O cenário que a Pastoral Afro Brasileira desenvolve sua missão não afeta a toda população de maneira similar, mas, sim aos afro-brasileiros que sofre o racismo, a exclusão. Conhecer os valores culturais, a história e as tradições dos afro-americanos, entrar em diálogo fraterno e respeitoso com eles, é um passo importante na missão evangelizadora (DAp 532), afirma o episcopado latino-americano.
1 - Como e onde atua a Pastoral Afro fundada e coordenada pela CNBB?
A pastoral Afrobrasileira é uma boa notícia construída ao longo de muitos anos, através do esforço dos diferentes agentes de pastoral católicos que, em nome da sua fé, procuraram encontrar espaços de atuação e testemunho na vida e na missão da Igreja. No entanto, há 36 anos, a Pastoral Afrobrasileira foi fundada e assumida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, enquanto estrutura da Igreja com o recorte visibilizando os valores humanos, religiosos, culturais e sociais da população negra: a igreja apoia o diálogo entre cultura negra e fé cristã e suas lutas pela justiça social, e incentiva a participação ativa dos afro-americanos nas ações pastorais de nossas Igrejas e do CELAM (DAp 533).
A presença e importância da PAB é determinada pelo mandato de Jesus: vão, portanto, e façam que todas as nações se tornem discipulas, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-as a observar tudo o que lhes ordenei. Eis que estarei com vocês todos os dias, até o fim dos tempos (cf. Mt 28,18-20). Sendo assim, a PAB, só pode ser compreendida nesta intima união com a Palavra de Deus, o magistério da Igreja e as diretrizes da ação evangelizadora, (DGAE), constituindo uma das expressões mais significativas da colegialidade e da missionariedade da Igreja no Brasil. Portanto, a PAB é a ação da Igreja, ela faz parte desta caminhada conjunta construindo o Reino de Deus que em Jesus de Nazaré chegou à sua plena realização.
A Campanha da Fraternidade de 1988 é um referencial importante nesta caminhada. Respondeu aos anseios da comunidade negra católica e significou uma nova forma de relação. Viu-se que nas comunidades havia uma presença significativa da população negra. Muitos agentes de pastoral e lideranças diversas eram descendentes de africanos. Para isto fazia-se necessário o despojamento dos preconceitos e atitudes discriminatórias que também estavam nas lideranças, nos padres, nos religiosos e religiosas.
A pastoral afro-brasileira integra a Comissão Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz e as demais Pastorais Sociais da CNBB e tem como Bispo referencial, Dom Zanoni Demettino Castro, Arcebispo de Feira de Santana/Bahia, o assessor nacional Padre José Enes de Jesus, Arquidiocese de São Paulo.
Tendo como referência a organização eclesial da CNBB, a PAB se organiza, de igual forma, a nível regional, diocesano e paroquial. Em comunhão com a missão da Igreja no Brasil, nós afro-brasileiros assumimos as Diretrizes e as Linhas de Ação, contribuindo com a ação evangelizadora na inculturação do Evangelho. É nosso desejo ser presença evangelizadora em todas as instancias, setores e serviços da Igreja. Cremos na presença do Espírito Santo, protagonista primordial da evangelização.
A população negra.
Estamos realizando o processo de releitura do Documento 85, da série Estudos CNBB, pelos diversos grupos nos regionais, dioceses e paróquias. Está em formação o GT, composto por bispos, padres, leigos e leigas, religiosos e religiosas para a construção de um texto a ser apresentado na Assembleia Geral da CNBB, será de fundamental importância para a ação evangelizadora da Igreja no Brasil, acolhendo assim o desejo e sonho de Dom Hélder: que a CNBB entre de cheio na causa do negro.
2 - Quais são atualmente as maiores formas de racismo contra a população negra no Brasil?
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), informa que 54% do total da população brasileira é originário de pretos e pretas. Temos presente de que a realidade social nos desafia ao anúncio da Boa Notícia, nesta sociedade onde impera a violência, o desemprego, a fome, o analfabetismo, a perda da identidade, tendo como resultado a exclusão, a esperança ameaçada. “Observando com atenção as nossas sociedades contemporâneas, nos deparamos com numerosas contradições que nos induzem a perguntar se realmente a igual dignidade de todos os seres humanos, solenemente proclamada há 70 anos, é reconhecida, respeitada, protegida e promovida em todas as circunstâncias” afirma o Papa Francisco (FT 22),.
Compreendemos que, o racismo no Brasil não é praticado de forma velada, mas sim escancarada, especialmente considerando os aspectos estruturais e institucionais. A representatividade é relevante nas relações sociais, a fim de reconhecer a identidade de um grupo e reforçar o direito de igualdade em um caminho diverso. A falta de oportunidades no mercado de trabalho, a desigualdade na distribuição de renda, o percentual da população carcerária e as condições desiguais de moradia e, também o feminicídio e intolerância religiosa só ressaltam isso. Podemos verificar tal realidade de acordo com o Atlas da Violência , os dados demonstram que ainda existe um percurso árduo para a população negra ser realmente valorizada e respeitada. Entretanto, as vítimas desta realidade difícil, em sua maioria são os negros e, novamente nos envergonham as expressões de racismo (FT 20), acentua o Papa Francisco.
A legislação brasileira teve um papel importante nisso com Lei no 14.532/2023, que equipara a injúria racial ao crime de racismo no Brasil, bem como a criação do Dia da Consciência Negra. Porém, ainda é preciso ter mais ações afirmativas de combate à discriminação, proporcionando transformações culturais, sociais e religiosas segmentadas pelo respeito e pela empatia.
