Psicologia

Atenção à vida

É importante estar ao lado e prevenir que as pessoas em situação de sofrimento atentem contra a própria vida

Eduardo Galindo (Divulgação)

Escrito por Eduardo Galindo

22 SET 2023 - 14H05 (Atualizada em 22 SET 2023 - 16H21)

Na década de 1990 eu era criança numa cidade pequena do interior de Minas Gerais. Certo dia, um rapaz tirou a própria vida. Eu fiquei assustado porque não se falava sobre outra coisa na cidadezinha. Alguns atribuíam o ocorrido ao demônio, outros diziam que o jovem tinha contraído Aids, cada um tinha um juízo. Na hora do sepultamento, um cortejo silencioso percorreu as ruas, mas os sinos da matriz não tocaram de forma solene como era comum para as últimas homenagens aos falecidos; o cortejo também não entrou na igreja para as orações, passou ao lado e foi direto para o cemitério. A família sofreu muito pela perda, mas também pelos julgamentos e costumes da época.

Duas décadas depois, na faculdade de jornalismo, em São Paulo, questionei uma professora sobre como noticiar um suicídio. Ela foi enfática ao dizer que não se dava a notícia, se informava sobre o velório e nada mais deveria ser dito sobre o ocorrido. De fato, essa é uma questão complexa sobre a qual nossa sociedade, muitas vezes, não consegue dialogar.

Depois de já formados, uma fatalidade sobreveio sobre nossa turma. Um dos nossos colegas se matou. O sacerdote que dirigia a faculdade organizou uma missa pelo jovem. A celebração que reuniu familiares, amigos e professores se deu em uma das salas de aula, onde tantas vezes convivemos com o rapaz que havia partido. O padre pregou sobre a beleza da vida, recordou a boa lembrança do aluno, e também houve a oportunidade de colegas e familiares se expressarem sobre o que sentiam.

Foi um momento dolorido e também importante para todos. Recordo da mãe que era uma mulher muito forte e quis dirigir uma mensagem para nós para que não corrêssemos o risco de cair em situações como as que levaram o filho a ato extremado.Leia MaisSão José de Cupertino Leituras do Sábado SantoDomingo de RamosVocê sabe o que é a Liturgia das Horas?

PREVENÇÃO

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), promove a campanha Setembro Amarelo que visa prevenir o suicídio por meio da informação. “É importante vermos essa triste realidade que registra cada vez mais casos no Brasil e no mundo, não devemos ignorar essa realidade que causa sofrimento a tantas famílias”, destaca o psicólogo Eduardo Galindo que atua no Instituto Acolher, em São Paulo.

No mundo, mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida a cada ano. No Brasil, mais de 11 mil pessoas. O suicídio é um fenômeno complexo que está ligado também a estigmas, fatores políticos e sociais, e questões religiosas. Do ponto de vista da saúde, é importante desenvolver meios de prevenção, pois, questões como depressão, alcoolismo condições clínicas incapacitantes estão ligadas ao suicídio.

Eduardo Galindo afirma que “96% dos casos estão relacionados a algum transtorno mental. Em primeiro lugar está a depressão, seguido do transtorno bipolar e do abuso de álcool. Lembrando que apesar da aparência de alegria e euforia, o álcool tem um efeito triste e depressivo na pessoa”. É importante que a sociedade se conscientize de que é importante mostrar para as pessoas que estão em condição de sofrimento que a vida é sempre a melhor escolha, que existem alternativas em momentos de desespero e que a ajuda adequada pode ser fundamental nos momentos delicados. “A depressão precisa ser tratada como algo real. As vezes os familiares e amigos agravam os casos dizendo que é frescura, falta de Deus, que a pessoa só quer chamar a atenção. Mas a pessoa sente uma dor real e constante”, diz Galindo.

A raiz do pensamento suicida é o sofrimento. Em geral as pessoas desenvolvem também problemas de autoestima e se mostram sem esperança. Em geral se acredita que a pessoa que tira a vida não avisa que vai fazer, mas esses são casos atípicos. Em geral as pessoas demonstram com sinais, e isso deve reforçar as ações de prevenção. “É importante ficar alerta quando se ouve algumas frases assim: ‘essa dor não tem fim’, ‘estou cansado de tudo’, ‘não aguento mais viver’. Se você ouvir alguém dizendo isso, é importante reconhecer que é um pedido de ajuda. Essas frases podem indicar pensamentos suicidas. O mais adequado é encaminhar para avaliação de um psicólogo ou psiquiatra”, alerta Eduardo Galindo que atua no acompanhamento de padres e pessoas consagradas.

