Por MI Em Reportagem Atualizada em 03 MAI 2021 - 13H24

Setembro Amarelo: um grito silencioso

Informação em defesa da vida



Por Ana Cristina Ribeiro, Núria Coelho e Vladimir Ribeiro

Alguns meses são simbólicos para a divulgação e o combate de certos problemas, como o mês de outubro que, para falar sobre o combate ao câncer de mama, é conhecido como Outubro Rosa. Também o Novembro Azul, que nos alerta sobre a prevenção do câncer de próstata. E este mês é chamado de Setembro Amarelo, pois vem alertar sobre um assunto sério que acomete muitas pessoas: o suicídio. Cerca de 90% dos casos são evitáveis. Há o receio em falar, mas conversando sobre o tema podemos ajudar muitas pessoas.

A campanha Setembro Amarelo surgiu em 2014 pela iniciativa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM). O dia 10 do mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, mas o assunto deve ser tratado com cuidado e muita atenção durante todo o ano.

São registrados cerca de 12 mil casos todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que a taxa de suicídios no Brasil teve um aumento de 7%, deixando o país na contramão do cenário mundial que registrou queda de 9,8%. Trata-se de uma triste realidade que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens.

Maior parte deles está relacionada a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias químicas, medicamentos e drogas.

A psicóloga clínica Aline Tognato alerta que o aumento dos casos também está relacionado à falta de políticas públicas: “Para iniciar a compreensão do aumento é preciso falar sobre a falta de políticas públicas de prevenção e as questões sociais. As diferenças sociais no país que colaboram com esse aumento”, esclarece.

Aline também ressalta que a faixa etária mais afetada é a dos idosos, porém, cresce também entre jovens e crianças. “Não podemos esquecer que dentro desse número há também os grupos que estão em vulnerabilidade, como moradores de rua, indígenas, negros e autistas. Por não haver um olhar mais cuidadoso sobre eles, os casos aumentam nesses grupos. O preconceito e o abandono também são indícios que levam esses grupos ao suicídio”, reforça a psicóloga.

Especialistas afirmam que há muitos fatores de risco que podem levar uma pessoa a cometer este ato, como o comportamento autodestrutivo, histórico de transtorno mental, como de-pressão, bipolaridade, esquizofrenia, transtorno de personalidade, doenças não psiquiátricas, como câncer, HIV, mal de Parkinson, bullying, história de negligência de abuso sexual e histórico familiar, são alguns deles.

Não ter um lugar na sociedade e se sentir excluído também são motivos que podem levar a pessoa a cometer um mal contra própria vida, como reforça Aline: “Muitos casos também são de pessoas que não conseguiram pertencer a um grupo, porque são diferentes. Trazer essa diferença como uma qualidade é um começo que pode direcionar as pessoas para outros caminhos que não sejam o do suicídio”, esclarece.

Estar atento aos sinais

Terezinha do Carmo Guedes Máximo perdeu a filha Marina. Era a filha caçula e faleceu em março 2017 após 20 dias hospitalizada por complicações de saúde devido a uma intoxicação exógena proposital. A jovem tinha 19 anos e vinha de um quadro grave de depressão, diagnosticado em novembro de 2016.

Ainda assim, ela deu sinais, mas a família tentava amenizar a dor da jovem por meio de diálogos.

Terezinha conta que achava que o fato de a filha falar de morte era apenas um pensamento repentino, comum da adolescência. Nunca imaginou que aconteceria com a sua família.

Após o falecimento da filha, Terezinha começou a pesquisar como passar pelo luto e chegou à conclusão de que é possível prevenir, fato que a levou a questionar o porquê de não ter evitado tamanha dor.

“Por favor, não me esqueça”

Pixabay
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A mãe, como outros familiares em situações semelhantes, não tinha informações sobre o assunto. O suicídio é um tema rodeado por tabus e ela tinha percebido que o luto de quem perde alguém por suicídio é diferente e cercado de culpa.

A partir dessas questões, ela usou da sua dor para realizar um grandioso projeto. Criou um blog para expressar seus sentimentos e dessa forma ajudar outras pessoas a prevenirem o suicídio: “Nessa época eu já frequentava um grupo de apoio. E a maioria das pessoas que frequentava também não tinha informações suficientes. Eu me culpava por não ter conseguido ajudar a minha filha e com o tempo eu percebi que se eu contasse a minha experiência poderia ajudar outras famílias a prevenirem essa situação. Foi nesse intuito que comecei esse trabalho”.

