Reportagem

As migrações formam nossa sociedade e cultura

“Os migrantes são hoje o símbolo de todos os descartados da sociedade globalizada” Papa Francisco

Escrito por MI

17 AGO 2020 - 13H40 (Atualizada em 03 MAI 2021 - 12H50)

Rebeca Venturini

Rebeca Venturini
Rebeca Venturini


Por Ana Cristina, Núria Coelho e Vladimir Ribeiro

O Brasil é um país de migrantes. É comum encontrar nas nossas comunidades eclesiais, no trabalho, entre os colegas de aula ou no ponto de ônibus pessoas provenientes de outras cidades, outros estados e até mesmo de diferentes países. Às vezes, quem migrou foram os pais, os avós ou os bisavós. No fundo, se remontamos às origens históricas, somos todos migrantes ou descendentes de migrantes.

Essa realidade, que pode ser vista pela experiência do dia a dia, é o espelho de um país de grande mobilidade humana. Mulheres, homens, crianças, idosos, famílias, trabalhadores com e sem emprego atravessam o país em busca de melhores condições de vida. Há muitas pessoas que fogem de situações insustentáveis, outras seguem seus sonhos e buscam uma “terra prometida”.

São Paulo, capital paulista, é um dos mais significativos polos de migração do Brasil. Tudo começou com a migração durante a colonização, a partir de 1530, e se intensificou no século XX, com o processo de migração por meio dos trabalhadores, devido o avanço da lavoura de café em 1935. Até 1949 o número de migrantes trabalhadores em São Paulo chegou a 399.937, a maioria vindo do norte, nordeste e também de outros países como do Japão. A maior parte deles se concentram na Região Metropolitana da capital. Hoje, São Paulo recebe migrantes e imigrantes de diferentes cantos do país e do mundo.


Abdulbaset Jarour

O sírio Abdulbaset Jarour chegou na metrópole em fevereiro de 2014 fugindo da guerra na Síria. Sozinho, numa cidade tão grande como São Paulo, Jarour sentiu muita dificuldade no início dessa trajetória: “Foi muito complexo, sofri muito, porque me senti perdido nesse país gigante, onde as pessoas estão sempre correndo. Foi difícil enfrentar as burocracias de deslocamento e documentação. Foi um desafio até de sobrevivência mesmo, pois para fazer um pedido de refúgio na Polícia Federal eu não tinha nem R$ 30,00 para pagar a taxa. São muitas mudanças de uma só vez: moradia, emprego, aprender a língua”, relatou. 

Entre tantos desafios encontrados, o maior deles era o de estar longe dos familiares que ficaram na Síria. Alguns dos irmãos de Jarour também conseguiram vir para o Brasil, mas outros estão refugiados em outros países e até hoje ele não teve notícias de seu pai.

Depois de um ano que estava no Brasil, Abdulbaset conseguiu trazer a mãe Khadouj Makhzoum de 55 anos para o país. Infelizmente, em março deste ano, Khadouj deu entrada às pressas no Hospital das Clinicas de São Paulo com suspeita de Covid-19. Ela era hipertensa e tinha diabetes, doenças que agravaram o quadro e a levou a morte no início de maio.

As marcas que a migração obrigatória traz na vida do refugiado são profundas, pois ele deixa toda a sua história para começar uma nova vida e toda ajuda é muito valiosa nessa transição. “Em todo esse tempo conheci pessoas que me ajudaram muito. Ganhei experiência e minha vida mudou bastante. Agora luto para me estabelecer aqui. Trabalho numa ONG, dou palestras, sou consultor cultural e tudo isso são grandes vitórias para mim”, recorda Jarour.

Apoio e direcionamento

Abdulbaset contou com o apoio de muitas organizações, entre elas o Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI) da Prefeitura de São Paulo. A Instituição oferece acolhimento e atendimento especializado aos migrantes como suporte jurídico, apoio psicológico e oficinas de qualificação profissional.

Mais de 7 mil pessoas, entre migrantes e refugiados passaram pelo CRAI até 2020. O assessor Vinicius Duque, da Coordenação de Políticas para Imigrantes e Promoção do Trabalho Decente, explica como esse serviço é desenvolvido: “A principal demanda é a regularização migratória e o CRAI tem um diferencial ao oferecer essa orientação sobre como a pessoa pode se regularizar para ter a documentação em ordem com a legislação nacional. Apesar não ser o CRAI que faz a regularização e, sim a Policia Federal ou órgãos do Ministério da Justiça, o CRAI traz essa informação de maneira facilitada, traduzida, o que facilita a comunicação com os migrantes”, afirma. A região central, zona leste e zona norte de São Paulo são as que mais procuram o centro para orientação de regularização migratória e outros serviços. A principal nacionalidade que a cidade recebe são os bolivianos, 72 mil deles migraram para a grande metrópole, depois vêm os haitianos e também angolanos. O CRAI acolhe a todos para orientar de forma humanitária, promovendo o direito de cada migrante.


