Reportagem

Cuidar uns dos outros

Uma das profissões que mais cresceu nos últimos anos é a de cuidador de idosos, mais de 5 milhões de pessoas se dedicam a cuidar de familiares no Brasil, e mais de 6 milhões de profissionais saúde atuam no país. Mas quem cuida de quem cuida?

Escrito por MI

06 FEV 2023 - 00H00

Ana Cristina Ribeiro e Paulo Teixeira

A pessoa humana é dotada de forças e capacidades. Contudo, muitas vezes, as fragilidades da vida se fazem aparentes. A doença, a idade avançada, as deficiências mostram como precisamos uns dos outros para nos cuidar. Muitas pessoas, de forma profissional, voluntária ou por dever familiar, empenham suas energias e capacidades para cuidar de quem mais precisa. Em setembro de 2020 o Papa Francisco recordou que “para sair de uma pandemia, é preciso cuidar-se e cuidar uns dos outros. E devemos apoiar aqueles que cuidam dos mais frágeis, dos doentes e dos idosos”. Segundo o pontífice, os cuidadores “desempenham um papel essencial na sociedade atual, mesmo que muitas vezes não recebam o reconhecimento nem a remuneração que merecem”. O Papa destaca que é uma riqueza humana e cristã o cuidado uns com os outros, “é uma regra de ouro da nossa condição humana, e traz consigo saúde e esperança”. Essa nobre missão de cuidado precisa de atenção da sociedade.

Profissionais

Estudo da Organização Panamericana da saúde (OPAS) realizado em 11 países e intitulado COVID-19 Health care workers Study (HEROES) indica que entre 14,7% e 22% dos profissionais de saúde entrevistados apresentam sintomas de depressão.

Para a psicóloga Jaqueline Ramos, essa pesquisa reflete o cenário da pandemia. “Ainda estamos tentando sair da situação de pandemia. Foi e tem sido uma época muito dura, especialmente para os profissionais da saúde e dos que estão na linha de frente desse trabalho”, destaca Jaqueline. É uma linha de frente “ampla” porque não diz respeito somente aos profissionais dos hospitais, mas também da área de farmácia, odontologia e fisioterapia, por exemplo.

Divulgação
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Padre José Wilson faz parte da Ordem dos Ministros dos Enfermos, conhecidos como Camilianos porque a ordem foi fundada por São Camilo de Lelis em 1582. O sacerdote conta os momentos duros que passou recentemente. “Passei oito meses dentro de um hospital no início da pandemia. Estive na linha de frente atendendo as demandas religiosas não só dos pacientes, mas também dos profissionais. Entrava cedo e saia tarde da noite do hospital. Estive junto aos doentes e também com os profissionais da saúde. Foi um momento em que o lado espiritual brotou muito forte em todos. Não se sabia bem o que fazer diante da pandeia, então, o melhor que se podia fazer era rezar”, recorda Padre Wilson.

O padre transmitia notícias dos doentes para os familiares, abençoava os médicos e enfermeiros, celebrava a unção dos enfermos com o doente no quarto e a família acompanhando por videochamada; e esteve presente com as famílias no duro momento em que não era possível realizar velórios, conduzia as celebrações das exéquias no hospital, com o corpo do familiar, enquanto os parentes acompanhavam no cemitério, por videochamada. Um tempo realmente muito duro e uma experiência marcante para o sacerdote.

Alex Motta, Coordenador Nacional da Pastoral da Saúde, conta que durante o período mais difícil da pandemia os agentes não puderam fazer visitas aos hospitais, mas se comprometeram com outras atividades. “Os agentes se dedicaram a produzir máscaras, fraldas e roupinhas para crianças. Quem foi a ponte entre as pessoas necessitadas e os agentes foram os profissionais de saúde que levavam os materiais a quem precisava”, recorda Alex Motta. Inclusive, relatou que muitos profissionais da saúde, católicos atuantes em suas comunidades, foram instituídos como Ministros Extraordinários da Comunhão Eucarística para assistir aos doentes hospitalizados.

Não foi fácil para ninguém, cada um recorda os desafios nesse tempo difícil, mas para muitos foi mais complexo e ainda está sendo difícil. Segundo pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 95% dos trabalhadores da saúde tiveram alterações significativas no modo de vida, como variações na jornada de trabalho, atuação em outras unidades de saúde e em funções diferentes. A pesquisa intitulada Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19, foi publicada em março de 2021 e destaca que os principais prejuízos que os profissionais da saúde sentiram foi perda de sono, irritabilidade, estresse, tristeza e alteração no apetite.