Em novembro de 2017 iniciou os trabalhos no blog nomoblidis.com.br. Lá Terezinha escreve memórias da filha que deixou uma imensa saudade em seu coração. Ela explica o significado da expressão no m'oblidis: “Em seu perfil no WhatsApp Marina havia escrito a frase em catalão ‘Si us plau, no m’oblidis’, que quer dizer: ‘por favor, não me esqueça’. Frase de que levamos meses para descobrir o significado após sua partida. Logo depois resolvemos fazer o blog para contar nossas experiências, descobertas e também falar como é viver depois que se perde alguém que se ama”.

Sentir junto

Freepik
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Uma das principais ações para iniciar a prevenção do suicídio é dar escuta. Ouvir a pessoa e tentar ajudá-la a sair dessa profunda dor. Terezinha ressalta que dar escuta e acolher a pessoa que passa por isso pode ajudar a mudar o caminho: “Não querer cortar o assunto e nem querer que a pessoa esqueça isso.

Dar escuta, ser empático, validar a dor da pessoa é fundamental nesse processo. Protegê-la, tirar as coisas que podem levar a pessoa a cometer o suicídio, também é necessário”.

Outro fator de relevância para se observar é a súbita melhora. Segundo a mãe de Marina, isso pode ser um sinal ruim: “Quando a pessoa tem depressão e de repente ela melhora, não é um bom sinal. Essa falsa impressão de que está tudo bem é sinal de que ela quer despistar os familiares para realizar o ato contra a própria vida: “Minha filha disse que estava melhor, que nós não precisávamos mais nos preocupar com ela e que ela havia desistido da morte. Eu entendi como uma melhora e não como um sinal de alerta. Talvez não tenha sido falta de comunicação, foi falta de sintonia, eu tenho plena consciência de que me comuniquei da forma que sei e ela também, mas nossas sintonias eram outras. Por mais que eu achasse que a entendia e a conhecia, eu me enganei”.

A partida inesperada da filha deixou todos da família sem chão e repletos de dúvidas de como superariam tamanha dor. O blog foi um alento para a família; além dele, também procuraram grupos de apoio que os ajudaram a continuarem seguindo em frente. Atualmente os pais de Marina também coordenam o Grupo de Apoio a Enlutados por Suicídio em São Bernardo do Campo - SP.

Amparo

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A psicopedagoga Sonia Aronchi perdeu o sobrinho João, com 44 anos, no início deste ano. Um profissional bem-sucedido, respeitado na área que atuava, pai de família e apaixonado por música. Tocava vários instrumentos musicais e amava viajar com a família nas horas vagas. Seis meses antes de cometer o suicídio, a mãe de João havia falecido inesperadamente. A perda causou uma grande tristeza e desencadeou uma crise depressiva que já era acompanhada por profissionais há um tempo. Foram meses conturbados para a família, porém, também foi um momento de muita união entre os irmãos e o pai. Sonia relata que em nenhum momento ele demonstrou estar infeliz com a vida: “Antes do ocorrido, ele chegou a fazer companhia para o pai que, devido a pandemia, não estava saindo de casa. Em nenhum momento demonstrou e nem falou que estava sem condições de enfrentar a vida. Ficamos procurando a razão que o levou a cometer este ato em papéis, arquivos, celular e percebemos que não havia um motivo plausível à nossa compreensão, e somente os especialistas que nos esclareceram que seria a bipolaridade de uma crise depressiva”.

A família contou com o apoio espiritual do Frei Sebastião Benito Quaglio e do pároco da comunidade que a família frequenta para o conforto e orientação.

Sobre como estão enfrentando esse momento de dor, Sonia relata que “no momento estamos vivendo o luto na certeza de que Deus e Nossa Senhora estão nos acompanhando. Passamos pela fase da incredulidade, revolta e tristeza. Agora uma imensa saudade está em nossos corações, mas estamos sempre rezando e pedindo que Deus nos ilumine. Aos poucos estamos conseguindo entender a imensa desesperança que ele sentiu. A fé e a prática religiosa nos amparam em todo momento. Estamos confiantes de que Deus cuida de nós e dele também e nossa Mãe Maria nos dá seu colo quando estamos frágeis”, finaliza.

É preciso falar

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Segundo a psicóloga Aline “houve um crescimento na busca por tratamentos psicológicos, mas ainda existe muito preconceito. Principalmente por parte do sexo masculino. A mulher desde criança é estimulada a falar dos sentimentos. O homem não, e isso pode ser um motivo para resistência. Procure ajuda. Ninguém precisa sofrer em silêncio. A ajuda é necessária”.

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