Por MI Em Reportagem

Mães da Sé, luta e esperança

A cada três minutos uma pessoa desaparece no Brasil e são mais de 200 mil pessoas desaparecidas por ano

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Por Ana Cristina Ribeiro e Núria Coelho

“Enquanto eu não encontrar a minha filha eu não vou parar. A certeza de que ela está viva em algum lugar é o que me mantém de pé e o que me faz levantar todos os dias.”

A fala é de Ivanise Esperidião da Silva de 58 anos, fundadora da Associação Mães da Sé, iniciativa que ajuda famílias que procuram por entes desaparecidos na Grande São Paulo e em todo território nacional. Há 26 anos ela procura por sua filha, Fabiana Esperidião da Silva, que desapareceu no dia 23 de dezembro de 1995.

A cada 3 minutos uma pessoa desaparece no Brasil e são mais de 200 mil pessoas desaparecidas por ano. Há 25 anos atrás o desaparecimento de uma pessoa era um problema anônimo, nem as pessoas e nem os meios de comunicação falavam sobre o assunto. A fundadora da Associação disse chegar ao limite da loucura, pois uma mãe não está preparada para perder um filho desta forma: “Quando você enterra um filho, você vive um luto real, mas quando esse filho desaparece, você vive a dor da incerteza”, disse.

A dor da incerteza levou Ivanise ao Rio de Janeiro, onde conheceu a ONG Mães da Cinelândia, lá ela também recebeu o convite para participar da novela Explode Coração da Rede Globo de televisão dando o seu depoimento. Na época, a trama trouxe à tona a temática que até então não tinha destaque nos meios de comunicação. Ivanise aceitou o convite com a esperança de encontrar a filha.

As mães da Cinelândia tratava de lutar com todo tipo violação dos direitos das crianças e adolescentes e ver aquelas mães reunidas e determinadas a encontrar seus filhos encorajou Ivanise a buscar ajuda e se unir a outras mães na mesma situação: “Quando fui ao Rio gravar para a novela, me deparei com mais de 70 mães na mesma situação que a minha, todas participavam da ONG. Perguntei para elas como que o grupo havia se formado e me informaram que elas se reuniam todas as segundas-feiras na escadaria da Cinelândia com cartazes e fotos dos seus desaparecidos, aquilo me deu ainda mais esperança”, disse.

Como tudo começou

A gravação para a novela deu ao coração de Ivanise confiança de encontrar a filha, mas infelizmente isso não aconteceu. No dia seguinte da gravação, a mãe de Fabiana começou a receber ligações de jornalistas pedindo para entrevistá-la e foi em uma dessas entrevistas que Ivanise falou da busca solitária pela filha, sem sucesso e sem apoio de nenhuma autoridade. Ao final ela deixou a mensagem de que se alguém estivesse na mesma situação, que entrasse em contato por telefone com ela. E para a sua surpresa, no dia seguinte à publicação da entrevista, o telefone não parou de tocar: “A entrevista no jornal foi publicada num sábado e na segunda-feira eu já tinha 100 nomes de pessoas na mesma situação que a minha. Eram pais, mães, irmãos que queriam saber como me encontrar para partilhar suas dores e angustias, foi aí que tive a ideia de marcar um encontro com essas pessoas em um lugar que, na minha opinião, foi palco de muitas lutas e reivindicações, a Praça da Sé”, recordou.

No dia 31 de março de 1996, aconteceu o primeiro encontro da Associação, num domingo, na escadaria da Catedral da Sé, mães, pais, parentes estavam reunidos com cartazes e fotos de seus filhos, sobrinhos, netos desaparecidos: “Foi ali que nasceu a iniciativa. Eu transformei a minha dor numa luta diária com aquelas pessoas a partir daquele domingo ensolarado”, ressaltou.

Em 25 anos de trabalho já passaram pela ONG mais de 11 mil pessoas e 5.030 desaparecidos foram encontrados.