Há pessoas que sinalizam se isolando, evitando atender ao telefone, se trancando no quarto, evitando encontros e conversas. Há pessoas discretas que começam a dar sinais ao falar de morte de forma exagerada, fora do comum.

COMO FALAR

Deve se ter cuidado ao transmitir informações sobre o suicídio, sobretudo em respeito à família e a pessoa que partiu. Também se deve considerar que há pessoas vulneráveis que podem ser demasiadamente impactas pela informação.

Nas redes sociais, sobretudo, é importante ter o cuidado de não transmitir informações improvisadas, é importante não querer explicar os motivos ou fazer suposições; não é necessário dar detalhes ou ficar perguntando sobre pormenores; é importante não reproduzir mensagens de despedidas, pois são pessoais, e nem vídeos e fotos; é importante respeitar a memória da pessoa e a família enlutada. A vida é sempre a melhor escolha.

ATENÇÃO

No contexto da minha pequena cidade, as pessoas achavam que quem cometia o pecado contra a vida deveria se privado de um funeral cristão. A fé católica, focada na misericórdia de Deus, reconhece que o dramático momento em que a pessoa cometeu tal atitude deve ser julgado somente por Deus. Em uma declaração de 1980, a Congregação para a Doutrina da Fé, do vaticano, considera que “intervenham condições psicológicas que podem atenuar ou mesmo suprimir por completo a responsabilidade”. Nesse mesmo sentido, o Catecismo diz que “perturbações psíquicas graves, a angústia ou o temor grave duma provação, dum sofrimento, da tortura, são circunstâncias que podem diminuir a responsabilidade do suicida”. O Catecismo da Igreja Católica dedica quatro artigos à questão, dos números 2280 a 2883. Reitera que a vida correspondendo a um dom de amor de Deus, alerta para o risco dos que influenciam pessoas vulneráveis, sobretudo os jovens, e afirma com clareza: “Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, oferecer-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida”.

De fato, a questão não tem explicação simplista, e nem é inexplicável, mas não precisa de opiniões e juízos. O que é necessário, no atual contexto, é de uma ampliação da atenção à vida. “Não devemos ver o suicídio somente como algo voluntário, mas como um comportamento a partir do desespero, da falta de esperança e do desamparo. O transtorno mental associado a sentimentos negativos é algo terrível na vida da pessoa”, destaca Eduardo Galindo.

É importante ouvir as pessoas em momento de sofrimento e incentivar a busca de ajuda adequada, que é a do médico, assistente social, psicólogo ou agente de saúde. É importante também dar atenção para a pessoa que sofre para evitar acidentes. Para Eduardo Galindo, a primeira providência para ajudar é ouvir e deixar que a pessoa se expresse. “Em nossa sociedade falta espaço para o acolhimento, muitas vezes se emitem juízos e opiniões, mas a pessoa precisa só de acolhimento. Depois desse passo de acolhida é importante o encaminhamento para a atenção profissional para que possa realizar um tratamento”, explica.

A sociedade deve se abster de opinar sobre os casos, também não deve banalizar e nem glorificar a morte; da mesma forma, não cabem julgamentos, mas sim, informação. Em todo território brasileiro é possível obter auxílio especializado do Centro de Valorização da Vida (CVV). Esta instituição civil realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. Desde 2017, o Ministério da Saúde realiza uma parceria com o CVV que garante a gratuidade das ligações realizadas para o CVV no número 188. Entre janeiro e março deste ano, o CVV recebeu mais de 8.690 mil ligações de todo o Brasil.

Segundo o Ministério da Saúde, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ajudam na prevenção dos suicídios. As mais de 2.836 unidades do CAPS estão em quase dois mil municípios, e ajudam pessoas que passam por transtornos a terem atendimento médico e acolhimento. Índices do Ministério da Saúde indicam que lesões provocadas e morte tiveram redução de 14% nos municípios que instalaram unidades do CAPS. Eduardo Galindo conclui recordando que a melhor forma de lidar com essa dolorosa questão é pela escuta e cuidado: “Ouvindo a pessoa que sofre é possível perceber a gravidade da questão e direcionar para a ajuda adequada. Este é um alerta para que possamos estar mais atentos aos nossos familiares, aos amigos e também a si próprio”.

CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA (CVV) - Ligação gratuita: 188 - Site: www.cvv.org.br

SERVIÇO DE ATENDIMENTO MÓVEL DE URGÊNCIA (SAMU) - Ligação gratuita: 192

Fonte: O Milite - 380

Escrito por
Eduardo Galindo (Divulgação)
Eduardo Galindo

Psicólogo Clínico, especialista em Psicoterapia Breve. Suas áreas de atuação são psicoterapia de adultos, grupos e casal, workshop, e assessorias de grupos e palestras.

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