Por Gabriel Queiroz Em Colunista Atualizada em 13 OUT 2020 - 17H26

Milagre na cela 7: a arte imitando a vida

Filme turco chega a Netflix e emociona brasileiros

*Atenção: este artigo contém muitos spoilers do filme “Milagre na cela 7”

As plataformas on demand chegaram com tudo no mercado. Após o boom inicial, construíram um corpo sólido de assinantes. Amazon, Hulu e muitas outras vem galgando um caminho aberto pela pioneira aqui no país, a Netflix.

Se as pessoas já eram assíduas consumidoras de conteúdos da plataforma com a vida correndo em sua normalidade, na quarentena então, as redes sociais tem sido inundadas de indicações, opiniões e textos emocionados sobre algumas produções disponíveis. Um título ou outro acaba viralizando e se tornando quase uma unanimidade no “queridômetro” do espectador como é o caso do recém lançado Milagre na Cela 7.

O longa metragem é um remake de um filme sul-coreano de 2013 e foi lançado nos cinemas estrangeiros em outubro do ano passado, mas só este mês ganhou projeção nacional ao entrar para o catálogo da gigante do streaming. Vale lembrar, que outras versões deste filme foram feitas na Índia, Filipinas e Indonésia, mas nenhuma traz um tom tão dramático quanto a da Turquia.

Na versão turca, somos apresentados a história de Memo (Aras Bulut Iynemli) um homem com deficiência intelectual que vive em um pequeno vilarejo da Turquia com sua mãe Fatma (Celile Toyon Uysal) e sua filha, a pequena Ova (Nisa Sofiya Aksongur). O protagonista é querido por todos, seu jeito ingênuo e puro consegue cativar o público logo nos primeiros takes.

A filha de um importante tenente do exército sofre um acidente, Memo é visto no local e impiedosamente culpado pelo pai da garota que não mede esforços para acabar com a vida do homem. Ele então é preso injustamente e dá início ao seu processo de “via crucis”.

A vida no cárcere




Ao chegar na cadeia, Memo é mal visto por todos os presos que ali vivem. Os encarcerados da cela 7 maltratam o protagonista após descobrirem o crime que ele supostamente cometeu. A deficiência intelectual do homem é visível, mas custa a ser percebida.

Com o passar do tempo, os presos vão criando um vínculo de amizade com ele. A inocência e pureza que o “mocinho” carrega consigo, aos poucos vai quebrando as barreiras e fazendo com que uma dúzia de homens amargurados, consigam partilhar de um sentimento bom, mesmo que em um ambiente tão hostil.

Em paralelo a isso, Ova, a pequena filha do protagonista, tenta a qualquer custo chegar a uma testemunha do crime e consegue. O mais bacana aqui é ver como a relação da pequena com o pai é construída, vários flashbacks ilustram o quão felizes eles são e o quanto Memo, mesmo com sua deficiência, nunca deixou faltar nada para a filha. Muito pelo contrário, ele luta pelas vontades dela, a ouve de igual pra igual e tem uma conexão ímpar com o universo infantil da garota.

Os presos começam a perceber o grande mal entendido que está acontecendo ali, eles compreendem que Memo não tem culpa alguma, apenas foi vítima de uma fatalidade infeliz ligada a uma pessoa poderosa. Eles decidem trazer a garota para dentro do cárcere. Criam um esquema incrível e a menina consegue entrar na cela 7, dando início ao verdadeiro “milagre” citado no título.

Pra tornar a experiência menos traumática, eles mentem dizendo que ali é um hospital e todos estão doentes. A curiosa menina começa a perguntar o diagnóstico de cada um e, metaforicamente, eles vão dizendo os motivos por estarem presos.

Um dos encontros decisivos para o filme, é quando Ova fica frente a frente com Yusuf (Mesut Akusta), um homem ranzinza, misterioso e de poucas palavras. Ele fica recluso em seu canto, observando um buraco na parede que o faz ter lembranças da árvore em que enterrou a filha. Graças à espontaneidade infantil, a menina logo o questiona o motivo de olhar tanto para a árvore (símbolo este que nenhum outro adulto, além de Yusuf, tinha conseguido enxergar até o momento). Assim, o homem se desarma de qualquer receio e se abre inteiramente como nunca antes para a filha de Memo. Esse encontro é tão profundo, que mais pra frente vemos o que ele gerou.

O ódio personificado

A pior repressão aqui retratada é a do próprio exército. A narrativa nos mostra que o ódio é capaz de cegar qualquer pessoa e burlar qualquer sistema. Quem está empossado de cólera, age irracionalmente apenas para se sentir menos culpado por sua própria falha.

