“E a febre a deixou e ela os servia” (Mc 1,31), diz o evangelho a respeito da cura da sogra de Pedro. Sendo o primeiro milagre narrado por Marcos, esperar-se-ia algo bem mais sensacional. Nisto, há, porém, um ensinamento: os milagres de Jesus não são demonstração de poder, mas sim, um serviço ao ser humano, movido pelo amor misericordioso que não busca a autoafirmação.
Nesse milagre singelo, condensa-se o significado de todos os milagres: são curas que Jesus realiza para restituir, a cada um de nós, a capacidade de servir, pela qual nos assemelhamos a Deus. A missão de Jesus, portanto, se resume em ensinar-nos o amor que se expressa no serviço ao outro. Assim, o contato de Jesus com a sogra de Pedro a torna semelhante a Ele mesmo, que é Filho de Deus, como servo (cf. Mc 1,9-11) e “veio para servir e não para ser servido” (Mc 10,45).
A cura da sogra de Pedro imprime ainda outra marca determinante do Evangelho: uma mulher idosa e doente é a primeira a testemunhar a vida nova trazida por Jesus Cristo. Deus escolheu os pobres deste mundo para fazê-los ricos com a fé e herdeiros do seu Reino (cf. Tg 2,5).
Depois de realizar os milagres, Jesus retira-se a um lugar deserto para rezar quando ainda era noite (cf. Mc 1,35). Enquanto estava nesse local, “Simão e os seus companheiros O procuravam ansiosos e, quando O encontraram, disseram-lhe: ‘Todos te procuram’” (Mc 1,37). Tal “procura” se reveste de fundamental importância, pois procurar Jesus é a meta de nossa vida, mas para Jesus é a primeira tentação que comunga com todos os homens e que agora deve enfrentar: a de buscar o próprio “eu”.
No evangelho de Marcos, as tentações de Jesus não são narradas de forma simbólica, concentradas na cena do deserto, como em Mateus e Lucas. Para o segundo evangelista, as tentações de Jesus vão aparecendo em diversos episódios durante sua vida terrena. A primeira delas aparece embutida nesta fala de Pedro: “Todos te procuram”. Pedro e os demais discípulos (cuja fé e experiência do seguimento ainda não estavam amadurecidas), com tal declaração queriam dizer: “Senhor, o que estás esperando? Não percebes que muitas pessoas já acreditaram que tu és o Messias e estão lá em casa esperando que tu o declares e assuma a liderança da resistência aos nossos dominadores?”
Para Marcos, este é um momento de prova para Jesus, porque Ele precisa optar entre um messianismo popular ou assumir o destino de um Messias, segundo o querer de Deus. Como Filho, obediente ao Pai, desfaz o engodo satânico dizendo: “Vamos a outros lugares a fim de pregar o Evangelho, pois foi para isto que vim” (Mc 1,38). Segundo o evangelista, esse é um momento delicado na vida de Jesus, porque Ele precisa discernir entre um projeto humano, sutilmente disfarçado de divino, e um projeto autenticamente divino, que os discípulos, naquele momento, não conseguem distinguir. A capacidade para esse discernimento e a força para implementá-lo Lhe vêm da familiaridade com Deus, cultivada na oração (cf. Mc 1,35).
Esse trecho ensina a necessidade de se cultivar a proximidade com Deus, pela oração e pela escuta da Palavra, como faz Jesus, para aprender a discernir o que é da Sua vontade e não sucumbir a tantos equívocos, inclusive experiências de Deus e do Evangelho distorcidas e instrumentalizadas para tantos interesses.
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