Reportagem

Retratos da sociedade

Dados apontam que houve aumento de 7% no número de crimes violentos de janeiro a maio comparado ao mesmo período de 2019

Escrito por MI

02 OUT 2020 - 00H00 (Atualizada em 03 MAI 2021 - 12H49)




Por Ana Cristina Ribeiro e Núria Coelho

A violência está presente em várias realidades sociais. Ela destrói comunidades inteiras, provoca morte e traz tristeza. Coloca uma sociedade à frente do medo e da insegurança, além de trazer inúmeros prejuízos para a humanidade.

No Brasil a violência está nas ruas, nas escolas, em casa, na política, no campo. Neste ano o país apresentou um aumento de 8% no número de assassinatos em abril comparado ao mesmo do ano passado. O número aumentou mesmo em meio à pandemia da Covid-19, período onde foram impostas as medidas de isolamento social.

Para conscientizar sobre a gravidade desta situação foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) o Dia Internacional da Não Violência, celebrado no dia 2 de outubro, em homenagem ao pacifista Mahatma Gandhi. O propósito da data é incentivar a educação pela paz, respeitando sempre os direitos humanos.

Violência doméstica e familiar

A pandemia da Covid-19 trouxe mudanças na vida de todos e, no período de confinamento, a convivência familiar foi intensificada, aumentando a instabilidade emocional, a insegurança e a dificuldade financeira, entre outros problemas.

No Brasil, a violência doméstica e familiar já tinha um número expressivo de processos. Até o final de 2019, mais de 560 mil casos foram registrados no Brasil. Em junho deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo registrou aumento de 21,9% na distribuição de medidas protetivas, chegando a 5.104 durante o mês, contra 4.186 em junho do ano passado. Em relação à distribuição de feitos da competência de violência doméstica, a alta foi de 24,9% em relação a junho de 2019.

A violência doméstica e familiar é qualquer ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Essa violência pode acontecer no âmbito da unidade doméstica, ou seja, no ambiente de convívio entre as pessoas, bem como em outros espaços familiares ou em qualquer lugar em que haja relação íntima de afeto. Ao contrário do que muita gente pensa, a violência doméstica e familiar não começa pela agressão física, mas a agressão é o seu último estágio.

A advogada Débora Veneral, Diretora da Escola Superior de Gestão Pública, Política, Jurídica e Segurança do Centro Universitário Internacional Uninter fala sobre o perfil do agressor: “Os agressores podem ser pessoas com ou sem vínculo familiar com a vítima, os quais são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. E, também, aqueles que mantêm relação íntima de afeto com a vítima, nos casos em que esta e o agressor tenham convivido independentemente de habitarem no mesmo local”.

A advogada também explicou que a violência doméstica não é apenas a realidade de mulheres da classe baixa, mas também chega às mulheres de outras classes sociais: “a violência atinge todas as mulheres. Não há distinção de idade, raça, etnia, orientação sexual, classe social, renda, cultura, nível educacional, religião e, inclusive, de país. Definitivamente verifica-se que o poder aquisitivo maior ou menor não interfere na violência doméstica. Ao contrário, a depender da classe social, algumas vítimas evitam exposição e denúncia das violências, fazendo-as somente quando não há mais saída”.

Não denunciar as agressões é um fator muito sério que pode comprometer a segurança da pessoa agredida. A maioria não o faz por medo e, quando a violência é psicológica, muitas vezes a vítima sequer sabe identificar o problema, pois entende que culturalmente a situação que vive é comum. “No caso da violência física, portanto, mais aparente, a depender do grau dos danos, a mulher tem medo de morrer. E, de fato, quando denuncia, não raro, é friamente morta pelo seu agressor. Da mesma forma, há os casos em que, ao denunciar, a mulher passa a viver uma situação de total pressão, submissão e ameaças. Outro fator também pode ser a dependência financeira”, reforça Débora.

Denunciar é o melhor caminho

Proteger uma vida vai além, não é uma questão de intromissão na vida alheia, mas sim uma atitude capaz de preservar a vida e a dignidade da vítima. É preciso denunciar. Os meios de comunicação e as mídias sociais estão mais acessíveis e podem ajudar nesse sentido.

Em caso de violência contra a mulher, é preciso ligar para 100 ou 180, além dos números da polícia militar, guarda municipal, dentre outros que cada cidade deve disponibilizar à população.