Cáritas Brasileira

A Cáritas Brasileira também atua nessa missão. Ela é uma organização da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e faz parte de uma confederação de 162 organizações humanitárias da Igreja Católica que está presente em mais de duzentos países. A regional de São Paulo está localizada próxima à Catedral da Sé e, em 2019, atendeu 16.500 imigrantes buscando refúgio no Brasil.

Segundo o coordenador do Centro de Referência para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, Cleyton Soares de Abreu, o serviço oferece atendimento que visa dar autonomia ao imigrante e refugiado: “A gente realiza o atendimento para acolhimento inicial, para proteção jurídica do migrante ou refugiado. Temos um grupo de assistência social que ajuda as pessoas com mais vulnerabilidade para que se estabeleçam no país com mais autonomia e tem o setor de integração que lida com a parte da educação e recolocação no mercado de trabalho, oferecendo cursos profissionalizantes, de línguas e de empreendedorismo”.

O coordenador considera São Paulo uma cidade acolhedora, porém ainda há muita violência contra migrantes e refugiados: “A principal rejeição que há contra o refugiado e migrante é rejeição financeira. É uma população que está em vulnerabilidade porque deixou o seu país de origem. Há ainda um preconceito com uma população mais pobre, ou ainda o medo de que exista a concorrência de direitos, medo de a pessoa ser violenta e esse medo traduz o medo geral sobre o outro, sobre o diferente. Cabe à Cáritas e as outras organizações ligadas ao migrante e refugiado, sensibilizar a população nacional”, reitera Cleyton.

Migrantes e a pandemia


Hospital de campanha em Boa Vista - RR ACNUR Jesus Cova

A realidade da pandemia que acometeu o mundo inteiro foi um forte acontecimento que comprometeu a vida de muitos migrantes e refugiados. A Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), aumentou os seus esforços para evitar que o coronavírus se espalhasse entre os refugiados e a comunidade local da região norte do Brasil. Construíram um hospital de campanha com capacidade para atender duas mil pessoas, aumentando os leitos de UTI disponíveis em Roraima.

A Cáritas Brasileira também fez grande esforço para que migrantes e refugiados não fossem tão afetados pela pandemia. Por meio do Programa Pana Brasil, presente no Distrito Federal, Santa Catarina, São Paulo e Roraima, foram acolhidos cerca de 257 migrantes organizados em 76 grupos familiares, oferecendo-lhes moradia segura, alimentação e higiene.

Semana do Migrante 2020

A Semana do Migrante acontece há 30 anos no Brasil e busca mobilizar pessoas e comunidades para ações que promovam a integração, defesa de direitos, acolhida, partilha de experiências multiculturais de todos os povos.Leia MaisPapa condena inferno vivido por migrantes em campos de detençãoDivulgada Videomensagem do Papa em preparação ao Dia do Migrante e do RefugiadoImigrantes: acolher, proteger, promover e integrar

Em junho de 2020 aconteceu a 35ª edição com o tema "Migração e acolhida e o lema: Onde está o teu irmão, tua irmã".

A Semana do Migrante retomou o apelo da Campanha da Fraternidade de 2020 que trouxe o lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10, 33-34). E intensificou a importância de aprofundar o comprometimento da sociedade em acolher o migrante com esperança e solidariedade.

O encontro aconteceu a partir da integração das diversas organizações que atuam no cuidado humano, na atenção pastoral e defesa dos direitos da população migrante no Brasil.

Brasil migrante

Segundo estimativa do Ministério das Relações Exteriores, mais de 2 milhões de brasileiros vivem fora do país. Metade desse total só nos Estados Unidos. Mais de 200 mil no Japão e a mesma quantidade no Paraguai. Portugal, Reino Unido, Espanha e Alemanha abrigam cerca de 100 mil brasileiros cada. A Itália conta com 67 mil e Suíça, França, Bélgica e Argentina tem entre 15 e 40 mil brasileiros cada um.

Seja o primeiro a comentar

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.

0

Boleto

Reportar erro!

Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:

Por MI, em Reportagem

Obs.: Link e título da página são enviados automaticamente.