Colunista

A grama do vizinho é sempre mais verde

“A grama do vizinho é sempre mais verde”

Escrito por Claudia Varotti

26 JUN 2020 - 06H00 (Atualizada em 16 AGO 2021 - 12H04)

Por Claudia Varotti, professora, historiadora da arte, mestre em ciências da religião e pesquisadora em arte sacra

Existe um ditado popular no Brasil que diz “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Nós brasileiros temos a tendência de olhar para os outros países e dizer, “lá é diferente” ou “as pessoas são mais educadas lá” e por aí vai. Essas opiniões vão ao encontro do ditado popular citado acima.

Quando me mudei para a Eslováquia, em 2016, estava até ansiosa para viver e sentir o frio europeu, sentir o “frescor” da neve e todas essas ideias românticas que se casam tão bem com a expressão sobre a grama do vizinho. Contudo, não estava preparada para não conseguir caminhar na rua devido ao vento tão forte que carrega você para onde você não quer ir, descobrir que a neve somente é branquinha nos filmes ou exatamente no momento em que ela está caindo, pois depois vira um lamaçal que gruda nas rodas dos carros, nos sapatos ou formam uma verdadeira pista de gelo onde você pode cair ou derrapar a todo momento.

Eu me lembro de um dia no qual eu tinha um compromisso e teria que dirigir. O vento era tão forte que o carro não me obedecia, a nevasca impedia minha direção “segura”. Lembro-me que quando voltei para casa, escrevi para uma amiga no Brasil e afirmei: “só saio de casa agora quando esse tempo horroroso melhorar”.

Acontece que o tempo só começa a dar uma melhorada por meio de março, assim de novembro até março é frio, neve, gelo e vento, muito vento, as temperaturas são mais congelantes do que a temperatura do freezer que você tem em sua casa.

Fiz toda essa introdução sobre o inverno para chegarmos na primavera. Essa é a estação que mais preparo e atenção recebe. Todos decoram as casas, os jardins começam a ter vida novamente, as pessoas conseguem caminhar nas ruas, as crianças brincam por todos os espaços, é realmente um evento, pois as temperaturas agora estão positivas, por volta dos 5 ou 6 graus, é uma alegria.

Você já viu em qualquer lugar os símbolos comuns atribuídos à Páscoa, entre eles o coelho e o ovo, eu nunca entendi direito a associação entre coelho e ovo. Agora, aqui ficou claro, o frio é tão intenso que até os coelhos ficam escondidos e refugiados em suas tocas, somente saindo delas na primavera. E os ovos? As galinhas, gansos, patos começam a botar mais ovos nessa estação também. Assim explica-se o por quê do coelho e dos ovos estarem associados à Páscoa, que coincide com a primavera no hemisfério norte.

Voltando à grama do vizinho, tudo bem que para nós a Páscoa é no início do outono, como os europeus fazem, fazemos nós também, afinal eles são mais educados, civilizados e tudo aquilo que imaginamos ser...

Agora, imaginem só, após viver uma experiência de inverno, esperava ansiosa pela primavera onde todos diziam ser magnífica, maravilhosa, encantadora, e realmente é, mas, como tudo, também tem o seu porém.

Aqui, na Eslováquia, o feriado de Páscoa vai da Sexta-feira Santa até a segunda-feira, ou seja, sexta, sábado, domingo e segunda-feira. Provavelmente você deve estar pensando, o motivo do feriado na segunda? O motivo mais importante do feriado na segunda-feira é a tradição de uma festa pagã que remonta à Idade Média. O tema da festa é a fertilidade, nada mais normal, sendo a primavera o retorno à vida em todas as suas manifestações. Acontece que, no decorrer dos séculos, a data foi se tornando uma festa dedicada à beleza feminina. Para manter a beleza por mais um ano, as mulheres devem ser tocadas (me contaram que na Idade Média eram açoitadas) com uma vara colorida com fitas, preparada especialmente para essa época. Juntamente a esse tratamento de beleza devem tomar um banho de água gelada. Lembra-se que eu comentei que a temperatura na primavera é por volta de 6 graus? O banho gelado pode ser implementado com uma água perfumada.

Esse período foi realmente uma época muito difícil para mim, sentia uma saudade incrível do meu país, da minha identidade como brasileira, da vida comunitária da Igreja, um sofrimento terrível se abateu sobre mim por não ter uma comunidade onde pudesse viver o Tríduo Pascal. Aqui temos uma única igreja onde a Missa é em inglês. Imaginem, depois de todo o frio ainda me vem com essa história de banho de água gelada e apanhar de vara com fitas coloridas e não ter os momentos próprios da vivência pascal? Só posso dizer que foi difícil.

Porém, o período de Páscoa nos ensina que Jesus sofreu por nós, morreu na Cruz e ressuscitou, e foi a Ressurreição de Cristo que se fez presente em minha vida naquele momento. Mais ou menos nessa época, fomos convidados por um colega de trabalho do meu marido a sermos padrinhos de um lindo menino, inteligente, adorável, e me lembrei da frase “um menino nos nasceu” (Is 9,6). Por meio do batizado, conhecemos melhor o padre responsável pela Paróquia São Ladislau, onde os estrangeiros participam da Missa no domingo, e eu fui pesquisar mais sobre a água e a vara enfeitada.

Resumindo uma longa história: na Idade Média, de cada quatro homens que iam para os campos de batalha, um morria; porém de cada quatro mulheres que davam a luz, somente uma sobrevivia, assim o banho com a água fria seria uma renovação do Batismo, uma purificação, proteção e bênção para esses momentos de renovação de toda a natureza. A vara enfeitada era uma memória viva de que devemos caminhar na Palavra do Senhor que traz a beleza eterna, a vida eterna. Claro que, com o decorrer dos anos, esses conhecimentos foram ficando esquecidos e as brincadeiras com água gelada e fitas coloridas se fazem presentes sem o motivo que os originou.

A grama do vizinho nem sempre é mais verde, assim como a nossa grama nem sempre é tão feia, mas, para mim, ficou claro que o período quaresmal sempre me coloca à prova. Necessito de todo o amor que Jesus o Cristo nos dedica, porque sempre alguma coisa se transforma em minha vida e nem sempre consigo entender o que está acontecendo. Assim como a vara enfeitada, eu necessito me dedicar intensivamente à oração e à meditação para conseguir ver beleza onde, em um primeiro olhar, via sofrimento.

Mas, neste ano de 2020, não teve nada disso. As restrições em relação à pandemia foram duras, ninguém pode viajar para aproveitar o feriado. No ano que vem, a beleza volta. Vamos rezar por isso!

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