A adoção no Brasil surgiu por volta de 1916, quando começaram a ser formuladas políticas públicas voltadas à proteção das crianças. Todavia, apesar de tanto tempo, ainda nos dias atuais há, sem dúvida, grande desconhecimento das pessoas sobre os procedimentos e trâmites legais para realizar a adoção de uma criança ou adolescente. A maioria dos pretendentes que estão na fila de adoção procuram o perfil de crianças que seja um bebê, branco, sem irmãos e sem histórico de doenças ou deficiências. Essas exigências acabam deixando crianças maiores sem perspectiva de um lar.
Dados de 2021 do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que mais de 29 mil crianças e adolescentes podem ser adotados e das 4.071 crianças e adolescentes aptos à adoção nos abrigos brasileiros, 3.172 tem mais de cinco anos.
Para Shirley van der Zwaan, advogada e presidente da comissão da infância e juventude da Ordem dos Advogados do Brasil: “Uma adoção não pode ser feita porque você tem dó das crianças, ou para ocupar o lugar de um filho que você perdeu ou não pode ter, adotar é um processo que não tem prazo definido, cada caso é específico”.
Hoje existe a possibilidade do pretendente mudar o perfil da criança que ele almeja adotar por meio de uma senha dada pelo Fórum. Muitos mudam para adoção tardia, um tipo de adoção que é muito bem vista pelo meio jurídico e torna o processo mais rápido. Adoção tardia é normalmente de crianças a partir de três ou cinco anos. Doutora Shirley também destaca que adotar uma criança deve ser uma atitude consciente e responsável: “Quando falamos de adoção, estamos falando de amor e quando se fala de amor se fala de segurança, dignidade, de respeito, de limites e tudo isso é contemplado no ato de adotar”.
Em 2001 foi criado em Santo André, cidade do ABC paulista, o grupo de apoio à adoção Laços de Ternura. Considerado referência para pretendentes à adoção, tem por objetivo orientar, subsidiar e acompanhar adotantes e pretendentes para que as adoções tenham êxito. Foi em um encontro desse grupo que o casal Wagner e Flávia Ribeiro teve a certeza de que queria adotar crianças maiores.
O ano era 2014, quando eles entraram com o processo de habilitação no Fórum e como o processo era bastante burocrático, o casal decidiu procurar um grupo de apoio para se sentir mais acolhido e partilhar toda a angústia e ansiedade que esse processo traz. Para Flávia, os encontros do Laços de Ternura foram determinantes na decisão em realizarem uma adoção tardia: “Os profissionais desses grupos de apoio foram fundamentais, pois esclareceram muitas dúvidas que surgiam durante o processo. Durante toda a espera, que também chamamos de gestação adotiva, participar de grupos de apoio é essencial. Se não houvesse o grupo hoje nós não seríamos uma família”. Flávia relembra quando encontraram o perfil dos irmãos Nicolly Shophi e Nicolas Andreas, na época com seis e nove anos.
Para Wagner, a vida mudou completamente: “A adaptação não foi fácil. Eles já tinham suas personalidades, seus hábitos formados e nós já tínhamos os nossos. Foi difícil implantar uma rotina escolar, pois eles não tinham hábito de estudar. A Nicolly veio muito revoltada devido a experiência de vida que ela tinha. Foi um processo difícil, mas conseguimos, com trabalho e paciência, contornar a situação”.
A advogada Norma dos Santos Matos Vasconcelos e o militar José Flávio Antunes tentaram de tudo para engravidar mas não aconteceu. Foi então que optaram pela adoção. A advogada relata como decidiram pela adoção tardia: “Após o processo de habilitação ficamos sabendo dos grupos de apoio que existem e uma professora da faculdade, que também adotou, me inseriu em um desses grupos virtuais. Comecei a frequentar o grupo de apoio à adoção de Guaratinguetá - SP e foi aí que tive mais contato com quem optou pela adoção tardia”.
Em julho de 2021 a grande notícia veio. Norma e José Flávio teriam a alegria de conhecer seus filhos, obtendo então uma guarda provisória dos irmãos: Anne de três anos, Ravi de cinco e Gael de oito que passariam a ter um lar, um pai e uma mãe que estavam dispostos a dar todo amor e toda atenção de que eles precisavam.
