição; precisamos de uma sociedade equilibrada em que homens e mulheres sejam respeitados e respeitem.
Existe alguma ação ou pastoral que trabalha diretamente no atendimento e também no enfrentamento dos casos de violência contra mulher?
Claro que existem vários grupos que acompanham as mulheres e suas famílias. Existem casas de acolhida e de apoio às mulheres e existem até congregações religiosas que se dedicam a esse cuidado. Existem iniciativas que são diretamente ligadas ao problema e existem iniciativas que chegam ao problema através de outras circunstâncias. Por exemplo, a Pastoral da Criança realiza visitas e encontros nos quais pode também ajudar as mulheres vítimas de violência. Inclusive, a Pastoral da Criança entrava nas casas e encontrava também os avós que precisavam de ajuda, até que, em 2007, surgiu a Pastoral da Pessoa Idosa. Essa questão da violência também é tratada pelos movimentos familiares, Pastoral Familiar, Encontro de Casais e outras iniciativas que possam promover encontros de diálogo. Essa violência não acontece só em ambientes de vulnerabilidade social, acontece em todos os ambientes, até pessoas da classe média, classe alta e em todas as classes. Esse tipo de violência, lá dentro das casas, pode acontecer de muitas formas. Tanto que qualquer pastoral que chega lá no bairro, lá na favela, que chega em todos os ambientes são oportunidades de ajudar. Claro que ainda são pequenas as iniciativas, mas devemos fazer crescer para que o respeito e a dignidade das pessoas sejam protegidos.
Dom Carlos, o Sacramento do Matrimônio é indissolúvel. Uma mulher que sofre violência, seja ela física, moral ou psicológica, tem o dever de manter o casamento?
Sim, o Sacramento do Matrimônio é indissolúvel. Agora, quando tem violência, nós já temos que nos perguntar se esse casamento existe? Ele não seria nulo na sua origem? Como foi a sua origem? Qual foi a consciência? Como se chegou a isto, a esta situação? Antes de tudo o sacramento é amor, então como é que pode ter violência? Não pode ter violência dentro do Sacramento do Matrimônio, é uma contradição. O marido cristão deve rejeitar com veemência a violência contra a esposa. O Matrimônio é indissolúvel e temos que cuidar da vida, pois a vida está em primeiro lugar. Mesmo que exista o Sacramento do Matrimônio, se este degenerou para uma violência, tem que pensar agora em respeitar a vida dessa pessoa e, depois, ver se é possível restaurar o sonho do amor. Ou seja, não é possível manter em nome da indissolubilidade do Matrimônio, uma violência. A própria Pastoral Familiar e outros grupos acompanham jovens que se preparam para casar.
Um fato grave é que muitas vezes o comportamento abusivo começa a aparecer logo no período de namoro e noivado, mesmo que de forma mais simulada. É bom ficar atento né?
Muito atento, sim! “Onde tem fumaça, tem fogo”, então, se isso aparece já no tempo de paixão, quando estão se conhecendo, já é para dar um grande alerta. Eu acho que ninguém deve entrar em um casamento como um destino. O casamento é o encontro de duas pessoas livres, senão nem acontece o Matrimônio, e são duas liberdades, pessoas maduras e que se amam, se compreendem, se perdoam e se respeitam. A gente trabalha muito essa questão da preparação dos casamentos e reflete. Acredito que quando alguém marcou o casamento na Igreja, marcou a data, marcou o buffet, o fotógrafo e aí depois vai fazer a preparação para o casamento, eu acho que essa preparação já está comprometida, não deveria ser assim. A preparação deve anteceder a tudo isso, inclusive para decidir não casar. Deveria ser dessa forma, ou seja, não poderia estar tudo marcado e aí se faze a preparação. É como se o rapaz que quisesse ser padre, marcasse a data da ordenação, comprasse os paramentos e fizesse os convites, e, depois, então, entrasse para o seminário. Não tem como fazer assim, isso não funciona. O Sacramento do Matrimônio compromete a vida inteira.
Agradecemos a gentileza dessa entrevista, Dom Carlos.
Eu que agradeço. É um tema polêmico, mas eu espero que ajude as pessoas a pensar, a refletir. Isso aqui não é o documento que a gente está escrevendo, a gente está conversando sobre realidades de fronteira, realidades de dor e de sofrimento. Que Deus abençoe a todos! Amém.
Fonte: O Mílite
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