Reportagem

A mais forte das virtudes

A esperança é a virtude que leva o homem a olhar para o futuro, e nessas linhas trazemos histórias e iniciativas que levam esperança para o coração do homem fragilizado

Escrito por Ana Cristina Ribeiro e Núria Coelho

05 JAN 2023 - 00H00

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Vivendo e vendo o tempo passar percebemos que a nossa única realidade está no presente. O passado já foi, o futuro ainda não chegou. Contudo, nosso presente leva as marcas do passado e a esperança é que nos move para o futuro. O passado tem fortemente a marca de nossa fé. Temos um evento central que determina, em grande parte, nossa história.

Os Papas já falaram muito sobre esperança. Papa Francisco diz que esperança é “a menor das virtudes, mas a mais forte. E a nossa esperança tem um rosto: o rosto do Senhor ressuscitado, que vem ‘com grande poder na glória’” (Angelus de 15 de novembro de 2015). João Paulo I dedicou uma catequese à esperança e declarou que “a esperança é uma virtude obrigatória”. São João Paulo II defendia que os cristãos são testemunhas de esperança e o Papa Emérito, Bento XVI, dedicou uma encíclica à esperança: Spe Salvi, e nela reforçou que é uma virtude que muda a vida.

O ano de 2020 foi um marco para a história. O mundo parou. O sorriso se escondeu por trás da máscara, o abraço se tornou um risco e passamos a lutar por algo invisível. A socialização também mudou. Foi preciso se distanciar das pessoas. Sonhos e projetos foram interrompidos e muitas vidas foram perdidas, e ter esperança parecia ser impossível. Mas, com a chegada das vacinas, graças ao árduo trabalho dos pesquisadores e cientistas, hoje podemos dizer que a esperança voltou a bater na nossa porta.

Ir ao encontro do outro

Os desafios do tempo pandêmico também alcançaram ações sociais que assistem pessoas em vulnerabilidade social, como é o caso do grupo franciscano conhecido como SEFRAS. A pandemia, além dos graves riscos à saúde, também piorou a situação de diversas famílias. Isso sem falar nas entidades assistenciais que estão precisando de recursos financeiros para comprar alimentos e fazer atendimentos à população pobre.

O Serviço Franciscano de Solidariedade (SEFRAS), da Igreja de São Francisco, combate a fome e a violação dos direitos há 22 anos. Entre muitos projetos que o serviço realiza, o mais antigo é o “Chá do Padre”, que atende, atualmente, quatro mil pessoas por dia, na Rua Riachuelo, no centro da capital paulista. Cerca de duas mil refeições são oferecidas diariamente à população em situação de rua, aos desempregados, imigrantes e refugiados, nas ações franciscanas de combate aos impactos da pandemia.

Para Frei Marx Rodrigues, diretor secretário do SEFRAS e responsável pela frente de solidariedade, conta como o serviço tornou-se sinal de esperança para os irmãos necessitados: “Temos um lado em nós inquieto, enquanto o sofrimento está lá. Existe um pedaço de uma mãe que dói ao ver uma criança na rua, existe uma parte de uma cozinheira que dói ao saber que aquela pessoa não terá o que comer amanhã. A capacidade de abraçar esses povos não só os humaniza, como humaniza a nós mesmos. Porque cada cristão tem um pouco de esperança e bondade que precisam ser cultivadas para brotar, e isso pode ser concretizado com gestos como o do Chá do Padre. Daí me vem a passagem em que Jesus diz: “Se vos amardes uns aos outros, todos reconhecerão que sois meus discípulos!”.

SEFRAS conta com 17 atividades que atendem público variado: crianças e adolescentes, imigrantes e refugiados, população de rua, idosos e pessoas acometidas de hanseníase. Há também uma ação em combate ao trabalho análogo à escravidão e a proteção de pessoas que estão em território de vulnerabilidade social. O “Chá do Padre” começou antes do SEFRAS. Iniciou com o desejo de matar a fome do povo de rua e, para não dar somente pão, passou- -se a dar chá e foi daí que surgiu o nome. Atualmente o Chá é um serviço de portas abertas, que passou a ser um Centro de convivência. As pessoas que chegam lá podem interagir com seu semelhante e receber as refeições que são oferecidas: almoço, lanche e janta, e no tempo frio são acolhidas para passarem a noite no local. “Oferecemos banho, produtos de higiene também. Atendimento de saúde em parceria com o hospital da rua, apoio psicológico e também preparamos a pessoas para a procura de emprego. Há de se pensar que é preciso sair de si para ir ao encontro do outro. O mundo hoje necessita de apelos humanitários, apelos cristãos, e é preciso cultivar, celebrar, manter no coração a nossa necessidade de ir ao encontro de quem precisa”, reforça Frei Marx.

Vida nova

Um dos objetivos da Fazenda da Esperança, como o nome já intui, é dar a esperança de um novo amanhecer aos que procuram por ela. A organização é uma comunidade terapêutica que atua desde 1983 no processo de recuperação de dependentes químicos. Com mais de 160 unidades em 25 países e em todo território brasileiro, a Fazenda da Esperança nasceu em Guaratinguetá, com Frei Hans e um jovem paroquiano que, comprometido com o próximo, viu a necessidade de realizar um trabalho de espiritualidade e recuperação com pessoas viciadas em álcool e drogas.