Como todo o processo de adaptação, o deles também foi de desafios, como destaca Norma: “O maior desafio foi conseguirmos superar o período de pandemia com três pequenos em casa. Também a questão de ter uma rotina e controlar as brigas entre eles, mas nada que não conseguimos resolver. As crianças são pequenas, o Gael e o Ravi têm consciência de que somos os novos pais, pois se referem aos biológicos como ‘aqueles outros pais’. Gael quase não fala, mas Ravi por vezes relembra momentos, quase todos das agressões que sofreu”.
Norma acredita que o amor é transformador e capaz de superar qualquer dificuldade e indica a adoção de crianças maiores: “Não tenham medo, o amor que circula é maior do que qualquer medo. Se eu soubesse o quanto essa maternidade me faria bem, não teria demorado tanto para seguir em frente. Hoje a minha casa tem cor, tem movimento e muito amor”.
O Dia do Encontro é um projeto de adoção tardia do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em parceria com a Corregedoria e a Coordenadoria da Infância. A iniciativa surgiu com o intuito de colocar em prática uma previsão que está no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 197 C, em que está previsto que os pretendentes participem de encontros preparatórios, em que poderão ter orientações jurídicas, desconstruindo a ideia do filho ideal para o filho real, fala-se sobre a realidade do acolhimento. Seis em cada dez crianças no Cadastro Nacional de Adoção têm a partir de 8 anos e são consideradas grandes demais por 93% dos pretendentes à adoção.
Graziela Milani Leal, Assistente Social do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul fala sobre como é o processo para participar do Dia do Encontro: “Todas as crianças e adolescentes que estão inseridas em nossos projetos, obrigatoriamente estão aptas à adoção, foram consultadas no Sistema Nacional de Adoção e não se encontraram pretendentes e, por isso, foram colocadas no perfil de adoção tardia. Com relação aos pretendentes eles precisam estar habilitados e inscritos no SNA, e eles precisam ter participado de encontros preparatórios nas suas comarcas para entenderem o fundamento do evento. O objetivo é que esse encontro seja um dia de diversão, brincadeiras, de convivência comunitária e de lazer para essas crianças”.
O barista Luis Fernando Leandri e seu irmão Carlos Eduardo Leandri foram adotados em 1992 pelo casal italiano Manuela Conti e Angelo Leandri. Os irmãos, que na época tinham entre 10 e 11 anos, foram morar na Itália logo que o processo de adoção foi aprovado. Eles eram em três irmãos, e a irmã, Elaine acabou sendo adotada por uma família brasileira. Com o passar dos anos, Luis sentiu a necessidade de rever a irmã e decidiu vir ao Brasil para encontrá-la.
Uma amiga da mãe adotiva conhecia Elaine e marcou o encontro no Rio de Janeiro. O encontro foi emocionante e ambos partilharam os caminhos que tomaram na vida. Logo veio o assunto sobre encontrar a mãe biológica.
No início, Luis não se sentiu preenchido com o pouco que conseguiu conhecer da sua história. A incerteza o impulsionou a ir até o local onde sua família biológica morava, no litoral paulista. Lá ele encontrou um vizinho antigo que contou toda a história. Emocionado, Luis Fernando partilhou conosco sobre como tudo aconteceu e o que levou a mãe biológica, Valdecy, a entregá-los para adoção: “A família do meu pai não aceitava minha mãe na família por ela ser negra e faxineira. Meu pai não suportou tanta perseguição da família e se suicidou aos 28 anos, tomando soda cáustica. Depois que ele morreu, os irmãos dele expulsaram minha mãe da casa onde ela vivia conosco. Sem emprego e sem um teto, ela não teve outra opção senão nos deixar no educandário e foi lá que fomos entregues para adoção”. A relação de Luis Fernando com as duas famílias é de amor, respeito e compreensão. Hoje, Luis Fernando tem dois lares de amor e afeto e é muito grato por isso.
Fonte: O Mílite
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