Portanto, a PAB tem consciência de que somos desafiados a propor uma ação pastoral com o viés antirracista, oportunizar uma ação evangelizadora inclusiva, multidisciplinar e nos esforçarmos para eliminar conceitos raciais de forma estrutural e aceitar que a educação é a estratégia mais efetiva para combater esse mal. Às vezes deixa-me triste o fato de, apesar de estar dotada de tais motivações, a Igreja ter demorado tanto tempo a condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência (FT86), afirma o Papa Francisco
3 - Fraternidade e Amizade Social - somos todos irmãos. A conscientização começa a partir da escola. Essa conscientização é já uma realidade brasileira ou ainda estamos longe?
No dia 17 de julho de 2013, foi realizada na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, uma reunião onde foram dados os passos iniciais para redefinir a articulação da pastoral afro-brasileira no Brasil. A reunião discutiu a formação de lideranças, de novos grupos, aliada à presença da igreja, na realidade do povo brasileiro, que conta com uma parcela significativa de afro-brasileiros.
Na ocasião dom João Alves, destacou a importância da presença dos afrodescendentes na formação da sociedade brasileira e a inserção do ensino, nas escolas públicas e
particulares da educação básica, de conteúdos relacionados à história e à cultura afro- brasileiras. (cf. https://www.cnbb.org.br/implementacao-de-historia-e-cultura- afrobrasileira-no-ensino-basico-e-discutida-na-cnbb/).
“História e cultura africana e afro-brasileira na escola”. Este é o título do subsídio elaborado pelo Grupo de Trabalho de Educadoras Negras, da Pastoral da Afrobrasileira, da CNBB. O texto lançado em 19/09/2013, ao final da reunião do Conselho Episcopal Pastoral, em Brasília, é um instrumento de formação, atualização e engajamento pastoral para a militância cristã e cidadã de todas as pessoas que assumem a causa dos afro- brasileiros.
De acordo com o subsídio, a Lei 10.639, que completou dez anos em janeiro de 2013, ainda não foi implementada em todo o território nacional. Esta lei altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no9.394, de 20 de dezembro de 1996, incluindo os artigos 26 A e 79 A e 79 B, que apontam a obrigatoriedade do ensino de História e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras no ambiente escolar. Segundo uma das integrantes do Grupo de Trabalho, Francisca Isabel Bueno, “o subsídio serve de suporte para os educadores fazerem seus trabalhos”. (cf. https://www.cnbb.org.br/pastoral-afro- lanca-subsidio-sobre-os-dez-anos-da-lei-10639-2/).
Portanto, estamos a caminho. Vários passos já foram dados, mas estamos ainda longe. Vemos vários tipos de educação inclusiva nascendo nas Comunidades da periferia, que leva em conta a história, a cultura, a religiosidade proporcionando encontros e descobertas maravilhosas. Em alusão ao compositor Vinicius de Moraes o Papa Francisco, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida, “já várias vezes convidei a
desenvolver uma cultura do encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma amizade rica de matizes, porque “o todo é superior à parte” (FT 215), é o desejo do Papa Francisco.
4 - Quanto é importante iniciativas como a cota nas universidades? Existem iniciativas semelhantes?
As cotas nas universidades representam um ganho significativo na formação dos afrodescendentes. As cotas proporcionaram a inclusão de negros e negras no mercado de
trabalho, agora fica a pergunta: após sua qualificação, como vão empreender ou concorrer com os profissionais que já receberam de herança o “posto de trabalho”?
Os “cursinhos pré-vestibulares” que atuam nas periferias das cidades oferecendo a possibilidade de um reforço escolar com conteúdo relativos à história dos afro-brasileiros e cidadania; serviço de bolsas universitárias para negros e negras. Creio que estamos no caminho certo
5 - Quais as orientações para uma vítima de racismo? Como podem se defender?
Compreendemos ser nossa missão, incentivar a solidariedade e o diálogo com as instâncias da sociedade civil que representam o povo negro e outros grupos solidários que
lutam e se comprometem com a recuperação da dignidade dos afro-brasileiros. A luta pela cidadania é ainda um desafio presente.
Em geral, encaminhamos a vítima para algum parceiro nosso no lugar onde ocorreu o fato, para as providências cabíveis. CDDH, Cáritas Diocesanas e ou grupos de agentes organizados nos Regionais. Nos lugares em que a caminhada ainda é embrionária ou não há a consciência eclesial, uma palavra e gesto de apoio podem ser determinantes.
O secretariado de Pastoral Afro-brasileira da CNBB através da PASCOM/PAB está inteiramente a serviço dos Regionais e das Dioceses na missão de inculturar o Evangelho a partir da cultura, história e religiosidade das Comunidades Negras, só a proximidade que nos faz amigos nos permite apreciar profundamente os valores dos pobres de hoje, e a exemplo de São Francisco de Assis ser irmão, irmã dos mais vulneráveis da sociedade.
Pe. Guanair da Silva Santos, sacerdote pertencente a Arquidiocese de Juiz de Fora. Membro da Coordenação Nacional da Pastoral afrobrasileira; coordena o setor Comunicação da PAB; Secretário do Instituto Mariama; Mestre em Teologia com concentração em Liturgia; cursando Hipinoterapia ericksoniana; Constelação Sistêmica Organizacional e Irmã Renata, da congregação Filhas de São Paulo e integrante da Pastoral Afro Brasil.
E-mail: guanair2012@gmail.com
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