Fio de esperança

Durante esses anos de trabalho a fundadora da ONG Mães da Sé presenciou muitos encontros emocionantes e para ela, cada um deles é uma gota de esperança em seu coração: “Pegar o telefone e dizer para uma mãe que nós encontramos seu filho, ou dizer para um parente que encontramos seu parente, traz a sensação de dever cumprido, porque quando essas pessoas nos procuram, elas já passaram por todo tipo de constrangimento, por todo tipo de abandono, então elas buscam aqui o seu último fio de esperança” , afirmou.

Ivanise ressalta que a divulgação por meio de campanhas e publicidades na TV, iniciativas privadas, como a publicação de fotos dos desaparecidos em embalagens de produtos também ajudaram muito nesse processo. Hoje, as redes sociais é um instrumento essencial na divulgação desses desaparecidos e também um meio eficaz para impulsionar o propósito da ONG.

Por outro lado, o maior desafio da Organização é a ausência de políticas públicas em apoio às famílias que vivem essa realidade. Segundo a fundadora, a falta de atualização no cadastro nacional de pessoas desaparecidas também é um fator que prejudica o processo: “O desparecimento de pessoas ainda é visto com uma invisibilidade. Temos uma legislação que foi sancionada há 2 anos, a lei 12813 que trata da adequação do cadastro nacional de pessoas desaparecidas, mas essa lei nunca saiu do papel, nunca foi cumprida, ou seja, ninguém se interessa pela causa”, declarou.

A assistente social, Maria José Pedro Placeres, 62 conheceu a ONG por meio do projeto Sempre Alerta, que na época tinha parceria com a Prefeitura de São Paulo e levava palestras para as escolas, conscientizando sobre a questão do desaparecimento de crianças e adolescentes.

Maria José passou a ser voluntária da ONG em 2016, começou atendendo as famílias que participavam da Associação. Seu trabalho até hoje é de atendimento individual, auxiliando os familiares a enfrentar a problemática vivenciada. Paralelo a isso, há também atividade grupal com o intuito de incentivá-los a voltar ao convívio social, porque, segundo ela, a grande maioria se isola, numa busca solitária pela pessoa desaparecida: “Proporcionamos um espaço de escuta e esclarecimento, livre de julgamentos, com livre troca de experiências e o desenvolvimento de estratégias comuns. De lá saem grande ideias que auxiliam no fortalecimento da resiliência pessoal e a capacidade de enfrentamento difícil e complexo dessa situação”.

No Brasil estima-se que nove pessoas desaparecem por hora e a grande maioria por vulnerabilidade social, sendo a maior incidência do sexo masculino, entre 15 a 18 anos e entre 18 a 40 anos. Entre as mulheres a maior incidência é entre 13 e 16, declinando na fase adulta. A menor incidência, mas extremamente traumatizante e dolorosa está entre as crianças. Em 2005 foi criada a lei 11259 que determina a investigação imediata em caso de desaparecimento de criança e adolescente, uma medida extremamente importante em especial em caso de suspeita de tráfico de pessoas, tráfico de órgãos, adoção ilegal , exploração sexual que são prováveis destinos de crianças e adolescentes desaparecidos.

Um dos fatores que também impulsionam o desaparecimento de crianças e adolescentes é o conflito familiar. Na maioria dos casos, a criança foge de casa, porque na verdade foge do conflito que está vivendo no seu lar.

Na ONG Mães da Sé os casos de desaparecimento por conflito familiar só são confirmados quando a criança é encontrada e, a partir dessa confirmação, começa-se o trabalho de reintegração familiar para que a fuga não se torne recorrente.

O Centro Social São Maximiliano Maria Kolbe acolhe crianças e adolescentes em vulnerabilidade social no pós-balsa em Riacho Grande, subdistrito de São Bernardo do Campo, SP. A iniciativa, que já teve destaque nas páginas dessa revista, é também instrumento de apoio e acolhida às crianças que vivem a realidade do conflito familiar.