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Além do acolhimento a dependentes químicos, a Fazenda também presta serviço de caridade, acolhimento para crianças órfãs, pessoas portadoras de HIV, que estão em fase terminal, dos quais a família não consegue cuidar, e pessoas com problemas psiquiátricos, que são rejeitadas pelos familiares. Padre José Luiz de Menezes, presidente geral da Fazenda da Esperança, conta que a Palavra de Deus é a força que move a organização: “Prestamos esses serviços motivados pelo Evangelho e buscamos motivar todos a viverem a Palavra de Deus, que é força motora que nos faz realizar esse trabalho de fraternidade. O propósito do nosso trabalho é acolher pessoas em situação vulnerável, desde a infância, na fase adulta e na velhice também.”

Tripé da esperança

Trabalho, espiritualidade e convivência são as três ações que norteiam os trabalhos da Fazenda da Esperança. Diariamente são distribuídas as atividades para os assistidos pela organização. A primeira atividade começa pela manhã com a reflexão da Palavra de Deus, seguida do café, e a partir daí são entregues as demais ações do dia como: cuidados da horta, do jardim e padaria; e pela tarde eles descansam, escrevem cartas para os familiares, e após o jantar acontece o momento de partilha, em que é exposta a experiência que cada um viveu naquele dia, como destaca Padre José: “Se houve conflito na convivência, trabalha-se a reconciliação, o perdão. Tudo isso é realizado no dia a dia e a cada experiência são apresentados os traumas e as dificuldades da convivência familiar. Infelizmente o relacionamento com a família está muito fragilizado e muitas vezes é a raiz que leva a pessoa à dependência química.” O tempo médio de tratamento é de um ano, mas muitos se identificam com o carisma da Fazenda e decidem tornar-se missionários: “Alguns se sentem gratos por terem recebido atendimento e pedem para servir como missionários por quatro ou cinco anos e só depois disso seguem suas vidas”, reforça o sacerdote.

A Fazenda também oferece aos assistidos a integração social e o direcionamento profissional ao invés de profissionalizá-los, pois foi a melhor maneira de se inserirem novamente na sociedade: “Fizemos a experiência de profissionalizar no início do projeto da Fazenda, mas isso tirava o foco do tratamento que era essencial, então por experiência deixamos essa proposta de lado. Entendemos que não deveríamos criar expectativa neles, focando apenas na mudança de vida: ser um homem novo, mudando de dentro para fora. Muitos se permitiram essa mudança e hoje trabalham em grandes empresas”, partilhou Padre José Luiz.

Esperança na diversidade

Frei Paolo Maria, da Ordem do Frades Menores Capuchinhos, é missionário há mais de 15 anos na comunidade indígena Ticuna Belém do Solimões, localizada na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Sua missão é sinal de esperança para o povo ticuna que viu na presença dos frades capuchinhos a possibilidade de resgatar e valorizar a cultura dos indígenas por meio dos cantos.

A 1500 km de Manaus e algumas horas de barco da fronteira com Peru e Colômbia, a aldeia Eware I e II está numa área demarcada em que é necessária a permissão da FUNAI para entrar. É uma das maiores aldeias do Amazonas, que alcança quase 5 mil habitantes. O único caminho de comunicação entre as comunidades indígenas é por via fluvial e a locomoção acontece em canoas de madeira. Não há linha telefônica fixa e o único meio de contato digital é pela rede de internet usada na escola de informática, projeto da Caritas.

Para Frei Paolo, realizar este ofício é uma lição de fé e esperança: “É um grande privilégio morar junto dos povos indígenas que, infelizmente, são vítimas de muito preconceito. É uma riqueza imensa partilhar a vida com esses povos. Eles vivem de fato o carisma da fraternidade e são um povo muito trabalhador. A maioria das famílias vive da agricultura e da pesca. Eles têm uma ligação impressionante com a natureza, e nós franciscanos aprendemos o valor dessa relação da criatura com a criação aqui, como São Francisco nos ensinou”, destaca o frade.

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Sobre o projeto de resgate e valorização da cultura dos indígenas por meio dos cantos, Frei Paolo ressalta: “A língua materna deles é a Ticuna que é uma língua isolada e difícil. Não tem comparação com nenhuma das línguas das Américas. Então por muitos anos eles se sentiram excluídos também na Igreja e na Diocese local, pois não conseguiam interagir. Desde que chegamos aqui vimos que era fundamental eles cantarem e rezarem na língua deles. Fizemos a tradução de alguns cantos e traduzimos algumas orações como a Ave-Maria. Hoje temos uma produção enorme de cantos, cerca de 200 cantos bíblicos traduzidos por eles”.

O projeto de tradução da Sagrada Escritura está em andamento, porém, a bíblia infantil já foi traduzida e é usada nos grupos de catequese infantil da aldeia. Em 2019 aconteceu o Sínodo para a Amazônia, uma resposta do Papa Francisco à realidade da Pan-Amazônica. Para Frei Paolo, esse evento foi a voz da Igreja que veio ao encontro da missão dos Frades Capuchinhos: “A Igreja toda quer nos conscientizar de que Deus se fez carne, e que cada cultura deve ser respeitada em todas as suas dimensões. Para nós o Sínodo foi um grande encorajamento, já estávamos tentando caminhar nessa direção e, quando chegou a voz da Mãe Igreja, nos sentimos tão felizes e tão encorajados que agora não sentimos medo.”

Fonte: O Mílite

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