Vale ressaltar que o filme não peca em vilanizar a instituição, mas sim, o sentimento de uma pessoa em específico. O exército não é o vilão, mas sim o ódio de um tenente cego e imponderável. Outros profissionais que trabalham nesse ambiente, são responsáveis por “limpar a barra” e acabam até burlando regras para fazer o que é certo.

Soldados ou policiais são sempre retratados com uma marra muito grande, aqui eles são humanizados. Por mais que alguns deles tenham maltratado o protagonista no começo da história, eles conseguem parar, analisar o contexto e entender que não se trata de um crime e sim de uma vingança injusta, onde a corda estoura para o lado mais fraco. O abuso de poder é silenciado com a humanidade e compaixão desses profissionais.

Uma morte que gera vida: quando a arte imita o mundo real




A avó de Ova acaba falecendo, o que torna todo esse processo ainda mais difícil, pois a menina ficaria sozinha no mundo com o pai preso. Mas como se não fosse suficiente, Memo é condenado a morrer enforcado, o que deixa a situação mais tensa ainda. A comoção por parte dos personagens é imensa, mas não há o que ser feito. A cena do “último encontro” entre pai e filha é extremamente emocionante, não há como segurar o choro.

Memo se despede dos colegas da cela 7 e caminha para a consumação de sua “via crucis” que começou com uma acusação infundada. Vemos os profissionais do exército emocionados e um homem sendo conduzido a morte.

Alguns takes adiante, percebemos que a vida de Memo foi poupada e numa manobra de justiça feita com as próprias mãos, Yusuf, o idoso que se encantou com Ova na cela, deu a vida no lugar de Memo. Permitindo que, ao contrário do que ele fez, a menina tivesse um pai presente em toda sua criação. Os algozes, como parte do planejado, haviam se atrasado e jamais souberam do que aconteceu. A troca de corpos aconteceu em extremo sigilo, fruto da cumplicidade por um bem maior.

Esse golpe de misericórdia bate forte ao assisti-lo no filme, é impossível ver essa cena sem se lembrar de São Maximiliano Maria Kolbe, fundador da Milícia da Imaculada. Assim como Yusuf, ele deu sua vida no lugar de um pai de família, para que este homem pudesse ser alento para seus familiares. Ele compreendeu ali, que o sentido da vida era, justamente, doá-la.

São Maximiliano, viveu em um ambiente hostil, mas assim como Memo, conseguiu tocar os corações que o cercavam com sua pureza, dignidade e verdade. Foi vítima do “ódio personificado” como já citado aqui e passou por um caminho injusto, mas dolorosamente necessário.

Yusuf era cheio de defeitos, a filha morreu por suas próprias mãos, mas este homem acreditava no céu e queria estar neste lugar, mesmo se julgando indigno. Doar a própria vida, foi um jeito de “fazer valer a pena” toda a trajetória dele. Deus já o havia perdoado a partir do momento que brotou o arrependimento, mas essa atitude, foi para que ele mesmo conseguisse se perdoar. A reclusão, a reflexão e a empatia, fizeram brotar neste homem tão cheio de máculas, a coragem dos mártires. Ele entrou naquele ambiente como impuro, mas o seu gesto foi tão verdadeiro, que devolveu a ele a honra e a dignidade que tanto buscava.

Um choro que liberta




O filme tem sido largamente comentado pelo seu poder de comoção. O ambiente e a crise atual faz com que a gente se sinta um pouco como os prisioneiros da cela 7, mesmo sem ter cometido crime nenhum. Mas essa atmosfera faz com que as nossas emoções fiquem abaladas e permite uma auto reflexão muito mais eficaz que em tempos comuns.

A gente começa a se confrontar com as nossas próprias emoções, nossos próprios medos, somos obrigados a adentrar partes nossas que sequer gostamos de visitar. Cada um de nós temos um pouco de Memo e sua vontade de viver, um pouco de Ova e sua pura visão de mundo, um pouco de Fatma e sua prontidão para ajudar o outro, mas também os amargores de Yusuf e sua mágoa do passado.

Esse longa metragem que em muito lembra outros filmes como “Uma lição de amor” ou “A espera de um milagre” vem nos dar um choque de empatia e realidade por abordar valores que estão tão perdidos no dia de hoje, como a liberdade, os laços familiares, a amizade verdadeira, a justiça e a importância de propagar o bem.

Se permita embarcar nessa história e reúna a família – quem estiver com você nessa quarentena – para que vocês tenham um momento de comunhão e expressem as suas visões sobre tudo o que é abordado no filme. Ah, só não esqueça que os lencinhos, neste caso, são mais indispensáveis que a pipoca. 

Escrito por:
Gabriel Lopes
Gabriel Queiroz

Formado em Rádio, TV e Internet, atua como produtor audiovisual na Rede Imaculada de Comunicação. É um entusiasta da cultura e do entretenimento e acredita, assim como São João Paulo II, na força da arte como ferramenta para adentrar os corações.

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