Violência no campo

A violência não é apenas uma realidade vivida nas grandes cidades, também está presente no campo. Dados da Comissão Pastoral da Terra apontam que só em 2019 foram 1.833 conflitos, a maior quantidade dos últimos 15 anos. O número representa cinco conflitos a cada dia. Desse total, 1.254 estavam relacionados à terra e 489 à água, enquanto 90 tiveram origem trabalhista.

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), órgão da Igreja Católica, vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), também está na linha de frente em dar apoio aos povos indígenas do Brasil na luta contra a violência no campo. Atualmente, a demanda é de apoio jurídico em defesa de territórios para as comunidades. O maior desafio que encontram é ter o apoio da legislação e de autoridades que não propiciam esses direitos aos indígenas.

Antônio Eduardo Cerqueira, secretário Executivo do CIMI, fala sobre a realidade desses povos no atual momento da pandemia: “A primeira atitude que tomamos com o início da pandemia foi de retirar todos os missionários das áreas e pedir aos povos indígenas que fechassem o território. Os territórios foram fechados, mas nenhum deles teve o apoio do Governo Federal, nem da FUNAI, nem do Ibama, nem da Polícia Federal e nem do Ministério da Justiça. Não houve nenhum apoio em solidariedade a esses povos. Temos mais de 600 índios mortos pela Covid-19 e quase 20 mil infectados.”

O legislativo precisou criar um projeto de lei para que o Governo Federal cumprisse com o compromisso de dar assistência para os indígenas, mas, segundo o secretário do CIMI, houve veto a 80% dos artigos da lei que propiciava um atendimento adequado aos povos indígenas: “Foram vetados os artigos que davam acesso a medicamentos, aos leitos dos hospitais e água potável”. O secretário afirma que o combate da violência no campo só vai melhorar quando a justiça funcionar. “Tudo tem sido feito por denúncias, respeitando os trâmites judiciais no sentido de as populações estarem vivendo em conformidade com a lei que é proposta, mas infelizmente a justiça tem agido apenas quando existe algum processo contra os pobres e principalmente as populações do campo. Eles trabalham a favor da elite rural e dos inimigos da permanência dos povos indígenas no campo. Nesses processos a justiça tem sido leniente. Infelizmente a impunidade é um fator de violência no Brasil. Os interesses políticos, econômicos têm prevalecido em função da justiça”.

Violência na política

O cenário político atual tem gerado muitos conflitos, revoltas, debates agressivos e tem afastado muitas pessoas, destruindo amizades e até criando divergência dentro das famílias. Mas esse tipo de violência não é algo recente na política. Há comprovação de que o diálogo conflituoso nessa área existe desde 1889.

A publicação “Conflitos: fotografia e violência política no Brasil 1889-1964”, organizada pela cientista política Angela Alonso e as historiadoras Heloisa Starling, Angela Castro Gomes e pelo pesquisador Vladimir Sacchetta, reuniu fotografias de artistas como Claro Jansson para mostrar um panorama de guerras civis e outros conflitos envolvendo o Estado brasileiro, entre a Proclamação da República em 1889 e o golpe militar de 1964. Para Luiz Guilherme Acaro Conci, professor de direito na PUC - SP e professor titular da faculdade de Direito São Bernardo do Campo, os conflitos sempre existiram e têm sido potencializados pela internet: “As redes sociais e mecanismos digitais que acabam isolando as pessoas em grupos, em ‘bolhas’ e isso faz com que o discurso se radicalize, porque nessas ‘bolhas’ de pessoas que pensam muito próximo. Radicaliza-se o discurso e quando ele sai dessa ‘bolha’ está tão radical que o confronto político vira uma briga, vira uma guerra”.

Para o advogado isso tem relação com a diminuição da moderação política, com os radicalismos que foram se impondo e exigindo radicalismo da sociedade que, por sua vez, passou a exigir mudanças no parlamento, nos partidos, gerando estresse e falta de diálogo entre forças políticas.

O professor conclui dizendo que “a saída para que os conflitos na política acabem é as pessoas voltarem a dialogar. Voltarem a reconhecer no outro alguém respeitável e alguém que pensa diferente, mas que depende também para melhoria das políticas públicas que esse debate exista, mas no nível do respeito, o debate das ideias e não nos debates físicos”, finaliza.

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