Reportagem

Esperança para além das grades

“Estive preso e você me visitou” (Mateus 25,36)

Escrito por MI

08 MAI 2023 - 00H00

Reportagem por: Ana Cristina Ribeiro, Núria Coelho, Paulo Teixeira

O Brasil adotou o encarceramento em massa como uma política de segurança. Segundo dados do Sistema Penitenciário Nacional, mais de 800 mil pessoas cumprem pena no Brasil. Destas, mais de 175 mil estão em prisão domiciliar, e mais de 660 mil em penitenciárias. A quantidade de pessoas presas é maior do que a população de Londrina – PR, ou Duque de Caxias – RS, ou ainda Juiz de Fora – MG, para fins de comparação.

A voz firme e vibrante do Frei Sebastião Quaglio, que ouvimos diariamente na Rádio Imaculada, também ressoou em ambientes menos amplificados, esteve dentro dos muros de prisões do Grande ABC. Eu vim para o Brasil com o propósito de tornar Nossa Senhora amada e conhecida para difundir o reino de Deus. Percebi que todos precisam de receber o anúncio de Jesus, mas alguns setores da sociedade precisavam mais. Dentre eles, encontrei os presos que às vezes são tratados como lixo e devem ficar isolados. Mas são pais, mães, tem filhos, são filhos também, a maioria jovem, e deixam os pais sofrendo. A maioria quer uma nova chance, tem gente que não se importa, mas tem gente que se arrepende do que fez" conta Frei Sebastião.

Só Estados Unidos e China tem mais presos do que o Brasil, que é seguido pela Rússia. O encarceramento em massa não é solução contra a violência e criminalidade. O Brasil é o terceiro país do mundo que mais prende, mas está longe de ser o terceiro mais seguro do mundo. Não há ressocialização nos presídios do Brasil, as pessoas saem revoltadas, violentadas e violentas”, é o que diz Irmã Petra Silvia Pfaller, da Pastoral Carcerária.

“A Pastoral Carcerária existe desde que existe a Igreja e realiza visitas a Jesus encarcerado nas pessoas presas. Há 50 anos existe a Pastoral Carcerária no Brasil, mas já antes havia muitas pessoas que se dedicavam aos presos. Atualmente, grupos de paróquias ou da diocese realizam visitas nos presídios para rezar e se encontrar com as pessoas. É uma presença da Igreja e uma possibilidade para ouvir as pessoas encarceradas”, Conta Irmã Petra.

Frei Sebastião relembra experiências marcantes de sua atuação nos presídios: “Por 17 anos, leigos e eu, fizemos um trabalho com os presos e familiares, foi profundo. Às vezes vemos os presos como uma mercadoria descartável e perigosa, mas é muita gente que precisa de atenção e orientação. Uma vez montei um coral, depois levei eles para cantar na igreja. Só no final da Missa avisei aos presentes que aqueles jovens foram cantar e, depois, iriam voltar para a cadeia. As pessoas ficaram impactadas quando souberam, não podiam acreditar que estavam vendo os presos daquela maneira”.

Irmã Petra Silvia Pfaller é religiosa das Irmãs Missionárias de Cristo, é alemã, está no Brasil desde 1991. É formada em Direito com especialização em Direitos Humanos, Direito Penal e Processo Penal, todos pela PUC de Goiás. Para ela a realidade do cárcere é altamente desumana: “Celas superlotadas com quatro camas para 20 pessoas, muita sujeita e falta de água tornam o ambiente insalubre. Fora já é difícil ter atendimento adequado e saúde, imagina para quem está preso”. 

Divulgação
Divulgação
Irmã Petra Silvia Pfaller é religiosa das Irmãs Missionárias de Cristo, é alemã, está no Brasil desde 1991.


Aparentemente, retirar uma pessoa criminosa da sociedade e deixá-la na prisão resolveria o problema, contudo, isso, muitas vezes “abre mais uma vaga” no crime, desumaniza quem foi preso, e a sociedade não tem condições de receber o egresso. Em diversos casos as prisões se fazem necessárias e são eficazes contra o cometimento de crimes, mas o encarceramento em massa é a generalização de uma medida específica. “A sociedade precisa de se defender, claro, mas, sobretudo, deve prevenir e ajudar as pessoas que sofrem. É preciso um trabalho humano. Nossa sociedade é tão marcada pelo cristianismo, deveria se empenhar mais pelas pessoas. Sabe, naquelas celas ouvi o que Jesus disse - ‘Estava preso e você me visitou” - e aprendi muito ali”, conta Frei Sebastião.

“O estado não é ausente, mas se faz presente com a repressão”, reitera Irmã Petra. A escolha política do encarceramento em massa é também administrativa. A corrupção não deixa de se apresentar também nesse campo. Em 2020, por exemplo, no Ceará havia uma empresa terceirizada que deveria fornecer refeições aos presos do estado. Contudo, recebiam também por presídios que estavam em construção e desativados, ou seja, recebiam mais do que as refeições que iriam oferecer. Há casos denunciados pela Pastoral Carcerária de presos que recebem alimentação de manhã e à noite, somente; e também marmitas com alimentos sem cozimento.

A prisão é um meio de punição. Mais do que a privação da liberdade, há um método de desumanização. Se fala em ressocialização, reabilitação e transformação, mas, em muitos casos, as estruturas penitenciárias não conseguem desenvolver essa proposta. “Eu acredito na recuperação dos presos. Acredito na recuperação de todas as pessoas. Mas não é por meio das grades e de ações violentas que vão se recuperar. Há uma maneira certa de recuperar as pessoas pelo perdão. Acredito na justiça retributiva que é a responsabilização da pessoa pelo dano que causou”, explica Irmã Petra.

Há o amplo debate sobre prisão em segunda estância que figura com regularidade nos jornais, contudo, os mais pobres sofrem com a falta de atenção da justiça, apesar de iniciativas de celeridade. “Temos um problema sério no Brasil de atraso processual. 40% dos presos não têm condenação, estão em prisão provisória, ainda não tem uma sentença. Aguardam anos a sentença e, às vezes, a pena vem com um tempo menor do que aquele que a pessoa está presa”, relata Irmã Petra.

Frei Sebastião teve uma experiência profunda da prisão e ressalta a questão da justiça legal, dos julgamentos, da justiça paralela e das injustiças, com esse caso que contou com lágrimas: “Conheci um jovem que não sabia nem de onde vinha, era um andarilho. Vinha do interior, era analfabeto. Ele fazia entregas e foi preso porque estava levando drogas, mas ele não sabia o que transportava, nunca olhava as encomendas. Eu mesmo o batizei na cadeia porque não sabia nem se havia recebido o sacramento do Batismo, fez primeira comunhão também. A certo ponto o juiz, vendo que ele não era perigoso, decidiu soltá-lo. Antes de sair ele me disse: ‘Frei, se o senhor ver no jornal que mataram um rapaz por causa de droga, saiba que não foi por causa disso, não. Tenho certeza de que eles vão me matar, mas o senhor pode ter a certeza de que não vou querer mais me envolver com essas coisas. Na semana seguinte eu li numa nota do jornal, numa segunda-feira, dizendo que um rapaz tinha sido morto por queima de arquivo. Li e compreendi, pelo lugar em que ocorreu o crime, que era aquele jovem que pagou com a vida por preservar a própria dignidade”. 

Divulgação
Divulgação


Fonte: O Mílite

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por MI, em Reportagem

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.