Os profissionais da saúde, em geral, segundo o Ministério da Saúde, são 6,6 milhões de pessoas. Sendo quase 3 milhões de profissionais da área de enfermagem. Alex Motta, da Pastoral da Saúde, ressalta que é importante humanizar as relações no âmbito da saúde. “A gente prioriza a humanização. É necessário compreender a questão da pessoa doente, da família que está lá com suas angústias e os profissionais que são pessoas com diversos desafios. A Pastoral da Saúde faz a interlocução com os profissionais de saúde para que saibam que não estão sozinhos e nem desamparados. Mostramos a presença da Igreja e somos solidários com aqueles que trabalham em dois ou mais lugares, e vivem suas aflições”, explica Alex Motta.

“Quem cuida precisa se cuidar”, diz Padre José Wilson que dirige o Instituto Camiliano de Pastoral da Saúde. Conhecedor das rotinas hospitalares, indica que “aqueles que estão na linha de frente da pandemia, e quem atua diretamente na saúde, precisam de cuidados em diversos aspectos”. É necessária uma cultura da atenção que promova diversas ações permanentes para os trabalhadores. “É preciso que o profissional de saúde esteja bem consigo mesmo e com os outros. Em nosso hospital há aulas de pilates para os profissionais, por exemplo; as empresas podem oferecer informações nutricionais, orientação financeira, espaços para meditação e, certamente, favorecer o campo da espiritualidade, mesmo que não seja confessional. Se pode fazer muita coisa para promover a saúde que quem cuida”, observa Padre José Wilson.

Muitas vezes a espiritualidade parece ser algo estranho aos ambientes de trabalho, ou que ciência e religião não combinam, mas a espiritualidade é parte integrante.

Padre José Wilson, religioso camiliano; Jaqueline Ramos, psicóloga da pessoa. “A espiritualidade melhora o quadro de recuperação dos pacientes. Independentemente do credo do paciente, da família ou dos profissionais de saúde, é um elemento importante”, destaca Alex Motta que reforça a importância das capelanias hospitalares e dos estudos sobre a fé nos tratamentos de saúde.

Família

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 5 milhões de pessoas cuidam de parentes idosos. Segundo o mesmo instituto, as mulheres são a maioria como cuidadoras e empregam cerca de 10 horas do dia nessa atividade. Muitas famílias são surpreendidas pela doença e precisam se organizar para o cuidado. Às vezes a vovó que cuidou dos netos não pode mais ajudar e precisa ela mesmo de cuidados. Diante da necessidade de uma mo¬bilização familiar de cuidado, Alex Motta aponta que “primeiro temos que agir com amor, reconhecer na pessoa doente um familiar que fez pela família, e poder corresponder. Não tem receita especifica, varia de acordo com cada família, mas a re¬ceita universal é o amor.”

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Para Jaqueline Ramos esse é um grande desafio. “O familiar destacado como cuidador, ou os que se revezam, dependendo de como for a realidade, enfrentam uma sobrecarga de trabalho por um período indeterminado. Isso compromete a qualidade de vida. Sobretudo quando tem uma dependência funcional”. A psicóloga destaca que “a família precisa de suporte emocional e profissional para que colaborem com o apoio e com a prática do cuidado e transmitam instruções. É necessário ajuda profissional para enfrentar os desafios de maneira mais assistida e com suporte”.

“Os cuidados relacionados a medicações, exercícios e curativos, por exemplo, precisam da orientação profissional. Desde 2016 o Ministério da Saúde oferece aos municípios o Serviço de Atenção Domiciliar (SAD). Alguns municípios tem o médico de família que é importante para cuidar do doente e de todos”, destaca Alex Motta.

Padre José Wilson alerta para a “síndrome do cuidador” que é o desejo de fazer tudo pelo doente, mas não ser capaz de tudo. “Somos atacados por ela quando queremos fazer tudo pelo doente e acabamos abalando diversas áreas da nossa vida. Na dimensão física pode ter dores, no âmbito psicológico a depressão, no contexto social pode ocorrer o isolamento. Muitas vezes a pessoa precisa, de fato, fazer tudo pelo doente, mas prejudicar quem cuida é um risco”.

O cuidado profissional de idosos é a função que mais cresceu no Brasil na última década, segundo informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e Previdência. Em geral são profissionais com formação na área de enfermagem que assumem esse serviço, mas há também cursos livres que qualificam para esse serviço. Para os cuidadores, profissionais ou familiares, Jaqueline Ramos recorda que “estar bem para poder cuidar é uma das chaves para ajudar o doente nesse processo que muitas vezes tem período indeterminado. É importante prestar atenção para o cuidador não se anular, porque diante das próprias necessidades e desejos pessoais, a pessoa pode renunciar a tudo para cuidar”. A psicóloga dá dicas para que a pessoa não se perca nesse processo: “É interessante procurar um cuidado pessoal, descobrir o autocuidado promovido por meio de leituras, exercícios físicos, músicas. O autocuidado pode ser diverso e é sempre voltado a algo que faz bem para o cuidador, algo para não se esquecer de si próprio”

Fonte: O Mílite

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