Mesmo com a pandemia o Centro Social continua levando esperança para as famílias atendidas, oferecendo atendimento online para as crianças e levando cestas básicas às famílias. A Missionária da Imaculada Padre Kolbe, Edvanda Leal e sua equipe multidisciplinar tem feito um trabalho muito especial, sem deixar que esse contexto limite o atendimento que essas famílias precisam: “Mesmo atingindo poucos não paramos na busca de alternativas de proteção as famílias e acreditando no milagre da solidariedade e das possibilidades gerada pela nossa esperança”, relatou Edvanda.

A alegria do reencontro

Maria Aparecida Corraini teve seu filho, Silvio Cesar Corrani desaparecido por quatro anos. Em 12 de outubro de 2011, Silvio, que na época tinha 44 anos, se despediu da mãe dizendo que ia visitar o filho. No meio do caminho ele ligou para mãe dizendo que a amava muito e depois daquela ligação Maria Aparecida nunca mais o viu: “Era uma noite comum para nós, estávamos todos na minha casa, em Santo André, eu, meu esposo, a companheira dele e nesta noite ele disse que me amava muito e que não iria me esquecer nunca. Foi uma despedida, porque depois daquela ligação não o vimos mais”.

Silvio levava uma vida normal, casa, família, era artesão de sapatos e era proprietário de uma fábrica de sapatos no Litoral Paulista. Fazia uns meses que ele tinha sofrido uma decepção que desencadeou numa profunda depressão. Segundo Maria Aparecida, talvez isso tenha contribuído com o desaparecimento dele.

Depois de alguns dias em busca do filho, Aparecida foi à Praça da Sé para ver se ele estava entre os moradores de rua e foi lá que ela conheceu a ONG Mães da Sé: “Participei de um encontro com eles e fiz o cadastramento do meu filho. Me senti acolhida pela ONG desde o primeiro dia. Eles inseriram meu caso com prioridade, divulgando as fotos do Silvio em todos os meios que eles podiam”.

Após quatro anos de busca, estamparam a foto do filho de Maria Aparecida em um dos caminhões da empresa Braspress, parceira da ONG. O caminhão viajou para o Espírito Santo e através dele o filho de Maria Aparecida foi encontrado. Ele havia migrado em condições de rua para a cidade de Vitória, ES, lá foi acolhido por uma casa de apoio às pessoas com problemas mentais e recebeu o atendimento necessário. Sergio Bizon, que trabalhava na casa de apoio viu a foto dele no caminhão e imediatamente entrou em contato com Maria Aparecida: “Eu já tinha sido lesada, enganada por pessoas que ligavam e falavam que tinha encontrado meu filho só para tirar dinheiro de mim, mas quando recebi a ligação do Sergio Bizon senti verdade no que ele falava. Marcamos um horário para nos falarmos por telefone e quando ouvi a voz do meu filho, fiquei sem chão, parecia que estava voando... choramos muito e cantei para ele a música Segura na mão de Deus que ele tanto gostava”.

Na mesma semana que Maria Aparecida tinha recebido a notícia ela viajou com o neto, filho único do Silvio para o Espírito Santo. Lá ela encontrou um homem forte e feliz. Ele tinha sido acolhido por uma família muito especial que deu a ele dignidade e esperança para seguir em frente. Meses depois, Silvio voltou para São Paulo e num abraço longo e emocionado deu ao coração da sua mãe a tranquilidade de ter o filho por perto.

Após três anos do reencontro, Silvio faleceu em decorrência de uma doença grave, mas deixou no coração de Maria Aparecida a saudade e alegria de um reencontro: “Eu pude sepultar meu filho com dignidade e viver um luto digno. Eu o entreguei a Deus e isso me traz paz, apesar da saudade”, concluiu.

Conheça a ONG Mães da Sé pelos meios de contato:
Facebook: mães da sé
Intagram: @maes da sé
Site: maesdase.org.br
Telefone: (11) 3337-3331




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